Polícia Civil ouve mãe de jovem negro assassinado apenas 4 meses após crime

    “É difícil viver sem ele. Pior ainda sem resposta”, diz Luciana Miranda, mãe de Felipe, morto junto com Brayam, na zona leste de SP; polícia culpa pandemia pela demora

    Luciana mostra documento de Felipe, morto aos 18 anos | Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo

    Faz mais de quatro meses que a diarista Luciana Santos Miranda, 39 anos, perdeu seu filho, Felipe Santos Miranda, rapaz negro de 18 anos, assassinado a tiros ao lado de um amigo, na Cidade Tiradentes, extremo leste de São Paulo, mas só nesta terça-feira (21/7), que ela foi ouvida pela Polícia Civil pela primeira vez.

    Em depoimento no DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), ela descreveu o que sabe do crime ocorrido no dia 17 de março. Os trabalhos da Polícia Civil para investigar os autores do crime foram interrompidos pela pandemia de coronavírus. Mas para Luciana, com ou sem vírus, a investigação está demorando demais. “Já é difícil viver sem ele. Pior ainda sem termos resposta”, afirma.

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    Na época, testemunhas contaram à Ponte que Felipe estava sentado em frente a um mercado na rua Apóstolo Tiago Maior, por volta das 22h15. Ele conversava com amigos, entre eles Brayam Ferreira dos Santos, 16, que morava na mesma rua. Neste horário, quatro homens em duas motos passaram, com os garupas anunciando um assalto. Antes de eles entregarem os pertences, os homens atiraram.

    Luciana descreveu aos agentes como foi aquele dia para ela. O rapaz havia chegado em casa do trabalho como vendedor de pano de prato e saiu. Cerca de 30 minutos depois, uma vizinha a chamou. “Atiraram no seu filho”. Felipe havia acabado de ser pai. Um mês antes nascera seu primogênito, hoje órfão do pai. A mãe é uma jovem de 16 anos.

    Dupla estava em frente a um mercado quando assassinados | Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo

    A mulher correu até o mercado em que os jovens estavam. Quando chegou, viu Felipe morto e desmaiou. Disse que não sabia da amizade dele com Brayam e que ouviu de testemunhas o relato sobre os criminosos em motos. Segundo ela ouviu das testemunhas do crime, os homens estavam encapuzados e não puderam ser identificados.

    Em 5 de junho, o DHPP apontou que ainda não era possível receber nenhum familiar para prestar depoimento. A alegação é de que a pandemia de coronavírus interferia nos trabalhos, como o risco de receber pessoas e poder propagar a doença.

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    Duas semanas depois, em 19 de junho, o delegado Marcelo Caio Ferrari argumentou que havia decisões favoráveis ao isolamento social, como a portaria no Ministério da Saúde, Plano de Contingência Nacional, provimento do Conselho Superior de Magistratura, recomendação do Conselho Nacional e portaria da Delegacia Geral de Polícia Civil de SP. Por isso, postergou mais uma vez o depoimento. Os trabalho recomeçaram em 25 de junho, com a convocação de Luciana.

    Documentos da investigação apontam que os atiradores usaram armas calibre 9mm, conforme quatro estojos encontrados no local. O relatório é do dia 8 de maio de 2020. Não havia outras provas no local e, segundo os investigadores da Polícia Civil, eles não identificaram câmeras nas ruas que pudessem captar a ação.

    Felipe (à esq.) e Brayam (à dir.) foram assassinados há quatro meses | Foto: Arquivo/Ponte

    Familiares de Brayam evitaram falar do crime quando a reportagem esteve no local, na tarde do dia 20 de março. “Não tem o que fazer, melhor deixar isso quieto. Não vai dar em nada”, lamentou um deles. Outra familiar desabafou. “Não pode ficar assim, temos que denunciar. Podem vir, eu falo. Quantos mais precisarão morrer?”.

    As mortes de Felipe e Brayam aconteceram um dia antes do assassinato de Igor Bernardo dos Santos. Ele estava com amigos em uma mesa de xadrez feita de concreto que fica na rua Etore Tommasini, quando uma dupla chegou de moto e anunciou assalto. Assim como os dois jovens mortos no dia 20, não deu tempo de entregar nada e o garupa atirou.

    “O que mais dói é que ninguém faz nada, meu filho não era bandido, parece que porque a gente é pobre e da periferia, a nossa vida não vale nada”, desabafou a manicure Ana Paula Bernardo, 45 anos, em protesto feito na Cidade Tiradentes quatro meses após o assassinato de seu filho.

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    Sob o lema “Vidas Negras Importam”, o ato do dia 4 de julho cobrava respostas do governo. “Eram meninos que não deviam para ninguém. A gente já estava arrumando documentos para carteira de trabalho dele porque ele queria muito trabalhar”, conta Ana.

    A Ponte questionou a Secretaria da Segurança Pública, comandada pelo general João Camilo Pires de Campos no governo de João Doria (PSDB), sobre o andamento das investigações e aguarda um posicionamento.

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