Segundo a Polícia Civil, adolescente praticou roubo e policial de folga reagiu; o outro jovem baleado na ação relatou ameaças após assassinato de Luan Gabriel, 14 anos, no ano passado
Duas testemunhas do assassinato de Luan Gabriel Nogueira de Souza, então com 14 anos, ocorrida em 5 de novembro de 2017, foram baleadas por um policial militar à paisana na sexta-feira (16/11), em Santo André, cidade do ABC Paulista. Um dos jovens morreu e o outro segue internado. Ambos têm 16 anos e um deles relatou ter sofrido ameaças de PMs após a morte de Luan.
Segundo o B.O. (Boletim de Ocorrência) do caso, Rodrigo Nascimento de Santana e J.A.S. tentaram roubar uma moto parada no semáforo na esquina da avenida dos Estados com a Sorocaba. Ao subirem no veículo, o PM Antônio Noronha Barboza, de folga e sem farda, viu a cena e reagiu, atirando nos dois rapazes.
Ainda de acordo com o B.O., os dois tentaram fugir mesmo feridos e bateram a moto em um poste. Rodrigo morreu no local, enquanto o outro adolescente recebeu atendimento médico e segue internado no Centro Hospitalar Municipal de Santo André.
Testemunhas ouvidas pela Ponte contam versão diferente da apresentada pelo PM à Polícia Civil. Os relatos apontam que o primeiro tiro teria sido dado pelo policial à paisana nas costas da dupla e, após os jovens caírem, o PM teria atingido um dos dois no peito. Após perícia, foi apreendida a arma calibre .40 do policial militar e um simulacro de arma que teria sido usado pelos jovens. O delegado Paulo Rogério Dionísio solicitou exames necroscópico em Rodrigo e de corpo de delito no outro adolescente.
Procurados pela reportagem, familiares dos jovens preferiram não comentar o caso. A mãe do adolescente baleado o visitou nesta quarta-feira (21/11) no hospital. Ele foi atingido no braço esquerdo e nas nádegas e, segundo o B.O., está escoltado por PMs. A decisão do delegado é para encaminhar o caso à Vara da Infância e Juventude e à “Febem” (Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente), como está registrado no documento o encaminhamento para a Fundação Casa, instituição que a substituiu em dezembro de 2006.
No documento, o delegado Paulo Rogério Dionísio aponta que o caso de trata de morte decorrente de intervenção policial. “Por fim, necessário registrar que a conduta do policial Antônio Noronha, que culminou na morte do adolescente Rodrigo Nascimento, e em ferimentos no outro adolescente, está acobertada pelo excludente de ilicitude, denominada legítima defesa”, sustentou Dionísio.
Para o advogado Ariel de Castro, membro do Condepe (Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Humana de São Paulo), a investigação sobre a morte de Rodrigo deve cogitar a possibilidade de retaliação. “Em vários momentos essas testemunhas foram ameaçadas, constrangidas e intimadas no bairro antes deste episódio, assim como os próprios familiares do Luan Gabriel”, aponta o advogado.
Segundo Ariel, o caso poderia ter outro fim ainda que os dois tivessem cometendo um crime, conforme relatado pelo PM. “Mesmo que estivessem cometendo furto ou roubo deveriam ser detidos e não alvejados por disparos de um suposto policial à paisana e um deles assassinado. As vidas humanas são incomparavelmente mais importantes que bens materiais”, sustenta.
Caso Luan Gabriel
Os dois presenciaram a morte de Luan Gabriel Nogueira de Souza em 5 de novembro de 2017. O garoto havia saído de casa com um outro amigo para comprar bolachas quando passou por uma viela do bairro no qual morava. Ali, outros jovens estavam presentes. Segundo eles, um PM apareceu e efetuou um disparo em direção ao grupo, acertando a nuca de Luan Gabriel, que morreu.
Em junho deste ano, a perícia comprovou que o disparo que matou Luan saiu da arma do cabo Alécio José de Souza, integrante do 10º BPM (Batalhão de Polícia Militar) e ele foi indiciado por homicídio culposo, quando não há intenção de matar. Em agosto, no entanto, o PM foi denunciado pelo MP (Ministério Público), dessa vez por homicídio qualificado por recurso que dificultou a defesa da vítima. A Justiça acatou a denúncia do MP e decretou a sua prisão. Ele permaneceu dois meses e cinco dias preso, entre 14 de agosto de 2018 e 19 de outubro, quando lhe foi concedido um habeas corpus e ele responde o crime em liberdade.
Um dos adolescentes baleados na ocorrência de sexta-feira (16/11) relatou ter sofrido ameaças no dia da morte de Luan. Segundo ele, no dia do homicídio o policial chegou à viela aos gritos de “perdeu” e disparou contra o grupo, que, assustado, correu. Foi neste momento que o garoto de 14 anos foi atingido. Após sua morte, um padre pediu o fim da violência policial em Santo André.
Este mesmo jovem relatou que o parceiro de Alécio à época, o também cabo Adilson Antônio Senna de Oliveira, teria o ameaçado, pegando-o pelo pescoço e dizendo que seria “zoado” caso acusassem os dois policiais pela morte de Luan. A Corregedoria da PM recebeu a mesma denúncia sobre a suposta intimidação.
Rodrigo, o outro adolescente testemunha do assassinato e que morreu no local no crime deste ano, relatou ter presenciado tanto os disparos que teriam sido feitos por Alécio quanto a ameaça ao outro rapaz. Segundo ele, após balear Luan Gabriel, o PM disse “derrubei mais um” e gritado para que “alguém chamasse o Samu”. Depois, viu o amigo ser “pego pelo colarinho”.
A liberação do cabo Alécio se deu em decisão do desembargador Gilberto Ferreira da Cruz em outubro. Para ele, a prisão preventiva aconteceu nove meses depois do assassinato e, depois da morte de Luan Gabriel, “não houve notícia de nova intimidação a qualquer uma das testemunhas”. Assim, determinou liberdade para Alécio.
Questionada pela Ponte, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) de São Paulo, por meio de sua assessoria terceirizada, a InPress, explicou que a investigação deste caso ficará à cargo do SHDP (Setor de Homicídios da Polícia Civil de Santo André) e a PM também instaurou IPM (Inquérito Policial Militar) para apurar o caso.
Sobre as investigações acerca da morte de Luan Gabriel, a pasta informou que o trabalho foi “concluído e relatado à Justiça em maio de 2018, com o indiciamento de um dos PMs”. “Pela Polícia Militar, o IPM também foi concluído com o indiciamento dele e remetido à Justiça Militar. O policial militar foi preso em cumprimento de mandado de prisão preventiva e responde a um processo administrativo disciplinar”, explicou a SSP.