‘Não sinto cheiro nem gosto de nada’, denunciam presos em cartas

    Familiares de detentos da Penitenciária de Bernardino de Campos, no interior de SP, receberam denúncias nesta semana; parentes afirmam que são ameaçados ao buscarem informações e que unidade nega casos de Covid-19

    Familiares denunciam que há presos com sintomas de Covid-19 em Bernardino de Campos | Foto: Reprodução/SAP

    “Mãe, realmente não estou muito bem pois estou gripado, com dor de cabeça e o pior: não estou sentindo nem cheiro nem gosto de nada”. Esse é um trecho de uma de várias cartas de presos da Penitenciária de Bernardino de Campos, no interior paulista, enviadas à familiares nesta semana.

    Clara*, esposa de um deles, disse que o marido relatou fortes dores no corpo, febre, diarreia, ausência de olfato e paladar. “A última vez que fizeram o teste [de Covid-19] foi em janeiro, que soubemos do resultado negativo no dia 2 de fevereiro. Eu liguei e estão dizendo que é uma virose, que não tem ninguém com Covid. Como virose dá esses sintomas?”, questiona.

    À Ponte, também foram enviados diversos áudios de parentes e cartas recebidos pelo Movimento Mães do Cárcere, que auxilia famílias de pessoas privadas de liberdade, denunciando que os detentos estão sofrendo com os mesmos sintomas.

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    “Tem alguns companheiros mal, com gripe, com febre, dores no corpo, sem paladar, eu tô bem, juro”, diz outra carta”. A unidade abriga 1.938 pessoas, mas tem capacidade 847 detentos, de acordo com dados de sexta-feira (5/3) da Secretaria de Administração Penitenciária.

    Trecho de carta de preso que diz: “Oi mãe! Hoje dia 03/03/21. Mãe realmente não estou muito bem pois estou gripado, com dor de cabeça e o pior não estou sentindo cheiro nem gosto de nada. Vou pedir atendimento amanhã, tá? Pois estou preocupado, nunca fiquei assim, tá? Amanhã vou pedir atendimento, tá? Fica tranquila” | Foto: Reprodução

    Há uma semana, o Tribunal de Justiça de São Paulo voltou a suspender as visitas presenciais nas unidades prisionais, após o sindicato dos agentes penitenciários entrar com um pedido liminar por causa do agravamento da pandemia do coronavírus em cidades do interior paulista. Neste sábado (6/3), a pasta publicou resolução no Diário Oficial do Estado que suspende as visitas por 15 dias e retornou com o agendamento das videoconferências aos finais de semana.

    Clara* afirma que conseguiu se comunicar hoje com o marido por meio desse recurso. “Ele estava bem avermelhado, mole, estava fraco. Disse que não está conseguindo comer direito há uma semana, tenta forçar, mas não sente gosto nem nada”, declarou. De acordo com ela, no entanto, as visitas virtuais não permitem que o preso fale abertamente tudo o que está acontecendo. “Fica um agente penitenciário do lado, eu tento perguntar mais, mas ele fala pouco e isso também acontece com outras famílias. O presencial é outra coisa”, prossegue.

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    Além disso, esposas e mães denunciam que sofreram ameaças quando tentaram telefonar para a unidade para ter notícias sobre os presos. “Eu liguei perguntando se fizeram teste porque ele está com falta de ar, dor de cabeça e o agente respondeu ‘se o teste não der positivo, ele vai para o castigo, isso aí deve ser você que passou’, mas eu não visitei meu irmão porque ele preferiu que a gente não fosse para unidade durante a pandemia”, afirma Joana*. “E a gente fica com medo de acontecer alguma coisa porque na ligação a gente informa a matrícula do preso para saber informações”, continua.

    O que diz a SAP

    A Ponte questionou a assessoria de imprensa da Secretaria de Administração Penitenciária a respeito de realização de testagens, data de último teste realizado na unidade, se houve confirmação de casos, se servidores chegaram a ser afastados por confirmação ou suspeita da doença e quais tem sido as ações frente à suspensão das visitas bem como a realização das videoconferências.

    A pasta não respondeu quando ocorreu a última testagem na penitenciária e encaminhou a seguinte nota:

    A Secretaria da Administração Penitenciária informa que foi realizada testagem em massa na Penitenciária de Bernardino de Campos. Nenhum preso testou positivo para Covid-19, mas 13 servidores tiveram a doença, contudo atualmente todos estão curados e já retornaram o trabalho.

    A Pasta retomou na última quarta,3, os agendamentos das Visitas Virtuais – 2ª Fase do Programa Conexão Familiar nos 178 presídios do estado. A volta das chamadas à distância entre presos e seus familiares ocorreu após a Justiça suspender as visitas presenciais. Somente pode usufruir da ferramenta o familiar que estiver cadastrado no rol de visitas dos reeducandos. As visitas virtuais vão ocorrer aos sábados e domingos, das 8h às 16h.

    O Programa Conexão Familiar foi idealizado pela Secretaria da Administração Penitenciária por conta da pandemia do coronavírus, sob supervisão da Coordenadoria de Reintegração Social e Cidadania.

    *Nomes foram trocados a pedido das entrevistadas que temem represálias aos parentes presos.

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