Preso morre de coronavírus antes de Justiça julgar seu pedido de liberdade

    Alberto Saad Sobrinho, 54 anos, é o terceiro detento do Brasil e o segundo de SP a morrer da Covid-19; para Pastoral Carcerária, números podem ser muito maiores

    Homem estava preso na Penitenciária Nestor Canoa, em área conjunta com a P2 de Mirandópolis | Reprodução/TV Tem

    O preso Alberto Saad Sobrinho, 54 anos, que cumpria pena na Penitenciária 1 de Mirandópolis, no oeste do estado de São Paulo, 594 quilômetros distante da capital paulista, era portador do vírus da Aids e estava em fase delicada da doença. Ele morreu na madrugada desta quarta-feira (22/4) vítima de coronavírus e foi a segunda vítima em SP e a terceira no país. A primeira morte confirmada da doença aconteceu no Rio de Janeiro.

    No último dia 16, o advogado dele, Rodolpho Pettená Filho, recebeu uma ligação do presídio e foi informado que seu cliente apresentava sintomas da Covid-19.

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    No mesmo dia, o advogado encaminhou um ofício para à 1ª Vara de Execuções Criminais de Araçatuba, pedindo com urgência um indulto humanitário em favor do preso doente.

    A Justiça não analisou o pedido até o dia em que Alberto morreu no Hospital Regional de Mirandópolis. Sobrinho era considerado do grupo de alto risco para o coronavírus, por ser soropositivo e ter baixa imunidade.

    A SAP (Secretaria da Administração Penitenciária), administrada pelo coronel Nivaldo Restivo neste governo de João Doria (PSDB), confirmou às 18h45 desta quarta-feira que Sobrinho é o segundo preso morto no sistema prisional paulista com Covid-19.

    A primeira morte em presídios foi de José Iran Alves da Silva, 67 anos, em Sorocaba. Ele apresentava sintomas da doença, como febre, desde o dia 9 de abril, e morreu dez dias depois. Outros dois presos deram teste positivo para a doença e seguiam internados na Santa Casa da cidade.

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    Funcionários do sistema prisional já tinham ligado para a Ponte, na semana passada, e informaram que o preso Alberto Saad Sobrinho, da cela 121 da Penitenciária 1 de Mirandópolis, estava internado em estado grave.

    Os servidores disseram que o preso era portador de HIV e que estava também com os sintomas típicos da Covid-19. Os agentes contaram ainda que o parceiro de cela de Sobrinho também estava doente e com os mesmos sintomas. E que no raio deles havia outros 334 prisioneiros e que havia riscos de todos terem se contaminado.

    Nesta quarta-feira, a Ponte telefonou para o presídio e foi informada por um funcionário que o preso morreu por causa do Coronavírus.

    O Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo publicou em seu site que Sobrinho morreu vítima da Covid-19. Tanto o sindicato quanto o advogado do preso não divulgaram nenhum documento oficial informando a causa da morte dele.

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    A Ponte procurou a SAP (Secretaria Estadual da Administração Penitenciária) no último dia 20 e novamente nesta quarta-feira, às 15h05, para saber se Sobrinho havia ou não contraído coronavírus.

    Nas duas ocasiões, a resposta foi a mesma: “A SAP não confirma. Não temos presos de Mirandópolis na lista de presos com Covid-19”. Às 18h50, a pasta enviou nota na qual confirmou a morte de Sobrinho, ressaltando que tinha acabado de receber o resultado do exame do Instituto Adolfo Lutz.

    A Ponte também ligou várias vezes para o escritório do advogado Rodolpho Pettená Filho, mas não conseguiu falar com ele.

    Sobrinho foi preso em janeiro de 1996. Ele era analista de sistemas e filho de um conceituado médico em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. O crime ao qual foi acusado teve muita repercussão. Segundo a Polícia Civil, ele matou a golpes de beisebol sua mulher, Patrícia Guidotti, à época com 20 anos.

    O advogado dele era Itagiba Francês e afirmou, na ocasião, que seu cliente era viciado em drogas e que possivelmente estava sob o efeito delas quando cometeu o crime. Sobrinho foi condenado a 17 anos, nove meses e 15 dias de prisão pelo homicídio.

    Em 2012, já cumprindo pena em regime semiaberto, o preso tentou entrar no CPP (Centro de Progressão Penitenciária) Ataliba Nogueira, em Campinas, com 22 porções de maconha no estômago e foi flagrado no aparelho de raio X. Acabou condenado a mais 10 anos por tráfico.

    Pastoral alerta para subnotificação

    As mortes de Alberto e José, em São Paulo, se somam à de um homem de 73 anos, no Rio de Janeiro, a primeira morte causada pela doença dentro dos presídios brasileiros. O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, repetiu seguidas vezes que não havia motivo para alarde caso a doença entrasse no sistema, como já ocorreu, e destacou no final de março que não havia casos. De acordo com o Depen (Departamento Penitenciário Nacional), que tem realizado esse monitoramento em painel atualizado diariamente, já são 96 confirmações até as 20h desta quarta-feira. A morte de Alberto já consta no sistema, que totaliza 3 óbitos.

    No entanto, as estatísticas oficiais apresentaram problemas de notificação desde o início da contagem de suspeitas, confirmações e mortes. O sistema não apresentava dados atualizados quando o Pará confirmou, no dia 8 de abril, a primeira contaminação pela Covid-19 nos presídios brasileiros.

    Posteriormente, havia conflito de dados quando os números do Depen eram comparados com estatísticas estaduais, como em Minas Gerais, que informava cerca de “50 presos” suspeitos de coronavírus em 2 de abril, enquanto a ferramenta do Depen mostrava 34 casos.

    Tendo em vista a diferença, a Pastoral Carcerária alerta que todos os números divulgados podem estar subnotificados. Nesta quarta-feira, a organização religiosa que atua dentro dos presídios apresentou relatos com denúncias sobre a atuação para combater a pandemia dentro das cadeias.

    A Pastoral recebeu 1.213 formulários com respostas sobre a ação estatal em todo o país e diz que “em relação a suspeitas e casos de infecção confirmados da Covid-19, os depoimentos falam de uma série de casos possíveis, que vêm sendo ignorados pelas direções das unidades”.

    “Duas pessoas com suspeita [de contrair coronavírus] e uma morte. Estão deixando os com suspeita junto com os outros, e já ouvi falar que é ‘para deixar morrer’. Estão todos sem água pra beber, tomar banho ou lavar mãos, não tem sabonete também”, diz um dos relatos divulgados.

    As denúncias apontam para falta de equipamentos de segurança para os funcionários dos presídios e material de higiene em geral, para profissionais e os presos.

    “A falta de produtos de higiene e uma alimentação precária só piora a saúde deles. Com a imunidade baixa, o local fechado e úmido só aumenta as doenças como pneumonia, tuberculose e outras… Nós pedimos socorro”, diz outro relato.

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