Morte de Pedro Henrique completa 5 anos de impunidade, sob o silêncio do Ministério Público

Ativista negro contra a violência policial foi assassinado aos 31 anos em Tucano (BA), no ano de 2018. A Polícia Civil indiciou dois PMs pelo crime, mas o MP até hoje não ofereceu denúncia e se recusa a prestar contas sobre sua atuação no caso

Pedro Henrique era um ativista que denunciava violência policial e foi morto no interior da Bahia em 2018 | Foto: Reprodução/Facebook
Pedro Henrique era um ativista que denunciava violência policial e foi morto no interior da Bahia em 2018 | Foto: Reprodução/Facebook

Na vida que passou em Tucano (cidade de 48,7 mil habitantes no interior da Bahia), Pedro Henrique Santos Cruz Sousa, um jovem negro de dreadlocks, adepto da cultura Rastafari e consumidor de maconha, foi uma vítima constante de abordagens violentas pela Polícia Militar. Confiando nas instituições, o jovem relatou todas essas agressões ao Ministério Público da Bahia (MPBA), que na maioria das vezes não levou adiante as representações apresentadas pelo jovem.

Pedro foi assassinado em 27 de dezembro de 2018, aos 31 anos, e desde então o Ministério Público baiano continua a fazer pela morte do jovem praticamente o mesmo que fez por ele em vida.

Nesta semana, o assassinato de Pedro completou cinco anos de impunidade. A Polícia Civil havia indiciado os policiais militares Bruno de Cerqueira Montino e Sidiney Santana Costa pelo crime ainda em 2019, mas o processo está parado desde então, já que o Ministério Público da Bahia não ofereceu denúncia — o que tornaria os PMs réus — nem pediu arquivamento do caso.

“São cinco anos que meu marido acorda às três horas da manhã. Toda madrugada, três horas da manhã, ele está acordado. Foi o horário em que os assassinos invadiram a casa dele e o obrigaram a mostrar a casa de Pedro”, conta Ana Maria Cruz, 56 anos, mãe de Pedro. O pai do jovem morava próximo ao filho e foi obrigado a contar para os assassinos onde Pedro vivia. 

Sem perspectiva palpável para a conclusão do caso, Ana Maria Cruz se sente estagnada. A mãe de Pedro diz que a trajetória de vida de seu filho foi marcada pela violência do Estado e pela omissão desse mesmo Estado em investigar os próprios crimes, num padrão que se repete, agora, na investigação do assassinato do jovem. 

“Para mim, todo dia 27 é o dia da morte de Pedro. É um capítulo aberto na nossa vida, onde sabemos que não teremos Pedro de volta, mas queríamos fechar isso, que pelo menos víssemos o desfecho e a responsabilização dos assassinos e de outros também, porque teve muita omissão no caso de Pedro, muita omissão mesmo”, fala. 

O silêncio do MP e a ‘promoção’ do governador

O caso de Pedro é acompanhado pela ONG internacional de direitos humanos Anistia Internacional. Para Jurema Werneck, diretora-executiva da organização no Brasil, além da demora na investigação atual, houve morosidade do MPBA também nas denúncias feitas por Pedro em vida.

“É preciso lembrar que o Pedro vivo buscou a ação do Ministério Público desde o primeiro momento, desde que sofreu a primeira brutalidade da polícia. Tudo poderia ter sido diferente se o Ministério Público tivesse cumprido seu papel”, destaca.

Neste ano, a Anistia lançou a campanha Escreva por Direitos, com uma petição exigindo que “o Ministério Público do Estado da Bahia conclua as investigações sobre o assassinato de Pedro Henrique, que os responsáveis pelo crime sejam levados à justiça e que o Governo da Bahia garanta medidas de reparação e proteção para Ana Maria”.

A diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil destaca que a Anistia até hoje não conseguiu conversar com a procuradora-geral de Justiça do MPBA, Norma Angélica Reis Cardoso Cavalcanti, sobre o caso de Pedro e sobre a violência no estado. “E mais do que não falar com a Anistia, ela não se pronunciou de forma contundente para a sociedade baiana, dando conta de que a impunidade vai ter fim”, denuncia.

Jurema critica a mensagem passada pelo governo do presidente Lula (PT) com o que define como “promoção” de Rui Costa (PT), então governador da Bahia, quando Pedro foi agredido e morto, e que se tornou ministro da Casa Civil.

“Quem era governador na época que Pedro Henrique denunciava brutalidades foi promovido de cargo, virou chefe da Casa Civil do governo do Brasil. Quando um governador que lidera uma polícia capaz de brutalidades é promovido para um cargo no alto posto na União, isso mostra que a situação piorou muito”, pontua.

