Movimentos pedem aplicação de política nacional de busca de desaparecidos

Com 200 mil desaparecimentos entre 2019 e 2021, Brasil sancionou lei que estabelece política nacional de buscas, mas que até agora, quatro anos depois, permanece apenas no papel

familiares protestam em busca dos seus parentes desaparecidos em frente à Catedral da Sé, no centro de São Paulo, em agosto de 2023 | Foto: Anderson Jesus

Somente entre 2019 e 2021, 200.577 pessoas desapareceram no Brasil ,apontam dados do Mapa dos Desaparecidos do Brasil, promovido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Apesar do volume de desaparecimentos, o modo como o poder público tenta solucionar a questão ainda é rasa: atualmente, não há tecnologia que promova comunicação eficiente entre os boletins de ocorrência registrados ou as informações recebidas pelos Institutos Médicos Legais em diferentes estados do país.

A realidade acaba se tornando uma dose a mais de sofrimento para os familiares dessas pessoas, que reivindicam a efetivação da Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas (Lei 13.812/2019), que prevê a criação de um sistema de unificação de dados de desaparecidos em território nacional.

A luta dos familiares busca, também, trazer maior visibilidade à causa e chamar a atenção do governo e sociedade para a falha no aparato de buscas nacional, bem como a necessidade de aumento de delegacias e equipes técnicas especializadas em casos de desaparecimento.

Uma das maneiras encontradas para fortalecer essas ações é o chamamento de atos públicos em diversas capitais brasileiras no Dia Internacional das Vítimas de Desaparecimento Forçado, celebrado em 30 de agosto. Em São Paulo, a data reuniu representantes de ONGs como a Mães da Sé, criada por Ivanise Esperidião, e Mães em Luta, fundada por Vera Ranu, ambas mães de desaparecidos, além de voluntários da causa e familiares de desaparecidos.

Mães da Sé e Mães em Luta

Duas Fabianas unem diferentes mães em prol de políticas públicas que efetivem melhorias nas buscas para famílias diversas. Em dezembro de 1995, Fabiana Esperidião, 13 anos, saiu acompanhada de uma amiga para visitar outra colega que estava fazendo aniversário. A despedida das amigas na volta para casa se tornou, infelizmente, um adeus definitivo: Fabiana nunca mais foi vista.

A partir daí, sua mãe Ivanise, abalada pelo descaso que sentiu das autoridades e pela falta de informações para ampará-la em seu processo de busca pela filha, criou a ONG Mães da Sé, que é hoje uma das referências nacionais para famílias que buscam por desaparecidos. 

Já Fabiana Renata, também de 13 anos, é o farol que mobilizou sua mãe, Vera Ranu, a idealizar o movimento Mães em Luta, outra ONG igualmente reconhecida em termos de amparo social. Era novembro de 1992 quando a menina saiu de casa para ir à escola, no bairro Jardim Ipanema, zona oeste da cidade de São Paulo. Uma testemunha relatou vê-la uniformizada pela rua, mas desde então Fabiana nunca mais foi vista.

“Buscamos expressar nosso sentimento de revolta, de busca, de ansiedade e de esperança de um país que nos tornou tão invisível como nossos filhos. O desaparecido é um conflito social muito grande que acaba com as famílias e nos tornam, mães e pais, uma sociedade totalmente invisível ao poder público. As pessoas acham que nunca vão passar por isso. Todos nós, em algum momento, podemos passar por algo assim. É preciso que o poder público tenha uma visão melhor sobre a nossa dor”, explica Vera Ranu. 

Esse é também o caso de Maria Régia da Silva, mãe de Victor Rufolo, desaparecido em 2 de abril de 2009, aos 22 anos. Maria havia internado o filho no dia primeiro de abril, às 17h, no Hospital Pronto Socorro da Lapa, devido a um surto psicótico.

No dia seguinte, ao chegar para visitá-lo, não encontrou mais notícias de Victor, que desapareceu de dentro do estabelecimento. Mesmo com boletim de ocorrência, boa parte da busca se deu de forma independente: na tentativa de encontrá-lo, rodou a cidade em busca de pistas. “Eu praticamente dormia na rua [para procurá-lo] e não tinha noção de que existiam ONGs para ajudar a procurar os desaparecidos. Foram pessoas de uma compreensão, de um acolhimento, quem me explicaram tudo. Se não fossem essas iniciativas, nós [pessoas que buscam desaparecidos] estaríamos completamente sem rumo”, explica. Já são 14 anos sem respostas. 

Já Regiane Bento Ramos busca por seu irmão, Roni Ramos Nascimento, desaparecido em 16 de janeiro de 2007. Ele trabalhava no Shopping ABC, em Santo André (ABC Paulista), e terminou o expediente às 22h, quando câmeras de segurança registraram sua saída do local, mas Roni nunca chegou em casa. “Ficamos com um luto inacabado, pois não sabemos ao certo o que aconteceu com ele, fica só a angústia”, compartilhou Regiane. 

