Polícia e faculdade ignoram ataques homofóbicos denunciados por estudante em MT

Rafael Pinheiro de Godoy conta que vem sofrendo ofensas e ameaças de morte desde outubro do ano passado, na Unifacc, em Várzea Grande, mas faculdade e Polícia Civil nada fizeram para protegê-lo

Alunos protestaram na semana passada contra homofobia dentro da faculdade em Mato Grosso | Foto: Arquivo pessoal

O estudante Rafael Pinheiro de Godoy, 33 anos, conta que, ao longo dos últimos nove meses, vem sendo alvo de seguidos ataques homofóbicos e de ameaças de morte na União das Faculdades Católicas de Mato Grosso (Unifacc), em Várzea Grande, na região metropolitana de Cuiabá (MT), onde cursa o quarto período de Direito.

Rafael denunciou os ataques para a direção da faculdade e para a Polícia Civil, mas nenhum deles, segundo o estudante, tomou qualquer atitude para protegê-lo das investidas homofóbicas. A Polícia Civil informou à Ponte que nem ao menos investiga os ataques como crime de homofobia, mas como injúria e constrangimento ilegal.

O primeiro ataque, segundo Rafael, ocorreu em outubro do ano passado. Ele recebeu uma carta em que foi ameaçado de morte e chamado de “viado” e “bicha”. “Se você não sair da faculdade e ir embora daqui até o final do mês sua morte tá certa seu desgraçado”, dizia o texto. “Aqui é faculdade católica que não aceita viado”, afirmava outro trecho. A carta também expunha dados pessoais do estudante, como seu RG e CPF, nome de seus pais e o endereço onde ele morava.

Rafael também teve apostila rabiscada com desenhos pornográficos e xingamentos. O caso foi contado em reportagem da Ponte publicada à época dos fatos, mas desde então a situação do jovem não melhorou.

O estudante disse que denunciou os crimes para a direção da Unifacc, que o orientou a completar o semestre em casa, de forma remota, por questão de segurança, e mais nada. “Quando eu falo que eles não fizeram nada, eu realmente não estou exagerando. Eles não fizeram nada e isso me dá um sentimento de revolta tão grande. Eu passei pela situação e estou sendo penalizado pelo que aconteceu”, comenta.

Mas foi neste ano, de volta às aulas presenciais, que Rafael sentiu uma escalada na violência homofóbica. Virou rotina entrar na sala de aula e encontrar no quadro-negro as palavras “gay” e “viado” rabiscadas. “Só que a coisa foi se intensificando, foi ficando pior”, relata. 

As agressões ficaram ainda mais explícitas, com dizeres como “Rafael viado aidético” escrito no quadro-negro da sala de aula e também em um dos banheiros da instituição, que acompanhava a frase “vai morrer”. Uma cadeira também foi riscada com as mesmas ofensas direcionadas a Rafael. 

“Quando começaram a fazer esses xingamentos mais pesados, escrever de novo ‘viado vai morrer’ e ‘Rafael tem AIDS’, eu vi que o negócio está violento de novo e está chegando em um ponto que já está no limte”, comenta o estudante. 

Em resposta à Ponte, a Polícia Civil do Mato Grosso não informou se identificou qualquer dos agressores até o momento e disse que o caso é apurado, a princípio, como constrangimento ilegal e injúria — ambos crimes leves, punidos com até um ano de detenção. Desde 2019, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), condutas que configuram homofobia podem ser enquadradas no crime de racismo, que prevê pena de até cinco anos de prisão. 

Falta de apoio

Uma estudante da Unifacc, ouvida pela Ponte, confirmou a situação enfrentada por Rafael dentro da instituição. Ela preferiu não se identificar por medo de represálias, mas diz que a faculdade tem sido omissa em relação aos crimes contra o jovem.

“Demoram a dar respostas a ele, uma assistência médica em relação a psicólogo, apoio auxílio com as matérias de estudo”, disse, em referência ao episódio do ano passado.

A estudante afirma que um movimento importante da faculdade seria a liberação de imagens das câmeras de segurança. “Para que soubéssemos quem está escrevendo ofensas contra Rafael”, comentou.

Ofensas homofóbicas foram escritas neste ano em quadro-negro da sala de aula de Unifacc | Foto: Arquivo pessoal

Rafael também denuncia a falta de apoio na faculdade em relação aos ataques que sofreu. Ele narra que demorou uma semana para a instituição remover as pichações homofóbicas feitas no banheiro, depois de ele ter reclamado.

Há uma semana, houve uma manifestação organizada pelos alunos da Unifacs em apoio ao estudante. Os estudantes levaram cartazes para vários pontos dentro da unidade questionado a inércia em relação ao caso. “Unifacc respeite a diversidade”, “Não promova o ódio”, “Unifacc não seja conivente com a homofobia”, eram alguns dos dizeres.

Em paralelo aos boletins de ocorrência em que denunciou a homofobia, Rafael registrou outros dois contra a coordenação da Unifacs por negligência e segregação. “Eu não me sinto totalmente seguro dentro da faculdade, fico com medo de frequentar as aulas pois não sei até que ponto tudo isso pode chegar”, relata o estudante.

O estudante fala que a coordenação da faculdae expôs sem autorização um diagnóstico psicológico aos seus colegas e que, dias depois, em uma reunião com psicóloga da instituição, recomendou que Rafael fizesse tratamento psicológico no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e apresentasse relatório mensal para determinar se poderia ou não permanecer em sala de aula.

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O pedido foi feito com base em supostas reclamações de outros alunos sobre o comportamento agressivo de Rafael. “Esse tipo de situação nunca aconteceu”, rebate o estudante. 

Outro lado 

A Ponte procurou a Unifacc questionando o que de concreto foi feito após as ameaças contra Rafael, se a universidade identificou os agressores e que tipo de punição estaria prevista para esse tipo de caso.

Em nota, a Unifacc disse que tem tomado medidas internas “no sentido de acolhero acadêmico para não haver prejuízos pedagógicos”. A instituição informou ainda que segue com “averiguações das condições das ocorrências”.

Leia a nota na íntegra:

“A UNIFACC-MT, União das Faculdades Católicas de Mato Grosso, a qual pertence a Faculdade Católica de Várzea Grande, vem a público compartilhar sua posição em relação ao caso do acadêmico, vítima de supostos crimes de homofobias e injúrias:

1. a instituição se ancora em princípios e valores humanos que defende a igualdade de direitos, da liberdade, da proteção à pessoa humana, pautadas na na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, nos seus Artigos 1º e 2º, respectivamente, bem como em seus estatutos e demais legislações internas.

2. a instituição tem tomado as providências internas no sentido de acolher o acadêmico para não haver prejuízos pedagógicos, bem como procede com a averiguação das condições das ocorrências e se coloca à disposição das autoridades policiais e judiciais para apuração dos fatos.

3. a instituição se dispõe quando procurada de informar a imprensa e a toda sociedade os resultados do que for competente”.

Matéria atualizada às 11h21min de 4 de julho de 2023 para acrescentar a nota da Unifacc.

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