Caminhada pela Paz

Pedro havia relatado, ainda em 2012, que tinha sido vítima de violência policial. Numa postagem no Facebook, contou que a abordagem ocorreu na frente da casa do seu pai. Os policiais não teriam perguntado o nome ou pedido qualquer documento e passaram a agredi-lo fisicamente e também com xingamentos. 

Pedro relatou essa violência ao Ministério Público da Bahia, como fez com outras. Entre 2014 e 2018, o ativista fez pelo menos quatro representações sobre abusos da PM ao MPBA. Os promotores não fizeram nada por Pedro quando estava vivo, assim como não avançaram até agora para denunciar os seus assassinos. 

Em uma das representações de Pedro, registrada em 2014, o jovem informou ter sido abordado de forma violenta pela PM e lembrou que, em abril daquele ano, uma testemunha da agressão sofrida em 2012 havia sido morta.

Em 2020, o Grupo de Atuação Especial Operacional de Segurança Pública (GEOSP) do Ministério Público da Bahia arquivou um procedimento investigatório para apurar três denúncias de violência policial feitas por Pedro, uma em abril de 2017 e duas em maio de 2018. Os casos envolviam justamente os dois policiais que, mais tarde, acabariam indiciados pela morte de Pedro.

O promotor substituto Marcos José Passos entendeu que os crimes de constrangimento ilegal e ameaça já teriam prescrito, com base no Código Penal Militar. Já a denúncia de agressão passou a ser apurada naquele ano. O promotor também apontou que não haveria provas de autoria dos policiais “além da palavra da vítima”.

Além das representações ao Ministério Público, Pedro se tornou um mobilizador social. Ele criou a Caminhada Pela Paz, marcha que percorre anualmente as ruas de Tucano pedindo o fim da violência policial. Foram seis protestos realizados durante a vida do ativista. Neste ano, a família e amigos do jovem promoveram a 8ª edição após uma pausa durante a pandemia. Os participantes usavam camisetas com a foto de Pedro e carregavam faixas cobrando por celeridade na apuração do crime.

Impunidade sem fim

Com a conclusão do inquérito policial em 2019, a família esperava que o processo avançasse no caminho da responsabilização dos envolvidos. Mas isso não aconteceu.  

A investigação policial foi concluída sem detalhar algumas das diligências feitas e deixou de fora pedidos judiciais de quebra de sigilo telefônico dos policiais. Laudos balísticos que poderiam dizer se os projéteis disparados contra Pedro eram ou não de armas dos policiais envolvidos ficaram de fora do inquérito.

Ao receber o inquérito, o MPBA passou a pedir que perícias fossem realizadas para complementar as investigações. Algumas delas chamam a atenção pela demora. Apenas em fevereiro deste ano foram apreendidas armas particulares dos PMs envolvidos no caso. Os equipamentos passaram por perícia técnica, que não conseguiu encontrar impressões digitais ou vestígios de disparo recente.O laudo determinou apenas que as armas tinham condições de terem sido usadas.

Em outubro, o GEOSP pediu nova diligência para análise dos projéteis disparados contra Pedro. O pedido tinha como objetivo verificar compatibilidade entre os itens com outros já registrados no Sistema Integrado de Comparação Balística (IBIS).  

“É como se nós não vivêssemos. Nós não pensamos, não avançamos. É como se estivéssemos estagnados”, descreve Ana. 

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A Bahia enfrenta uma crise na segurança pública. O estado é o segundo mais violento do Brasil, indica o Anuário Brasileiro da Violência, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Conforme o estudo, a taxa de mortes violentas é de 47,1 por 100 mil habitantes, enquanto a média nacional é de 23,3. 

O estado também ultrapassou o Rio de Janeiro e se tornou o de maior letalidade policial. O dado é do relatório “Pele Alvo: a bala não erra o negro” produzido pela Rede Observatórios da Segurança. Das 1.465 vítimas, 94,76% eram negras, considerando somente as que tiveram cor ou raça identificadas. 

O que dizem as autoridades

A Ponte procurou a Polícia Civil, Militar e o Ministério Público da Bahia com questionamentos sobre o caso. A primeira respondeu que o Ministério Público deveria ser acionado. Já o MPBA, por meio de assessoria,  informou que está em recesso e que só atende demandas emergenciais. 

Não houve retorno da Polícia Militar da Bahia. As defesas dos policiais Bruno de Cerqueira Montino e Sidiney Santana Costa não foram localizadas. 

O ministro Rui Costa foi procurado por meio da assessoria da Casa Civil, mas não respondeu. 

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