Promotoria apontou que não existem provas de que ativistas distribuíram seringas e cachimbos para incentivar consumo de drogas na região da Luz, no centro da cidade de SP; grupo passou a ser investigado após representação de vereador do MBL
O Ministério Público de São Paulo pediu, nesta segunda-feira (10/1), o arquivamento do inquérito sobre a atuação de ativistas na região da Luz, conhecida pejorativamente como “Cracolândia”, no centro da capital paulista.
A investigação foi aberta pelo Denarc (Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico), da Polícia Civil, após um dos fundadores do MBL (Movimento Brasil Livre), o vereador Rubens Nunes (PSL), fazer uma representação criminal, em setembro de 2020, para apurar os crimes de apologia ao crime e indução ao uso indevido de droga contra a A Craco Resiste, coletivo que denuncia violência policial no território.
Durante a campanha eleitoral, em vídeo e postagem no Twitter, Nunes, que disputava uma cadeira na Câmara Municipal, alegava que se tratava de uma “ONG que distribuía cachimbo na Cracolândia”. Três ativistas do coletivo, Roberta Costa, Marcos Maia e Raphael Escobar, e o psiquiatra e palhaço Flavio Falcone foram ouvidos na investigação da Polícia Civil.
A promotora Alexandra Milaré Toledo Santos argumentou que “não há nada nos autos que comprove que os investigados tenham distribuído seringas e cachimbos com o intuito de induzir, instigar ou auxiliar o consumo de drogas ilícitas”. Além disso, pontuou que existe decreto estadual que regulamenta a distribuição de seringas descartáveis a usuários de drogas, ou seja, uma política pública. “Segundo consta nos autos, todos eles realizavam trabalho voluntário na região da Cracolândia e integravam diversos projetos sociais com o fim de trazer dignidade aos usuários de entorpecentes”, escreveu. Cabe ao Tribunal de Justiça decidir se acolhe ou não a manifestação do MPSP.
O relatório final de investigação da Polícia Civil, que foi entregue em 27 de dezembro do ano passado e foi analisado pela promotora, também não indicou presença de provas que configurassem cometimento de crime. O delegado Claudio Henrique de Assis Lopes, do Denarc, não indiciou ninguém. Ele apontou que os ativistas foram identificados por redes sociais e que nenhum CNPJ foi encontrado em relação a eles. Lopes pediu informações à Secretaria Municipal da Fazenda sobre repasses públicos aos quatro ou qualquer instituições que poderiam estar vinculadas ao grupo. O único resultado foi Raphael aparecer como credor por ter atuado como agente de prevenção junto à Secretaria Municipal da Saúde, atividade que de fato exerceu entre 2016 e 2017.
Em setembro do ano passado, um protesto contra a investigação foi realizado na Praça Princesa Isabel, na região central, e um grupo de advogados, incluindo sete membros do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), chegou a pedir o trancamento do inquérito, o que foi negado pelo tribunal paulista na época.
À Ponte, o coletivo e o médico-palhaço disseram que preferem se manifestar quando sair uma decisão do Tribunal de Justiça sobre a manifestação do MPSP. Quando da abertura do inquérito, o educador Raphael Escobar apontou que a ação representa um meio de inibir as denúncias de violência policial que o coletivo realiza no território, a mais recente uma série de vídeos sobre ações abusivas da GCM no ano passado. “Não temos CNPJ, não somos ONG, não recebemos financiamento e nem temos esse papel dentro do território. Somos um grupo de pessoas, moradores, trabalhadores que se uniu em 2017 quando o [João] Doria (PSDB) ganhou as eleições da prefeitura e ficamos apreensivos de que poderia ocorrer mais uma operação Dor e Sofrimento como foi em 2012”, declarou na ocasião ao lembrar de repressão das forças de segurança no local durante a administração de Gilberto Kassab (PSD).