PM atirou e matou jovem negro rendido, indica câmera na farda

Corregedoria da PM pediu prisão de nove policiais do 3° BAEP de São José dos Campos que atuaram em ação que resultou na morte de Vinícius Castro, em 9 de setembro

Frame de parte de degravação de vídeo proveniente da câmera acoplada na farda do cabo Elenilson. A Ponte censurou os dados do RG da vítima | Foto: reprodução

Em 9 de setembro, uma ação policial no bairro do Jardim Flamboyant, São José dos Campos, no interior paulista, terminou com a morte do jovem Vinícius David de Souza Castro Gomes, de 20 anos. Os policiais envolvidos afirmaram que ele foi morto ao ameaçá-los com uma arma. Mas uma imagem tirada pela câmera na farda de um deles parece contar uma história diferente. A Ponte teve acesso a uma parte da degravação do vídeo que indica que o rapaz foi alvejado já rendido.

De acordo com os depoimentos à Polícia Civil, após participarem de roubos a estabelecimentos comerciais na região, usando um Corsa branco roubado, quatro jovens e um adolescente tentaram fugir da polícia e bateram na portaria de um condomínio, e depois num poste. Entre eles estava Vinícius.

Na versão do sargento Frederico Manoel Inácio de Souza, do 3º BAEP (Batalhão de Ações Especiais de Polícia), Vinícius saiu do banco dianteiro e “chegou a levantar as mãos”, mas “tentou levar a mão na arma que estava em sua cintura, mesmo depois de receber as ordens que era para largar a arma” e “insistiu em sacá-la” em sua direção. O policial justifica que atirou três vezes “para repelir a iminente agressão”.

A degravação do registro, proveniente da câmera acoplada na farda do cabo Elenilson Daniel dos Santos, mostra o momento em que o colega Frederico Manoel dispara contra Vinicius, que aparece com as mãos na cabeça, rendido, sentado no banco do passageiro no carro.

A imagem é um quadro do vídeo colhido na câmera da farda. A informação só passou ao conhecimento da Polícia Civil porque no mesmo dia, em 9 de setembro, policiais à paisana da Corregedoria da Polícia Militar informaram na delegacia “sobre a possível existência de imagens gravadas por câmeras acopladas aos coletes balísticos dos policiais, o momento em que um dos Policiais envolvido na ocorrência teria efetuado disparos contra um dos autores dos roubos, o qual já teria se rendido”.

As imagens da câmera na íntegra foram solicitadas pela Polícia Civil, mas ainda não chegaram, segundo o advogado Thiago Marques, que representa a família de Vinícius. “Já fui na Corregedoria, mas é tudo muito demorado, nem ao IPM (Inquérito Policial Militar) eu tive acesso”, diz. “Essa foto do registro já mostra que houve uma execução.”

Duas versões conflitantes

Em depoimentos, três dos jovens que foram presos deram sua versão: disseram que estavam em fuga após terem assaltado dois mercados no bairro Jardim Flamboyant. Eles afirmaram que os cinco participaram dos roubos aos estabelecimentos comerciais, mas não o do veículo, e que usaram uma arma calibre 32 e uma pistola de brinquedo, que teriam sido “dispensadas” no meio do caminho. Quando estavam indo em direção ao bairro do Pinheirinho, teriam visto viaturas do BAEP e outras atrás deles.

Durante a fuga, bateram o veículo. Os três relataram que o adolescente e Vinícius foram baleados desarmados. O menor de idade usava colete balístico e foi socorrido ao pronto socorro após ser atingido por um tiro.

Os policiais apresentaram na delegacia, conforme o boletim de ocorrência, quatro armas: um revólver calibre 38, uma pistola calibre 380, o revólver calibre 32 e a arma de brinquedo. Os três jovens afirmam que as duas outras foram plantadas pelos policiais e que estavam desarmados quando ocorreu a abordagem. Um fuzil e uma pistola .40 usadas pelos PMs também foram recolhidos para perícia.

No termo de depoimento, que é mais detalhado que o boletim de ocorrência, o sargento Frederico Souza declarou que foram acionados após receberem um chamado de que um veículo roubado estaria circulando pela Avenida Joao Rodolfo Castelli e, em seguida, outro de que ocorria naquele momento um assalto a um estabelecimento comercial no bairro Jardim Flamboyant.

Ao se direcionarem ao local, diz que avistaram no contra fluxo, pela Avenida Glaudiston Pereira de Oliveira, um carro em alta velocidade ocupado por cinco pessoas. Em determinado momento do trajeto, um deles teria jogado um objeto pela janela, que foi recolhido e viram se tratar de uma arma de brinquedo.

Depois, prossegue, o Corsa bateu contra a portaria de um condomínio e em seguida em um poste. O sargento afirma que o motorista do veículo desceu, fugiu e foi perseguido a pé por um dos policiais, que recebeu apoio de outra viatura.

Na sequência, segundo ele, o ocupante do banco traseiro desceu com a arma em punho e ao apontar em direção aos policiais, foi baleado no peito pelo PM Diego Fernandes Imediato da Silva e caiu. Esse primeiro alvejado foi o adolescente. Já Vinícius foi alvejado por Frederico. O texto do depoimento do PM Diego é praticamente o mesmo do colega.

Os três jovens, por serem maiores de idade, foram para um CDP (Centro de Detenção Provisória) e o adolescente, após o atendimento médico, para a Fundação Casa, segundo Thiago Marques, que também representa o menor de idade.

A morte de Vinicíus, que morava na comunidade Santa Cruz, em São José dos Campos, gerou um protesto na avenida Teotônio Vilela, e ao menos quatro veículos foram incendiados no dia 13 de setembro, segundo reportagem do Vale Urgente, da TV Band. A Ponte procurou familiares de Vinícius, mas não houve retorno.

Ajude a Ponte!

No boletim de ocorrência, apenas os policiais Frederico e Diego constam no registro, mas outros também participaram da ação. O G1 publicou nesta sexta-feira (24/9) que a Corregedoria da corporação pediu a prisão preventiva de nove PMs que tiveram envolvimento nesse caso, mas não tinha informação sobre o que motivou a solicitação, havia apenas “erros em abordagem”.

A Ponte confirmou com fontes na polícia que tiveram acesso ao inquérito que as prisões foram solicitadas por causa da filmagem na câmera na farda. O pedido ainda não foi analisado pela Justiça Militar. A reportagem não teve acesso aos nomes dos outros PMs envolvidos.

O que diz a polícia

A Ponte procurou as assessorias da Secretaria de Segurança Pública e da Polícia Militar sobre o caso e aguarda uma resposta.

A reportagem não identificou nem localizou possíveis defensores dos policiais.

Já que Tamo junto até aqui…

Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

Ajude

mais lidas