Rogério Ferreira foi morto com um tiro pelas costas ao sair de casa de moto para comemorar com amigos no Parque Bristol; soldados Guilherme Giacomelli e Renan Branco, do 46° Batalhão, são investigados por fraude processual
O TJM (Tribunal de Justiça Militar) concedeu liberdade aos dois policiais militares envolvidos na morte do ajudante Rogério Ferreira da Silva Júnior, 19 anos, ocorrida no dia 9 de agosto, na Avenida dos Pedrosos, Parque Bristol, zona sul da capital paulista. O jovem foi atingido por um disparo nas costas.
Os soldados Guilherme Tadeu Figueiredo Giacomelli e Renan Conceição Fernandes Branco, ambos do 46° BPM/M (Batalhão de Polícia Militar Metropolitano) foram soltos por decisão do juiz Ronaldo João Roth, da 1ª Auditoria do Tribunal de Justiça Militar. Foi o próprio Roth que havia pedido a prisão dos policiais, encaminhados para o Presídio Militar Romão Gomes, na zona norte, no início de setembro. A dupla responde por fraude processual, um crime previsto no código militar.
Quando da prisão, o magistrado afirmou que a versão narrada pelos policiais apresentava falhas comprovadas pelos canais de comunicação da PM e que a detenção de ambos pretendia evitar interferências nas investigações.
A comunicação inicial repassada pelos policiais é que eles teriam se deparado com um acidente de trânsito com queda de motociclista e não uma perseguição com pessoa baleada. Depois, citaram que houve perseguição e que Rogério estaria armado.
Segundo o médico legista Thiago Torossian Martins Fontes, o disparo efetuado pelo soldado Guilherme Giacomelli entrou pelas costas, transfixou o pulmão e saiu na altura do mamilo esquerdo. Sendo a morte atestada em decorrência de “traumatismo torácico por agente perfurocontundente”. Sobre a trajetória do disparo, o médico da Polícia Técnico Científica escreveu que foi feito da “direita para esquerda, posterior para anterior, de baixo para cima”.
No âmbito civil, a investigação é tocada pelo DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), que segundo o Ministério Público, pediu a prorrogação do prazo por mais 60 dias para a conclusão do inquérito, o que foi aceito pela Justiça no dia 1° de outubro. Questionada sobre as apurações, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) não se pronunciou. Também procurada, a Polícia Militar não informou se a dupla voltou ao patrulhamento de rua.
Rogério foi atingido enquanto tentava fugir dos policiais por não usar capacete. A moto que ele guiava estava com todos os documentos em ordem e havia sido emprestada por um amigo em celebração ao seu aniversário. Socorrido por seus amigos e familiares ao Pronto Socorro Augusto Gomes de Mattos, conhecido como PS Sesi, o jovem negro não resistiu aos ferimentos e morreu exatamente na data em que comemorava 19 anos.
A reportagem da Ponte conversou com a mãe de Rogério, Roseane da Silva Ribeiro, que se mostrou surpresa com a liberdade do policial militar que tirou a vida de seu filho. “Eu acho um absurdo. Um absurdo total, isso não pode ter acontecido. Não pode jamais. Vou até falar agora com minha advogada”, disse.
Sobre Rogério, um menino que gostava de andar de moto pelas ruas do Parque Bristol, Jardim Clímax e Jardim Botucatu, ela contou que “cada dia que passa vai aumentando a saudade, a lembrança. Tem dia que vem mais forte”.
A morte do jovem negro gerou comoção. Em um primeiro protesto, policiais militares agrediram manifestantes que cobravam justiça pelo assassinato. Uma semana depois, a família realizou uma missa de sétimo dia para relembrar a memória do rapaz.
Além da dor de sepultar o filho um dia depois de ele celebrar aniversário Roseane ainda teve que se deparar com uma mentira do secretário de Segurança Pública de São Paulo, general João Camilo de Campos.
Durante coletiva no Palácio dos Bandeirantes para tratar sobre Covid-19, Campos mentiu ao dizer que era “fruto de roubo” a moto usada por Rogério Ferreira da Silva Júnior. “Também é trágico [o episódio]. Temos que considerar a tensão policial numa perseguição de uma motocicleta que tudo indicava que estaria como fruto de um roubo. O episódio teve o desfecho que teve”, declarou o secretário, conforme vídeo da coletiva publicado no Twitter pelo repórter Leonardo Martins, da Rádio Jovem Pan.
No entanto, a moto usada por Rogério é de posse de um amigo, que o emprestou para dar uma volta pelo Parque Bristol, bairro onde morava na zona sul de São Paulo. À Ponte, Roseane desabafou sobre o que considerou uma tentativa do Estado em criminalizar seu filho. “Jamais a moto era roubada! É do amigo dele, comprada, paga, em dia. Sem multa”, diz. “É horrível, uma vergonha. Matam e querem chamar de bandido”.
À Ponte, a advogada Flávia Artilheiro, que representa o soldado Guilherme Giacomelli, afirmou que “estamos felizes pela concessão de liberdade ao Guilherme, porque se trata de investigado primário de bons antecedentes, emprego e domicílio fixos, nada havendo que recomendasse a manutenção da custódia cautelar. Policiais militares são tão cidadãos quanto quaisquer outros”.
A defensora também informou que “entende que seja prematuro fazer avaliações sobre eventual desfecho do caso, que ainda se encontra sob investigação”.
A reportagem entrou em contato com o defensor do PM Renan Branco, que não se pronunciou.
O crime
Rogério Ferreira da Silva Júnior completou 19 anos no domingo (9/8). Segundo familiares, ele havia saído de sua casa, no Parque Bristol, na zona sul da cidade de São Paulo, dirigindo sua motocicleta, para encontrar um grupo de amigos com quem pretendia comemorar. Na Avenida dos Pedrosos, às 17h50, foi abordado por policiais militares, da Rocam (Ronda Ostensiva com Apoio de Motocicletas) do 46º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano, e morto com um tiro.
Um vídeo obtido pela reportagem mostra o que seria o momento da morte de Rogério. Três motocicletas aparecem nas imagens do circuito de segurança, duas com PMs e uma com Rogério. O jovem diminui a velocidade da moto até parar. No momento seguinte um dos policiais atira em Rogério, que cai.
A versão dos policiais Guilherme Tadeu Figueiredo Giacomelli e Renan Conceição Fernandes Branco é de que patrulhavam a região do Parque Bristol quando viram Rogério em sua moto e ele fugiu.
Durante a perseguição, contam os PMs à Polícia Civil, Rogério teria feito “menção de colocar a mão na cintura como se estivesse armado”. O PM Giacomelli, então, decidiu atirar. Segundo ele, por entender que estava “diante de uma iminente agressão”, e deu um único tiro.
Os policiais explicam que, por estar em velocidade na moto, Rogério andou por mais 50 metros até conseguir parar o veículo e, por conta do disparo que o atingiu, caiu na calçada. Os PMs dizem não ter atirado no homem no momento em que ele para a moto, como registrado em vídeo.
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