Segundo advogados criminalistas, enquadramento feito pelo órgão abre brecha para livrar PMs de júri popular
O Ministério Público Estadual de São Paulo denunciou sete policiais militares pela participação do sequestro e morte de David Nascimento dos Santos, 23 anos, em 24 de abril deste ano, em Favela no Jaguaré, zona oeste da cidade de São Paulo.
Em denúncia, o MP considerou que os PMs cometeram o crime de cárcere privado com resultado morte, conforme o artigo 225 do Código Penal Militar em seu artigo 3º, e não o de homicídio. A pena para este crime é de 12 a 30 anos, a mesma do crime de homicídio.
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A diferença é que cárcere privado não é um crime contra a vida, como é o homicídio. Assim existe a possibilidade de o processo seguir na Justiça Militar e não ser transferido para Justiça comum, como ocorre em casos de mortes cometidas por PMs contra civis.
A linha de raciocínio é a mesma adotada inicialmente pela Corregedoria da PM. No entanto, o órgão que fiscaliza os policiais militares recuou e enquadrou os suspeitos em homicídio.
De acordo com o G1, o MP militar avaliou como sequestro seguido de morte o crime que culminou na morte de David. A Ponte confirmou a versão com o advogado que representa a família do jovem.
Agora, caberá ao juiz militar Ronaldo Roth acolher ou não a denúncia e o enquadramento feito pelo MP. Respondem pelo crime os PMs 1º sargento Carlos Antonio Rodrigues do Carmo, o cabo Lucas dos Santos Espíndola, o cabo Mauricio Sampaio da Silva e soldado Vagner da Silva Borges, e da equipe do Baep E-05303, composta pelo 2º sargento Carlos Alberto dos Santos Lins, cabo Cristiano Gonçalves Machado, soldado Antonio Carlos Rodrigues de Brito e soldado Cleber Firmino de Almeida.
De acordo com Raphael Blaselbauer, defensor dos familiares de David, gera estranhamento a decisão do MP divergir do relatório feito pela Corregedoria da PM, que enquadrou os policiais em homicídio, não em cárcere privado.
“Causa espanto e estranheza o MP, que não fez parte das investigações ocorridas no inquérito policial, denunciar de forma diversa ao que fora relatado no Inquérito Policial Militar”, argumenta o advogado.
Para Blaselbauer, o MP tem seguidas vezes se posicionado contrariamente ao que a Corregedoria faz, como ao contrariar os pedidos de prisão preventiva dos PMs, contra a quebra de sigilo telemático e ao se opor ao termo de indiciamento.
“O laudo de IML é claro e uníssono, David morreu em decorrência dos disparos de arma de fogo. Não há mais dúvidas, como anteriormente, se tinha em relação à morte”, defende. “Confiamos, na decisão do Dr. Roth, que vem tomando sábias decisões dentro do inquérito”.
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De acordo com o advogado criminalista André Lozano, coordenador do Laboratório de Ciências Criminais do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), há a possibilidade de os PMs escaparem de júri popular com este enquadramento feito pelo MP.
“Apenas os crimes dolosos contra a vida devem ser julgados pelo júri. Quando o intuito do réu é diferente do que a retirada da vida, o processo não vai a júri popular”, explica o especialista, antes de avaliar o caso de David. “Pelas informações que tenho do caso, não me parece que seja o caso de sequestro, mas de homicídio”.
No entanto, Lozano explica que em poucos casos as pessoas acusadas são levadas a júri popular, ainda que considere a chance de, mesmo com este julgamento, os acusados receberem penalidades mais brandas do que o previsto.
“Não dá pra dizer que é para proteger os policiais, pois o júri também costuma ser conivente com arbitrariedades, não há garantia que o júri não seja seduzido por um discurso sensacionalista em prol da violência policial”, pontua.
A Ponte solicitou ao MP posicionamento e o documento da denúncia. No entanto, não recebeu uma resposta até a publicação desta reportagem.