Como funciona a busca por desaparecidos em São Paulo

De acordo com Darko Hunter, membro da Divisão de Desaparecidos da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo, há três frentes de atuação para casos de desaparecimento.

A primeira é a localização de familiares de pessoas que estão hospitalizadas ou em situação de rua e desejam o contato com a família — ou precisam que esse contato seja feito.

A segunda envolve o recebimento de casos de desaparecimento, enviados tanto pela Polícia Civil, pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) e delegacias em geral, quanto via Ministério Público e Defensoria Pública ou registro de familiares.

Já a terceira atua na busca de familiares em casos de óbito, a partir do recebimento de informações dos IMLs (Instituto Médico Legal) do estado.

Quando a Secretaria recebe a informação de que alguém está desaparecido, verifica-se dentro dos sistemas se ela tem alguma passagem em serviços de saúde municipal ou acolhimento de assistência.

Caso a pessoa seja localizada, é feito o contato com a equipe técnica do espaço para, primeiro, fazer uma entrevista com o localizado e informá-lo de que consta como desaparecido e, segundo, confirmar se ele deseja o contato com o declarante. Essa pergunta é feita, de acordo com Darko, porque há casos de violência doméstica em que o agressor acaba efetuando o BO de desaparecimento para localizar as vítimas que saíram do lar para se protegerem.

Se a pessoa foi localizada e deseja o contato, ele é feito naquele momento.
Caso não queira, ela é encaminhada para ao DHPP para informar que tem ciência que constava como desaparecida, mas que não deseja o contato. Assim, se dá baixa no BO, os documentos são desbloqueados e os dados de desaparecimento retirados.

Nos casos em que não há a localização nos equipamentos públicos, é inserido um alerta dentro do sistema com as informações do desaparecido. Caso futuramente essa pessoa passe por algum serviço, constará a informação de seu desaparecimento, possibilitando o contato com a Secretaria para obtenção das informações do boletim de ocorrência e a realização do contato, caso seja o desejo do localizado.

Para aprimorar as buscas, a Secretaria também conta com uma parceria com o Metrô paulistano tanto na divulgação de fotos de desaparecidos na TV Minuto dos vagōes, por onde circula grande volume diário de pessoas, quanto com tecnologia de reconhecimento facial, em que fotos dos desaparecidos são inseridas no sistema, facilitando o seu reconhecimento caso sejam capturados pelas câmeras. 

“O nosso ideal é que esse sistema de alerta seja a nível nacional, com integração entre todos os serviços de acolhimento e saúde. Assim, se a pessoa desaparecida acessar qualquer equipamento público do país, constará o desaparecimento”, explica Darko.

“Essa medida vai facilitar o trabalho da polícia, a busca pelos nossos filhos e minimizar a espera angustiante da família. É uma resposta que o Estado nos deve”, reforça Ivanise Esperidião.

Contas que não fecham

A atual falta de padronização de dados dificulta a contagem dos casos e, consequentemente, a exatidão nas buscas. De acordo com o Mapa dos Desaparecidos, foram 112.246 registros de localizações entre 2019 e 2021. Acontece, porém, que os reencontros não se limitam a casos de desaparecidos nesse mesmo período. Não é raro que os desaparecimentos passem décadas sem resolução, incluindo casos emblemáticos como os de Priscila Belfort, Kennedy Pereira e Fabiana Esperidião.

Essa falta, aliada à necessidade de mais profissionais e campanhas nacionais sobre desaparecimentos, mobiliza os familiares a criarem seus próprios projetos. É o caso tanto das ONGs idealizadas pelas mães, quanto da ação Esperança nas Ruas, criada por Alberto Correa Santos, pai de Rodrigo Correa Santos, taxista desaparecido em 18 de maio de 2012: o carro e os documentos foram encontrados, mas Rodrigo não.

“Eu frequentava as ONGs e de tanto conviver com as mães e as ver debilitadas sem poder buscar seus filhos, eu achei uma injustiça eu poder estar o dia todo na rua [por ser taxista] com o banner do meu filho e não levar o delas também. Hoje, epresento cerca de 80 fotos das mães e também criei um projeto chamado `Abrace essa causa para não abraçar essa dor`, em parceria com distribuidoras de água, gás e pizzarias, que entregam seus produtos junto com pequenos adesivos com duas fotos de desaparecidos”, explicou.

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Além da violência do desaparecimento e falta de políticas públicas que ajudem a realmente efetivar as buscas nacionalmente, as famílias ainda passam a sofrer com depressão, golpes e até mesmo ataques virtuais e culpabilização. Apesar de tanta dor, cada ato público é celebrado como um convite à responsabilidade coletivo. O que essas pessoas não perdem nunca mesmo é a esperança. “Enquanto nós vivermos, vamos continuar lutando por políticas públicas principalmente, as mães e familiares que perdem os seus filhos, a saúde física e mental. Eu já estou cansada de todos os anos enterrar mães que morrem sem saber o que aconteceu com seus filhos”, clama Esperidião.

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