Davi Fiuza desapareceu em 2014 em abordagem da PM; sete policiais foram acusados e órgão internacional faz pressão para um desfecho na Justiça
O Alto Comissariado da ONU (Organização das Nações Unidas) cobrou do Brasil uma resposta pelo desaparecimento de Davi Fiuza, então com 16 anos, que sumiu após uma abordagem policial na periferia de Salvador, na Bahia, em outubro de 2014. No Dia Internacional das Vítimas de Desaparecimento Forçado, nesta sexta-feira (30/8), a cobrança da Anistia Internacional e de Rute Fiuza, mãe de Davi, é pela publicidade da resposta dada pelo país.
A ONU tinha estipulado 26 de agosto de 2019 como data limite para o Estado Brasileiro responder sobre o andamento das investigações, os resultados das acusações feitas pelo Ministério Público, bem como pressionar para que haja um desfecho por parte da Justiça, com o julgamento devido dos responsáveis. De acordo com Rute, a Anistia informou que o governo federal respondeu, sim, à solicitação de explicações, mas colocou a resposta como sigilosa.
“Importante que não haja sigilo dessa resposta do governo. A sociedade civil quer saber o que, o porquê, qual é a resposta – se é que há – para as atrocidades cometidas pela PM não só aqui na Bahia, mas no país todo”, critica a mãe de Davi, que considera a decisão de restringir a resposta igual ao silêncio. “É a mesma coisa, não há nenhuma diferença. O fato de estar em sigilo é a mesma coisa de não responder”, diz. “A sociedade baiana quer uma resposta. Quando coloca sigilo, é sigilo do que? Não consigo entender e até não sei o que responderam. Me deixa temerosa”.
Rute luta há cinco anos para que o governo identifique onde o corpo de Davi está para ela poder enterrar seu filho. Mais do que isso, briga para que os 17 policiais militares da PM baiana respondam pelo crime. Em setembro de 2018, o MP (Ministério Público) da Bahia denunciou sete desses policiais por sequestro e cárcere privado, enquanto a investigação da Polícia Civil local apontou que os 17 PMs eram responsáveis pelo sumiço e morte do garoto – foram indiciados 2 tenentes, 2 sargentos e 13 alunos do curso de formação da PM pelo desaparecimento, morte e ocultação do cadáver do adolescente. No entanto, o MP considerou que as provas eram insuficientes para denunciar os acusados por homicídio, os enquadrando em sequestro e cárcere privado.
“Foi preciso um órgão de fora agir para o governo responder. Só assim: precisa vir uma cobrança de fora para dentro para algo acontecer nesse país. Vemos caso da Luana Barbosa, do Amarildo, da Marielle… O próprio Amarildo, todos PMs estão na rua. Não espero muita coisa da Justiça”, lamenta Rute, que condena a atuação do MP no caso de seu filho.
“O MP é um dos grandes culpados pelo que está acontecendo no país, é muito conivente com o que acontece. Tem grande parcela de culpa de absolver policiais, de não ir tão à fundo na verdade. Não vejo nenhuma credibilidade no MP e em nenhum órgão que trate de justiça, principalmente relacionado ao povo preto e periférico”, afirma.
Jurema Werneck, diretora executiva da organização, defende que a solicitação de respostas feita pelo alto comissariado da ONU é uma demonstração que casos como este não serão silenciados.
“Queremos saber se o governo brasileiro respondeu e o que respondeu. Não é possível haver impunidade, que os responsáveis não sejam levados à Justiça. Precisamos que o MP garanta que os responsáveis sejam levados. Que esse tipo de situação não aconteça. E que a família, a mãe de Davi, sua comunidade, recebam e encontrem justiça e as declarações a que têm direito”, avalia Jurema.
Para ela, os desaparecimentos forçados seguem vivos na rotina do Brasil mesmo que a ditadura militar tenha ficado no passado. “Com o regime militar, foram mais de 300 desaparecidos e mortos. A partir daí, não sabemos quantos mais foram. Um grupo de agentes do Estado chega, leva alguém, essa pessoa desparece sem explicação, sem justificativa, a família e comunidade ficam sem notícia do paradeiro, fica com essa violência e sequer temos a informação do quanto isso acontece”, diz. “É muito importante chamar atenção para o caso do Davi para que as autoridades prestem informações e que esse tipo de coisa não aconteça mais”, emenda.
Jurema Werneck vê com preocupação que o atual presidente Jair Bolsonaro (PSL) assuma e declare ser contrário às garantias básicas de direitos humanos. “Direitos humanos não é questão de opinião, contrário ou a favor. Direitos humanos são garantidos na lei, em tratados internacionais aos quais o Brasil tem obrigação de respeitar. Não importa qualquer que seja o governante, ele segue tendo obrigações de cumprir a Constituição e segue tendo que respeitar o direito e a vida das pessoas”, afirma.
A Ponte questionou a Secretaria Geral da Presidência da República sobre a carta da ONU, se o retorno foi, de fato, dado e qual o conteúdo da reposta. Até a publicação da reportagem, não havia resposta. A reportagem também solicitou um posicionamento oficial do governo baiano, pois a ação envolve a Polícia Militar local. O pedido não foi atendido até o momento.