Enquanto mortes causadas pela polícia no geral diminuíram em relação a 2021, agentes de segurança mataram 358 jovens entre 12 e 17 anos em 2022, aumento de 17%, aponta 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública
Paulo Victor da Silva Oliveira, 16 anos, queria ser jogador de futebol. Mas numa noite de domingo, enquanto saía para comprar pasta de dente para a família, teve o sonho imterrompido para sempre: ele foi morto por um policial militar em 24 de julho de 2022, a poucos metros de casa, en Fortaleza, capital do Ceará.
Paulo entrou para uma preocupante estatística. Enquanto as mortes causadas pela polícia em todo o Brasil caíram em 2022, o número de jovens de 12 a 17 anos mortos por agentes de segurança pública subiu em 17%, aponta a 17ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Públicia, divulgado nesta quinta-feira (20/7) pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
No total, as polícias mataram 6.524 pessoas no país em 2021, contra 6.430 no ano passado — 358 das vítimas em 2022 eram adolescentes de até 17 anos. Além disso, o Anuário registra que três crianças entre 0 e 12 anos foram mortas por policiais no ano.
Entre as mortes violentas intencionais (categoria que reúnica homicídios, latrocínios, feminicídios, lesão corporal seguida de morte e mortes por intervenção policial), houve uma queda de 2,4% no país, mas diversos estados apresentaram alta dos casos, como o Amapá, o estado mais letal segundo o estudo, com 50,6 vítimas por 100 mil habitantes, acima da média nacional de 23,4.
As regiões Sul e Centro-Oeste apresentaram aumento nos casos de violência letal: 3,4% e 0,8%, respectivamente. O Sudeste reduziu em 2% o número de casos, e as regiões Norte e Nordeste apresentaram uma redução de 2,7% e de 4,5%.
Entre os estados, a Bahia concentra o maior número de mortes por policiais, com 22,77% do total de casos. O estado também conta com 12 das 50 cidades mais violentas do país, como Jequié, que lidera o ranking, com uma taxa de 88,8 mortes a cada 100 mil habitantes.
No entanto, o Amapá é o estado com a maior taxa de letalidade policial a cada 100 mil habitantes: 16,6, quase cinco vezes acima da média nacional (3,2).
Apesar da queda de 2,6% de mortes entre crianças e adolescentes entre 2021 e 2022, jovens de até 17 anos concentram 44,5% das mortes gerais: são 2.489 casos, ou, aproximadamente, sete jovens assassinados por dia. Desses sete jovens, cinco eram negros: foram 2118 vítimas, ou 85,1% do total na faixa etária de 0 a 17 anos.
Em relação à raça/cor, pessoas negras ainda concentram 85% dos assassinatos cometidos por policiais — índice um pouco maior em comparação ao ano anterior (84,1%).
Homens jovens e negros continuam morrendo mais
A pesquisa indica que não houve mudança no principal perfil das vítimas de mortes violentas: em média, 91,4% são homens, e 8,6% são mulheres. Em relação ao perfil étnico, 76,5% dos mortos eram negros, chegando a 86% em intervenções policiais.
Em relação à faixa etária, jovens de 12 a 29 anos são as principais vítimas, tal como nos últimos anos, concentrando 75% das mortes causadas por policiais. Uma das vítimas foi Kaique de Souza Passos, de 24 anos, assassinado com sete tiros no Guarujá, litoral paulista, em junho de 2022. A reportagem da Ponte apurou que os agentes policiais cobriram sua câmera corporal no momento do assassinato.
Violência contra meninos negros chega antes da morte
Em 2022, no Shopping Santana Parque, um jovem de 14 anos foi agredido no rosto pelo segurança Felipe Januário de Moura Coelho. A história ilustra um dos principais indicativos da pesquisa ao analisar o aumento dos casos de violência em crianças e adolescentes: as agressões raciais que mudam conformem a idade de meninos negros aumentam:
“Assim como foi possível observar entre as vítimas de maus-tratos, também nos crimes letais o racismo vai se consolidando como fator que atua no incremento do risco de se tornar vítima de violência na medida em que as crianças vão ficando mais velhas.”, concluem as pesquisadoras Sofia Reinach e Betina Warmling, em nota do estudo.
O espaço urbano aparece como o principal espaço de letalidade dos adolescentes: conforme a idade avança, vias públicas alcançam as maiores taxas de locais das mortes.
Em entrevista à Ponte, Betina Warmling também avalia que os dados indicam os estigmas que a sociedade acumula sobre um jovem negro até ser marginalizado na fase adulta, e virar o principal alvo da violência do Estado já começa na primeira infância.
“Desde cedo, meninos negros são avaliados de uma forma muito cruel pela sociedade, em que se cria a ideia de jovens que são mais difíceis de conviver na escola ou de criar nas famílias, o que os levam a serem vítimas de situações de violência e não receberem ajuda, e quando observamos os dados das violências da faixa de 12 a 17 anos, a diferença fica muito mais evidente de como são tratados”, explica.