Projeto de lei prevê plano emergencial para população de rua durante pandemia

    Deputada Erica Malunguinho propõe renda básica, água potável em praças e uso de imóveis vazios como abrigo em SP

    Erica Malunguinho é autora do projeto voltado para atenção imediata ao povo de rua | Foto: Carol Jacob/Alesp

    Diante dos riscos da Covid-19, especialmente entre populações mais pobres, um projeto de lei de autoria da deputada estadual Erica Malunguinho (PSOL), apresentado no final de março, propõe a criação de um plano emergencial voltado à proteção de pessoas em situação de rua no estado de São Paulo.

    Entre as medidas propostas pelo PL 156, estão a disponibilização de pontos de água potável em todas as praças públicas, a distribuição de máscaras e produtos de higiene em equipamentos e serviços voltados aos moradores em situação de rua e a implementação da Renda Básica de Cidadania à população desabrigada no valor de R$300.

    O projeto prevê ainda a identificação de “imóveis públicos ou privados que apresentem infraestrutura adequada para que possam ser utilizados como moradia temporária em caráter urgente e imediato”.

    Segundo Malunguinho, diante do avanço do novo coronavírus em São Paulo, que hoje registra 371 mortes e 5.682 casos confirmados da doença, pessoas em situação de rua estão entre os mais vulneráveis aos efeitos da pandemia e dependem do acesso a condições básicas de alimentação, moradia e saúde, fornecidas por diferentes setores públicos.

    “Essas pessoas estão em situação de vulnerabilidade todos os dias e, em situações extremas como esta, de calamidade pública, é essa mesma população que mais sofre com os seus efeitos, o que acaba revelando o caos de uma exclusão que é estrutural, constante e sistêmica”, afirma.

    Além do projeto de lei, a deputada enviou, na quarta-feira passada (1/4), um ofício com 120 assinaturas por parte de organizações sociais e parlamentares, que solicitaram à Secretaria de Desenvolvimento Social (SDS) do estado a gratuidade no programa Bom Prato – que atualmente oferece alimentação a populações de baixa renda pelo valor de R$ 1 – pelo período em que perdurar a pandemia.

    No mesmo dia, a deputada enviou outros dois pedidos, um para a SDS e outro para a SMADS (Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social), solicitando informações sobre quais são as medidas específicas adotadas pelas gestões estadual e municipal para a população em situação de rua.

    Até o momento, segundo Malunguinho, as pastas não retornaram. Questionadas pela Ponte, as secretarias subordinadas ao governador João Dória (PSDB) e ao prefeito Bruvo Covas (PSDB), respectivamente, também não responderam.

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    “Eu acredito que oferecer repertório ao poder público a partir de reivindicações como essas,  articuladas em conjunto com movimentos sociais de moradia, de rua, podem abrir um caminho para o poder público solucionar problemas que foram criados ao longo tempo por ele próprio”, avalia Malunguinho.

    A deputada espera celeridade na tramitação do projeto de lei na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) e posterior sanção do governador. “Estamos em uma situação extremamente atípica, em que as pessoas reconhecem que, se o poder público não cuidar agora dessas pessoas, que são excluídas historicamente, isso pode também causar um efeito muito nocivo de recontaminação e da volta de um estado pandêmico”, pontua.

    Segundo a assessoria da parlamentar, antes de ir para o plenário, o PL 156 deve tramitar em regime ordinário na CCJR (Comissão de Constituição, Justiça e Redação) e, possivelmente, na CDH (Comissão de Direitos Humanos). Durante a pandemia, os deputados da Alesp estarão em quarentena e votando exclusivamente, e virtualmente, os projetos relacionados ao avanço da Covid-19 no estado.

    “Porta-vozes do contágio”

    Na avaliação do psicanalista e professor de Psicologia da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) Jorge Broide, que atua há mais de 40 anos com moradores em situação de rua, o plano emergencial proposto por Malunguinho “certamente deveria ser implementado pelo estado neste momento crítico [de pandemia]”. Dentre as medidas da proposição, ele destaca a importância da adoção de uma renda básica à população de rua e a garantia do acesso a abrigos de qualidade.

    O psicanalista pondera, contudo, que a proposta de utilização de imóveis ociosos “como moradias temporárias em caráter imediato”, ainda que válida, exigiria uma mobilização pública e técnica “menos factível do ponto de vista da implementação urgente” pelo poder público.

    Ao analisar as políticas públicas já existentes voltadas à população de rua em São Paulo, Broide afirma que “não se pode propor soluções únicas a uma população com tantos matizes e que vive em situações tão diferentes, como veio sendo feito até hoje”. Para ele, é preciso pensar em medidas, assim como as que constam no PL 156, “coordenadas por diferentes setores públicos, capazes de atender a diferentes necessidades dessas populações”.

    Ainda, segundo Broide, pessoas que vivem nas ruas de São Paulo hoje se encontram expostas dos dois lados. “Primeiro, por não terem como se proteger do coronavírus e, depois, por terem se tornado porta-vozes do contágio, daquilo que hoje não quer se ver, daquilo que contamina, diante da pobreza e da miséria”.

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