Tribunal de Justiça acatou pedido do Ministério Público; quatro policiais são investigados pelas mortes de três jovens negros na comunidade de Salvador, em março de 2022
O Ministério Público da Bahia deflagrou, nesta sexta-feira (31/3), a Operação Gamboa, com o objetivo de cumprir mandados de busca e apreensão nas residências e endereços profissionais de quatro policiais militares investigados pela chacina dos jovens negros Alexandre Santos dos Reis, 20 anos, Cléverson Guimarães Cruz, 22, e Patrick Sousa Sapucaia, 16, dentro de um imóvel abandonado na comunidade da Gamboa, no centro de Salvador, na madrugada de 1º de março de 2022.
De acordo com comunicado da assessoria de imprensa do MP, a ação “visa coletar indícios do envolvimento dos policiais em possíveis atos ilícitos, no exercício da atividade policial” e que “o material apreendido será submetido a conferência e análise pelos promotores de Justiça e, posteriormente, encaminhado aos órgãos competentes para adoção das medidas cabíveis”. Os mandados foram expedidos pela 1ª Vara do do Júri da Comarca de Salvador do Tribunal de Justiça da Bahia e a operação teve o apoio da Força-Tarefa de Combate a Grupos de Extermínio e Extorsão mediante Sequestro da Corregedoria-Geral da Secretaria de Segurança Pública (Coger).
A reportagem tentou falar com o MP, mas a assessoria do órgão disse que os promotores não dariam entrevistas nem qualquer outra informação além do divulgado no comunicado, pois a investigação está em sigilo. Questionado pela Ponte sobre não ter pedido a prisão das policiais, o MP disse que “não foram identificados os elementos legais que justifiquem o pedido, como ameaça à ordem pública e risco à investigação e ao cumprimento da lei”.
O caso está sob investigação da própria PM e, na época das mortes, o MP abriu procedimento interno para também investigar. De acordo com o Correio da Bahia, o Comando da PM rejeitou um parecer da Corregedoria para que fosse aberto um procedimento administrativo disciplinar em razão da descoberta de irregularidades na atuação dos policiais, que alegaram terem sido recebidos a tiros na Gamboa. Uma das irregularidades é o fato de que as armas atribuídas aos jovens estavam com defeito. A Corregedoria apontou indícios de execução na morte de Cleverson, como revelou o Alma Preta. Por isso, os PMs são suspeitos também de terem cometido fraude processual.
Para Silvana dos Santos, 42, mãe da vítima Alexandre, a operação de hoje mostra algum sinal de que o caso está andando, mas ela não tem tido acesso a informações. “Não vai trazer meu filho de volta, mas mostra alguma justiça”, disse à Ponte.
Na época, Silvana relatou à reportagem que viu seu filho e os outros dois jovens sendo levados com vida pelos policiais em uma viatura. Segundo ela, mais tarde, os PMs encaminharam as vítimas já mortas ao Hospital Geral do Estado. Eles também teriam lavado a cena do crime para esconder provas de uma execução. “Eu tentei, pedi, implorei, mas apontaram a arma para minha cabeça. Tive medo. Cheguei a ouvir meu filho dizer: ‘Socorro, vão me matar”, contou à Ponte na época.
A versão da PM é de que as vítimas portavam armas e drogas e dispararam contra eles, o que as famílias e a comunidade negam. Revoltados, moradores fizeram protestos.
Wagner Moreira, advogado e coordenador do Ideas Assessoria Popular, que acompanha as famílias das vítimas, afirma estar “esperançoso” de que os PMs sejam formalmente acusados pelos homicídios. “Há muitos elementos comprobatórios do excesso da ação policial”, declarou. “Seria um ganho para a Polícia Militar tirar esses policiais da rua porque são policiais que estão envolvidos em outras questões, não é um caso único. É um caso que pode desdobrar a participação deles em outras práticas delituosas.”
Há uma semana, o Tribunal de Justiça da Bahia considerou inconstitucional que a própria PM seja a única a investigar as mortes de civis praticadas pela própria corporação, após uma ação movida pela Procuradoria-Geral de Justiça e que foi reivindicada por uma campanha realizada pelo Ideas Assessoria Popular. A decisão, contudo, só vale para ocorrências que se deram após a publicação do texto e não para investigações antigas. O movimento busca meios para que a medida seja estendida para casos passados.
A Ponte procurou a assessoria da Polícia Militar, mas até a publicação não houve retorno. Caso se manifeste, esta reportagem será atualizada.