Tropa lança bombas na Favela Parque Novo Chuvisco, zona sul de SP, em ação de despejo; subprefeitura dá prazo de 30 dias para 70 famílias saírem
Policiais militares jogaram bombas e encurralaram moradores da Favela Parque Novo Chuvisco, no Jabaquara, na zona sul da cidade e São Paulo, durante tentativa de desocupação na manhã desta quinta-feira (6/8). Um PM puxou uma mulher pelos cabelos durante a ação e ameaçou prendê-la, conforme denúncia dos moradores e da própria vítima.
A ação teve como base uma ordem da subprefeitura do Jabaquara, comandada pelo subprefeito Heitor Sertão nesta gestão do prefeito Bruno Covas, ambos do PSDB. A intenção era retirar as famílias sob o argumento de que elas vivem em área de risco. Não havia, no entanto, determinação judicial para reintegração.
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Conforme explicado pelos funcionários da prefeitura às famílias, o local está em grau 4 de risco segundo a Defesa Civil, considerado elevado. Com um relatório do órgão, a subprefeitura usou o decreto 48.832, de outubro de 2007, da época da gestão Gilberto Kassab (PSD), para retirar as famílias.
A lei aponta que as subprefeituras são responsáveis pela “retirada compulsória, mediante uso da força” de quem ocupa áreas municipais sem que haja uma decisão judicial possibilitando a ação. O local é dividido em duas favelas: uma nova após a construção do Parque Novo Chuvisco e a Rocinha Paulista, comunidade que existe há pelo menos duas décadas no local, segundo os moradores.
Advogado dos moradores da Favela Parque Novo Chuvisco, Olécio Bueno de Moraes explicou que existe um processo administrativo para retirar as pessoas do local, sem qualquer decisão da Justiça de SP sobre uma possível reintegração de posse.
“No momento, não [tem decisão judicial]. Ajuizado, não tem. Foi falta de diálogo, de conversar dois minutos”, resume o defensor, sobe a ação nesta manhã. As famílias acordaram apreensivas com uma possível retirada e tiveram que encarar bombas e ação da PM a partir de 9h30.
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Parte da favela estava na entrada do local às 6h. Na terça-feira (4/8), representantes estiveram na subprefeitura e conversaram com Heitor Sertão sobre a saída. A fala dele, contam, era de que haveria a retirada de qualquer forma.
“Falei com ele por telefone ontem de tarde, por volta de 15h, e ele manteve a posição”, explica Jacira Borges, dona de um bar na entrada da comunidade. Ela esteve nos encontros com o poder público e relata não ter havido espaço para diálogo, apenas foi informado que as pessoas seriam retiradas.
Entre 6h e 9h, o clima era de tensão. Como há mais de uma entrada, as pessoas se dividiram para vigiar a movimentação e chegada de carros da prefeitura. Por volta de 7h30, um comboio apareceu, mas nada aconteceu. O mesmo grupo voltou com a PM e a GCM (Guarda Civil Metropolitana) às 9h30.
Moradores relatam que os policiais e guardas entraram pelos fundos da favela, já jogando bombas. “Teve bomba que explodiu perto de criança”, diz, revoltado, um homem, que não quis se identificar. A ação começou após os moradores jogarem madeiras para interromper o trânsito em uma faixa de carros na avenida Pedro Bueno, número 1.850.
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Durante a ação, um PM puxou a comerciante Jacira pelos cabelos e a jogou no chão. Ela conseguiu se desvencilhar. “Dizia que era para os outros me pegarem e me prender”, conta à Ponte. A prisão não ocorreu. Quem esteve no momento da ação policial conta que os PMs ameaçavam quem estivesse filmando as truculências cometidas pela tropa.
Ainda era possível sentir o cheiro de gás lacrimogêneo na entrada da favela às 10h10, quando a reportagem retornou ao local. Os moradores contam que a ação pareceu premeditada, pois ocorreu minutos após a saída de parte da imprensa e de ativistas que os acompanhavam a movimentação durante a manhã.
Após a ação, representantes da prefeitura se reuniram com o advogado e as famílias. Explicaram que o subprefeito do Jabaquara, Heitor Sertão, decidiu dar um período de 30 dias para a saída de todos, contanto que saíssem sem resistir.
O acordo define a manutenção de todos os atuais moradores, sem a inclusão de novas moradias, enquanto a prefeitura se compromete a pagar auxílio aluguel, no valor de R$ 400, e não usar a força para a retirada.
A reação geral é de revolta, seja com a saída imediata ou daqui 30 dias. “Vai fazer o que nesse tempo? E queriam a saída em 15 dias, nós que negociamos”, diz Mayara Moreira, empregada doméstica de 28 anos, atualmente desempregada.
Segundo ela, os policiais entraram nos becos, vielas e casas “sem mandado”. “Não tinha papel, falaram que foi ordem do gabinete para derrubar os barracos. Era para sairmos só com a roupa do corpo”, explica.
A tia de Mayara, a autônoma Cristina Ferreira, 55 anos, conta que vive dias de apreensão. “Tentaram nos tirar por três vezes e é sempre da mesma forma. Moro aqui há oito anos, os policiais sempre vêm nos desrespeitando”, desabafa.
Com a pandemia do coronavírus, Cristina perdeu sua fonte de renda, pois vendia travesseiros andando pelos bairros do entorno. Além de não ter de onde conseguir dinheiro para sobreviver, teme perder o único bem que tem: seu teto.
“É um desrespeito com a gente, não temos condições. Tem muita criança, tem gente deficiente. Agora, nessa situação de pandemia, tem mais gente desempregada. Eu não posso trabalhar. Vou pra onde? Vão colocar criança na rua?”, questiona.
A pergunta também é feita pelo autônomo Bruno Anjos dos Santos, 32 anos. Ele conta que tem passado dificuldades financeiras por conta da pandemia e que perdeu um serviço por ir às reuniões com a subprefeitura.
“Tinha um bico em oficina de funilaria e pintura, mas o patrão disse que precisava de alguém no dia e me dispensou”, diz, sobre uma das faltas. “O único dinheiro que tinha usei para construir um barraco aqui e a prefeitura, pegando a gente de surpresa, quer derrubar. Causa uma certa revolta”, desabafa. “Só vamos sair se tiver uma melhora, conseguir comprar uma casa melhora. Enquanto isso é o que temos”.
A Ponte questionou a assessoria de imprensa da Prefeitura de São Paulo sobre a retirada das famílias. Segundo nota, a ação não era de reintegração de posse, mas de “desfazimento de demarcação de solo irregular, sem moradias habitáveis, em área pública”.
Para a prefeitura, as casas ocupadas não tinham moradores e poderiam ser demolidas. Os funcionários ainda explicaram que seria feita a limpeza do local com caminhões e retroescavadeiras, escoltadas por nove viaturas e 34 guardas.
A assessoria da prefeitura paulistana explicou que integrantes do CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) do Jabaquara compareceram na Favela Parque Novo Chuvisco terça-feira (4/8) para “oferecer acolhimento às famílias no local e nenhuma aceitou a oferta”.
“O CRAS Jabaquara segue à disposição das famílias para o cadastro no CadÚnico para acesso a programas de transferência de renda”, informa o poder público, conforme nota à Ponte.
A reportagem questionou a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, liderada pelo general João Camilo Pires de Campos neste governo João Doria (PSDB), e a PM, comandada pelo coronel Fernando Alencar Medeiros, sobre a ação e o relato de uma moradora ter sido puxada pelo cabelo. A reportagem aguarda uma resposta.