Rosângela Rodrigues de Lima veio de Fortaleza para São Paulo para acompanhar 3ª audiência do assassinato de Larissa: ‘vendo até minha casa, mas quero justiça’
É a terceira vez que Rosângela Rodrigues de Lima, mãe de Larissa Rodrigues, 21 anos, vem de Fortaleza para São Paulo, mas não para visitar a sua filha. Essa visita, aliás, ela vinha planejando há algum tempo mas os valores das passagens estavam muito maiores do que o orçamento da família. E não deu tempo. A filha caçula foi morta a pauladas na noite do dia 4 de maio de 2019. Rosângela agora quer justiça.
Aos 17 anos, Larissa, que é mulher trans, largou a capital cearense para viver em São Paulo. Durante quatro anos tudo correu bem. Aqui, ela trabalhava como garota de programa na esquina da alameda dos Tacaúnas com a avenida Indianópolis, no Planalto Paulista, zona sul de São Paulo. Toda semana mandava dinheiro para sua família. Mas na noite de 4 de maio tudo mudou. Depois de recusar fazer um programa a um cliente agressivo, Larissa foi espancada com uma ripa de madeira até a morte. Ela chegou ao hospital sem vida. Eram por volta das 22h quando o crime aconteceu.
Em entrevista à Ponte, Rosângela recorda o carinho da filha. “Ela me ligava dez vezes por dia. A gente tava ali, longe, mas sempre junto. Eu me preocupava muito com a distância. Mesmo daqui de São Paulo ela me avisava quando ia para a balada. E eu não tenho isso mais”, lamenta.
Três dias depois do assassinato de Larissa, Jonatas Araujo dos Santos, 25 anos, se apresentou no 27º DP, como autor do crime. Ele foi reconhecido por uma testemunha como o assassino de Larissa Rodrigues e se tornou réu, quando a Justiça de São Paulo aceitou a denúncia de feminicídio contra ele no dia 15 de maio. Na ocasião, chamou a atenção o fato de o promotor destacar, na denúncia, que se tratava de um caso de feminicídio, já que vítima foi morta “por menosprezo à condição de mulher”.
Nesta quinta-feira (17/10), cinco meses depois do crime, o Fórum Criminal da Barra Funda recebeu a terceira audiência do caso, na chamada fase de instrução, que foi realizada a portas fechadas para a imprensa. As testemunhas apareceram, foram ouvidas e uma nova audiência será marcada. Ela, agora, tem a expectativa de que o caso de Larissa vá a júri popular em 2020. O réu, Jonatas, permanecerá preso até o julgamento. Uma hora antes da audiência, que estava marcada para as 15h, a Ponte conversou com a família de Larissa.
Desde a morte de Larissa, os dias de Rosângela não são mais os mesmos. Não existem mais as mensagens de “bom dia” e “boa noite”, não existem mais os dez telefonemas diários, não existem mais as mensagens avisando que iria sair e as mensagens avisando que havia chegado em casa. “É uma coisa muito dolorosa para mim. Hoje, como é o dia, é como se eu tivesse com um vazio por dentro”, conta.
Larissa morreu às vésperas do dia das mães e não teve a chance de realizar uma surpresa que havia planejado. “Antes do mês de maio, ela me disse que queria fazer uma viagem comigo. Ela disse que iríamos para Natal, que estava vendo as passagens. Duas semanas depois ela me perguntou se eu acharia ruim se não fôssemos para Natal. Em seguida, ela ligou para a Rosana e disse que esse ano não passaria o Dia das Mães com a gente porque estava preparando uma grande surpresa. Pra mim, quando o caixão chegou, era a grande surpresa. Depois eu soube que ela queria reunir a família para levar na basílica de Nossa Senhora Aparecida, que ela era devota”, conta Rosângela.
“Eu sinto que um pouco de mim foi junto com ela, me sinto muito para baixo, sinto que foi morrendo um pouco de mim. Às vezes quando eu estou só sinto como se estivessem jogando um ácido em mim, que me queima por dentro. A minha vida foi junto com ela. Eu tenho mais dois filhos, mas é totalmente diferente. Eu agradeço por ter eles, mas ela era uma pessoa que era… ali, todo o tempo”, continua.
Larissa, segundo a descrição da irmã mais velha, a cabeleireira Rosana Rodrigues de Lima, 33 anos, sempre pensava no melhor. “Ela ajudava sempre a família. Ela pensava muito no futuro, tinha muitos sonhos para realizar. Ela dizia que, quando tivesse condições, ajustaria a casa de nossa mãe. E ajeitou. Ela tinha muitos sonhos que uma pessoa simplesmente destruiu. O nosso mundo hoje não tem mais amor ao próximo. É cada um por si, se mata como se estivesse matando uma barata. Eu não sei como que uma pessoa dessa, que mata brutalmente, consegue dormir”, desabafa a irmã.
A mãe completa: “Ela era uma pessoa muito alegre, brincalhona e gostava de ajudar as pessoas, sem importar a quem. Era uma pessoa muito meiga. Ela subia a escada da minha casa e dizia ‘e aí, coroa, o café já está pronto?'”, relembra Rosângela.
A matriarca critica a falta de ajuda financeira e rede de apoio. “Eu não tenho apoio de ninguém. É a terceira audiência que a gente está vindo e eu estou gastando do meu bolso. Eu só quero justiça, que ele pague pelo que fez. Ele tem um filho, deveria ter pensado no filho dele. O pobre não tem privilégio. Se fosse a filha de um rico, eu tenho certeza que já teriam feito algo, mas como é pobre acham que pobre não é gente”, confessa a mãe.
E mesmo com os gastos, Rosângela promete ir até o fim. “Eu vendo a minha casa se for preciso, mas eu vou vir em todas as audiências, nem que eu venha a pé um mês antes”, continua.
Larissa dizia para a mãe não se preocupar porque a qualquer hora ela poderia ser presa ou morta. Todas as noites, então, Rosângela rezava, pois sabia que a vida que ela levava em São Paulo lhe trazia muitos riscos e que era muito humilhante. Apesar disso, conta Rosângela, ela nunca imaginou que haveria tanta brutalidade. “Ele [Jonatas] matou por prazer. Não se mata nenhum cachorro da forma que ele matou Larissa, porque até um cachorro hoje tem punição. Ele foi muito bruto, Larissa não merecia isso. Ela era uma pessoa muito boa, muito caridosa e ninguém socorreu ela”, desabafa.
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