Ao contrário do que afirmou o governador Geraldo Alckmin (PSDB), nenhum manifestante foi preso sob suspeita de roubo. Dos 51 detidos, 36 foram fichados por desacato e incitação ao crime
A Polícia Civil de São Paulo investiga a possível prática de tortura e de abuso de autoridade por parte de policiais militares que, há uma semana (09/01), atuaram na detenção de 51 participantes da manifestação do Movimento Passe Livre (MPL) contra o aumento das tarifas do transporte público em São Paulo, que subiram de R$ 3 para R$ 3,50.
No registro oficial do caso, assinado pela delegada Cristina Yuriko Otsuka, do 78º DP (Jardins), constam como “partes” dois policiais militares e 36 detidos na manifestação, dos quais quatro são adolescentes. Os outros 15 foram liberados sem nenhum tipo de fichamento na polícia.
Pelo documento, que serve para abertura de um inquérito policial, a Polícia Civil listou como crimes a serem investigados: desacato e incitação ao crime, isso por parte dos 36 detidos, e abuso de autoridade e tortura, por parte dos PMs.
Nenhum preso por roubo
Ao contrário do que afirmou um dia após a manifestação o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), não há no registro oficial dos problemas decorrentes da manifestação nenhum indiciado por roubo entre os 36 detidos.
No sábado (10/01), durante a inauguração da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital e Maternidade Leonor Mendes de Barros, na zona leste de São Paulo, o governador de São Paulo afirmou que foram detidas 53 pessoas por conta de problemas na manifestação, “dessas, 19 por roubo”.
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Levantamento da reportagem localizou 19 roubos na cidade de São Paulo em horários próximos aos do início e do fim da manifestação do dia 9, mas todos eles ocorreram em regiões distantes da região central da capital paulista. Ao todo, a reportagem identificou 95 roubos em todo o Estado, entre 9 e 10 de janeiro, mas nenhum tem ligação com a manifestação.
O único suspeito preso e com suposta ligação com a manifestação não foi levado para o 78º DP, segundo a reportagem apurou, foi um revisor, de 24 anos, acusado de danos contra uma agência bancária. Ele esteve preso no 2º DP (Bom Retiro) entre a noite da sexta-feira da manifestação (09/01) e segunda-feira (12/01), quando pagou fiança e foi solto.
Demora para apresentar à Civil
Os 51 detidos sob suspeita de desacato e incitação ao crime ficaram cerca de três horas dentro de um ônibus da Polícia Militar, à espera da locomoção até o 78º DP, na noite de 9 de janeiro. Dentro do veículo, segundo relato dos detidos, vários manifestantes foram xingados e agredidos pelos PMs responsáveis pela escolta.
À Polícia Civil, a Polícia Militar afirmou que “houve certa demora para apresentar os envolvidos [os 51 detidos na manifestação] porque o ônibus da PM estava estacionado em local um pouco distante “. “Por se tratar de veículo de grande porte e algumas vias estarem interditadas, houve dificuldade em sua locomoção até o logradouro em que os manifestantes estavam e, a seguir, até esta delegacia [78º DP]”, continuou a PM.
A PM também afirmou que algemou alguns manifestantes com algemas plásticas porque “eles estariam mais exaltados e agressivos”. Um jovem foi ferido nas costas quando um PM usava uma faca para cortar a algema plástica usada para imobilizá-lo.
Dos 51 detidos, quatro foram encaminhados para o Hospital das Clínicas por conta de lesões, mas apenas um deles, que teve um dedo fraturado, foi atendido.
Outro lado
O secretário da Segurança Pública da gestão de Alckmin, Alexandre de Moraes, e o comandante-geral da PM, coronel Ricardo Gambaroni, foram procurados pela reportagem na tarde desta sexta-feira (09), mas até a conclusão desta reportagem não se manifestaram.
Na noite do dia 9, ainda enquanto os manifestantes estavam detidos no 78º DP, a Segurança Pública informou, por meio de nota:
“A PM esclarece que atuou para garantir a segurança dos manifestantes e da população, que respeita o pleno direito à liberdade de manifestação e que só agiu para conter aquelas pessoas que, lamentavelmente, agrediram policiais a pedradas, além de atacar estabelecimentos comerciais, bancos e veículos do transporte público. As imagens da imprensa e da própria corporação deixam claro que as agressões partiram de vândalos. Por isso, foi necessário o uso de técnicas de dispersão para conter estas práticas criminosas, com a prisão e detenção, até o momento, de cerca de 50 pessoas.”