Julho é o mês de 2020 com menos mortes cometidas por PMs em São Paulo após casos de abordagens violentas e semestre com explosão de vítimas da polícia
O total de pessoas mortas por PMs em São Paulo no mês de julho é o menor registrado em todo o ano de 2020. É a quantidade mais baixa em dez meses, desde setembro de 2019. A queda, explica especialista, tem ligação com a pressão popular pelas recentes abordagens violentas de PMs filmadas pela população.
Estatísticas da SSP (Secretaria da Segurança Pública), comandada pelo general João Camilo Pires de Campos neste governo João Doria (PSDB), apontam para 51 vítimas de policiais militares de serviço ou em folga ao longo dos 31 dias de julho.
O dado mostra uma nova tendência ao alcançar o terceiro mês com queda nas mortes. Desde maio, os registros oficiais mostram diminuição na letalidade, com 71 vítimas naquele mês e 56 em junho. A tendência era de alta no total de mortos entre outubro do ano passado até abril de 2020.
Além de ser o mês com menos mortos pela PM ao longo deste ano, julho apresenta a menor quantidade desde setembro de 2019. À época, a SSP contabilizou 48 mortos.
Os registros colocam julho de 2020 como o menos letal em comparação com julho de outro anos. Nos últimos cinco anos, apenas julho de 2016 tem estatística menor, com 47 mortes. A redução de vítimas é de 31% em comparação com julho de 2019, quando as polícias paulistas mataram 74 pessoas.
A tendência de queda na letalidade contrasta com recorde no primeiro semestre. Entre janeiro e junho, policiais militares e civis mataram 498 vítimas, o primeiro semestre mais letal desde 1996, quando a SSP iniciou este levantamento.
Para Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e doutora em administração pública, a explicação mais lógica para a queda ocorrida em julho envolve pressão popular.
A especialista considera que a pressão da sociedade motivou a redução, citando os protestos ocorridos após casos de violência policial, entre eles casos de PM pisando no pescoço de uma mulher negra e sufocamento feito por um policial em um homem até ele desmaiar.
“A pressão política e social fez com que a PM segurasse os números. A verdade é que, quando ela quer, ela controla”, avalia. “A redução nos últimos dois meses tem relação com a pressão que sociedade civil e imprensa fizeram por conta da alta nos primeiros meses do ano”.
Ao longo de julho, a PM paulista implementou o retreinamento anunciado pelo governador João Doria em resposta ao casos de abusos veiculados ao longo de maio e junho. Segundo a representante do Fórum Brasileiro, uma ação sem ligação com a queda de letalidade.
“Acho altamente improvável. Que medida de treinamento teria impacto imediato numa tropa de 90 mil pessoas?”, questiona. Para Samira, o retreinamento não terá “resultado prático”. “Não terá daqui um ano. É uma resposta política”.
A visão de que a pressão popular influenciou na queda de homicídios é compartilhada por Francilene Gomes, integrante do movimento independente Mães de Maio. Ainda assim, ela duvida que seja a única resposta.
“É dificil bater o martelo que seja só isso. Também é, mas, por tudo que vivemos no movimento social, é esquisita essa queda depois de todas as denúncias”, diz.
Francilene considera a possibilidade de existir subnotificação de casos. Ela toma como base a procura de pessoas vítimas de ações policiais como uma resposta à esta queda. “Não tem muito sentido sermos tão acionados por violações e os números diminuírem”.
Por outro lado, há quem considere a queda diretamente ligada às ações dentro da PM. O ex-secretário nacional de Segurança Pública José Vicente da Silva Filho defende esta tese.
“Com certeza foi ação do comando da polícia”, defende. “A hipótese é uma ação de contenção do comando, até pela repercussão negativa, causada pelo aumento da letalidade. E, por isso, ter um resultado na queda”, explica o coronel aposentado da PM paulista.
Segundo José Vicente, é possível uma determinação dos oficiais influenciar em pouco tempo nas estatísticas. Para ele, a decisão recente do governo não é exatamente um retreinamento, pois deveria recolocar os policiais por 2 mil horas em sala de aula.
“Só em direito penal são 190 horas, 90 horas de direitos humanos e ações afirmativas. Quando fala em retreinar é uma fala política”, analisa, ao colocar a mudança dentro da corporação como uma “retomada da tropa”.
“É bem provável uma atenção nas preleções dos oficiais antes das ruas ao fazer alertas: de o policial tomar cuidado, de observar o procedimento padrão de abordagem e de ter alerta com excesso de força”, exemplifica.
O ex-secretário considera uma das principais dificuldades dos comandantes o poder de “controlar os ânimos da tropa”, pois “o sujeito, com o tempo, tem um excesso de confiança e relaxa na atenção”. “Os grandes temas de congressos de segurança são controlar o uso da força e corrupção. São temas permanentes”, diz.
A Ponte questionou a SSP sobre a queda de letalidade ao longo de julho e quais suas explicações. Segundo a pasta, “o compromisso das forças de segurança é com a vida, razão pela qual medidas para a redução de mortes são permanentemente estudadas e implementadas”.
“Em julho, o efetivo da PM cumpriu as atividades do treinamento técnico-operacional, com o objetivo de aprimorar os processos de atuação da instituição. Foram contemplados temas como Polícia Comunitária, Direitos Humanos e Cidadania, Abordagem Policial e Gestão de Ocorrência”, lista a secretaria.
A pasta também cita um grupo de trabalho acadêmico feito pela PM com a Faculdade Zumbi dos Palmares e outras sete instituições como ações para discutir a violência envolvendo policiais.
“Para dar mais transparência às ações policiais, no início de agosto, 585 câmeras corporais passaram a ser utilizadas. Outras 2,5 mil novas câmeras portáteis serão contratadas por meio de um pregão internacional”, detalha o comunicado.