Movimentos exigem do Estado medidas contra genocídio na periferia

    Em audiência na Zona Sul de São Paulo, militantes cobram a criação de uma rede de proteção contra os assassinatos de jovens e negros na capital paulista cometidos por policiais
    Foto: Rafael Bonifácio
    Foto: Rafael Bonifácio

     

    Organizações que lutam contra a violência policial na Zona Sul de São Paulo exigem do Estado brasileiro a criação de uma rede de proteção para diminuir os abusos cometidos por agentes estatais contra jovens negros e pobres que vivem nos bairros da periferia da capital paulista. A reivindicação foi feita durante a audiência pública “Juventude e resistência”, realizada no sábado (30/05) no Cemitério Jardim São Luiz, na região sul do município de São Paulo.

    Organizada pela Comissão da Verdade da Democracia “Mães de Maio” e pelo Comitê Sociedade Civil Juventude e Resistência, a atividade contou com a presença do prefeito paulistano Fernando Haddad, que assinou um termo em que se compromete a tomar medidas que possibilitem a criação e consolidação da rede de proteção reivindicada pelas organizações. O objetivo é que outras autoridades – das esferas estadual e federal do Executivo, além de servidores do sistema de Justiça – igualmente assinem o documento. Também compareceram ao encontro Eduardo Suplicy, secretário de Direitos Humanos do município de São Paulo, e seu secretário-adjunto, Rogério Sottili.

    Violência naturalizada

    Pela sociedade civil, participaram da audiência, além do Comitê Juventude e Resistência, movimentos e coletivos como Mães de Maio, Fórum em Defesa da Vida, Movimento Comunitário Vila Remo, Comunidade Portelinha & Viela 18, Quilombaque Perus, Centro de Direitos Humanos e Educação Popular do Campo Limpo, Bloco do Beco, Sacolão das Artes, Fiel do Beco PSA, CIEJA Campo Limpo, Coletivo Tamo Vivo, Coletivo Não Te Cales, Revista Guará, além de lideranças comunitárias da região e representantes de sub-sedes na Zona Sul das torcidas organizadas Pavilhão Nove e Gaviões da Fiel, do Corinthians, e Torcida Jovem, do Santos.

    “Sou um jovem morador incomodado com as mortes de conhecidos”, afirmou Vitor Oliveira Silva, integrante do Comitê Sociedade Civil Juventude e Resistência, grupo de moradores e trabalhadores da Zona Sul que atuam em defesa dos direitos da juventude e pelo fim do assassinato dos jovens negros e pobres. “Queremos somar forças para pressionar a investigação da morte dos jovens, fazer um trabalho de conscientização sobre esse tema que é naturalizado. A violência não deve ser naturalizada. A gente deve se incomodar quando uma pessoa morre, especialmente quando é um pobre negro e periférico, porque ele é o mais violado na nossa cidade”, disse.

    Débora Silva, das Mães de Maio, disse que seu movimento serve para “colocar o dedo na ferida de quem tem a obrigação de zelar pela periferia e não zela”. “Gritamos por direitos. Gritamos para que as autoridades tenham deveres de proteção com os periféricos”, afirmou. Já Eduardo José, morador da região, explicou que as opções que existem para os jovens que ali nascem são ou “batalhar para ser o melhor jogador de futebol possível ou ser o melhor vendedor da biqueira [local onde se vende drogas]”. “Temos que vir implorar por algo que é direito nosso? Então não estamos pedindo. Exigimos de vocês [autoridades presentes] que tomem providências.”

    No termo de compromisso, o Comitê Sociedade Civil Juventude e Resistência, que elaborou o documento, defende que a rede de proteção é essencial “para que as famílias vítimas de crimes do Estado tenham todo o respaldo necessário para sua sobrevivência como cidadãos de direitos que foram violados”. De forma que tal rede se consolide, são exigidas as seguintes medidas:

    – Criação de canais de denúncia de violência policial;

    – Subsídio por parte do Estado a organizações e coletivos que trabalham contra o genocídio da juventude, sem interferir em sua autonomia;

    – Garantia do acesso aos equipamentos jurídicos;

    – Varas criminais descentralizadas;

    – Assistência financeira para as famílias vítimas da violência do Estado;

    – Atendimento psicossocial para as famílias vítimas da violência do Estado.

    Pena de morte

    O documento afirma que há décadas a situação de “extrema violência” na Zona Sul de São Paulo faz que seus moradores tenham de conviver com a realidade de parentes e amigos assassinados, além de exilados, pois muitos são obrigados a sair da região. “Diante da falta de respeito, da indiferença, das promessas não cumpridas por nossos governantes e do descaso com as condições de vida do nosso povo, estamos aqui hoje para repudiar a pena de morte na nossa região, e em todas as periferias do Brasil. Nós não quereremos que os nossos jovens precisem roubar, matar e traficar nem que sejam mortos por isso. Queremos que os governos garantam as nossas necessidades básicas.”

    A escolha do local da audiência, nesse contexto, não foi aleatória. O Cemitério Jardim São Luiz é considerado um dos cemitérios onde mais se enterra jovens no Brasil. Nele, concentram-se os sepultamentos de falecidos de uma vasta área do entorno, que compreende bairros como Jardim Ângela, Capão Redondo e Jardim São Luís, entre outros com altíssimos índices de mortes violentas. No dia anterior (29/05), por exemplo, aconteceu o enterro de Lucas Custódio, de 16 anos, morador do bairro do Grajaú assassinado por policiais militares no dia 27 de maio.

    Justiça e indenização

    Integrantes da Pavilhão Nove chegaram com uma enorme bandeira com as imagens dos oito corinthianos mortos na chacina que ocorreu dentro da quadra da torcida, no dia 18 de abril. “Estamos juntos com os movimentos sociais, as Mães de Maio, o Comitê contra o Genocídio, Fórum de Hip Hop. Infelizmente aconteceu aquela chacina na nossa casa. Foram nossos manos que foram mortos. Queremos que seja feita justiça e que as famílias sejam indenizadas”, apontou Atevir Nogueira, um dos membros da Pavilhão.

    Última pessoa a falar, o prefeito de São Paulo Fernando Haddad comprometeu-se a, por meio da Secretaria de Direitos Humanos, atuar na pressão e na intermediação com o governo estadual sempre que houver alguma ocorrência de violência policial. Foi cobrado, no entanto, por não oferecer medidas concretas de combate aos abusos e de amparo às vítimas e familiares.

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