Recurso em tribunais superiores aponta “violação do princípio constitucional que garante a soberania do júri popular”
Por meio do procurador-Geral de Justiça, Gianpaolo Smanio, e pelas procuradoras Jaqueline Mara Lorenzetti Martinelli (Recursos Extraordinários) e Sandra Jardim, da Procuradoria Criminal, o Ministério Público de São Paulo recorreu nesta sexta-feira (16/12) ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) e ao STF (Supremo Tribunal Federal) contra a anulação do julgamento que condenava os policiais acusados de envolvimento no Massacre do Carandiru, em que pelo menos 111 pessoas morreram em 2 de outubro de 1992.
Em 27 de setembro deste ano, os desembargadores Ivan Ricardo Garisio Sartori (relator), Camilo Léllis e Edison Brandão, da 4ª Câmara Criminal do Tribunal do Júri, foram os responsáveis por anular os primeiros julgamentos que condenavam 73 PMs, além do falecido Coronel Ubiratan Guimarães, a penas que variavam de 48 a 624 anos.
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O relator da ação e ex-Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Ivan Sartori, afirmou à época que “as tropas foram recebidas a tiros pelos detentos, razão pela qual atiraram em revide à agressões que recebiam” e que os “detentos que entregaram as armas saíram ilesos”.
A Ponte Jornalismo teve acesso aos recursos ingressados no STJ e no STF. No recurso do STJ, o MP sugere que a decisão do TJ deve ser revertida porque está em “desacordo com o artigo 29 do Código Penal, que dá base legal para a condenação de réus que tenham concorrido para a prática do crime de homicídio’. E ao STF, o recurso aponta “violação do princípio constitucional que garante a soberania do júri popular”.
A reportagem da Ponte Jornalismo questionou o desembargador Ivan Sartori se ele via como constitucional anular uma decisão de júri popular. Ele não respondeu. Para os três desembargadores da 4ª Câmara Criminal, as provas do processo evidenciaram que a ação da PM foi necessária e que os policiais agiram no estrito cumprimento do dever na tentativa de controlar uma rebelião.
Os magistrados entenderam que não havia elementos suficientes para comprovar quais foram os crimes cometidos por cada um dos policiais. Apesar do pedido de absolvição de todos, feito por Sartori, os outros dois desembargadores pediram novos julgamentos. Os réus serão submetidos a novo julgamento pelo 2º Tribunal do Júri da Capital, ainda sem data marcada para ocorrer.
Desde a data da anulação do júri, o MP afirmou que iria entrar com um recurso no STJ e STF para recorrer da decisão do TJ – o que ocorreu quase três meses após a promessa. “Vamos recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e talvez também ao Supremo [Tribunal Federal] e vamos tentar reverter o resultado desse julgamento”, afirmou a procuradora de Justiça criminal, Sandra Jardim, à época. “Ele, relator, propôs algo além do que a própria defesa pedia”, disse Sandra.
Em 18 de outubro deste ano, entidades e personalidades ligadas à defesa dos Direitos Humanos no Brasil já haviam apresentado à presidente do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), a ministra Carmen Lúcia, uma reclamação disciplinar contra o desembargador Sartori, que afirmou à Ponte que o documento era uma “medida que visava coagir os juízes”.