Quatro parlamentares trans tomam posse prometendo mudar a Câmara de SP

    De uma vez, a Câmara Municipal de São Paulo recebeu as quatro primeiras pessoas trans dos seus 460 anos de história: Carolina Iara, Erika Hilton, Samara Sosthenes e Thammy Miranda; duas delas vêm sofrendo assédio nas redes

    Carolina Iara, Erika Hilton, Samara Sósthenes e Thammy Miranda são as primeiras pessoas trans a chegar à Câmara Municipal de São Paulo | Fotos: Reprodução/Instagram

    A cidade que mais mata pessoas trans em todo o Brasil e a cidade mais preparada para a população trans. Essa é a controversa São Paulo, que agora tem três vereadoras travestis e um vereador trans em sua Câmara Municipal: Erika Hilton, eleita com 50.508 votos, Carolina Iara de Oliveira, da Bancada Feminista, eleita com 46.267 votos, Samara Sosthenes, do Quilombo Periférico, eleita 22.742 pessoas, as três pelo Psol, e Thammy Miranda, eleito com 43.321 votos pelo PL.

    De uma vez, o Legislativo paulistano recebeu as quatro primeiras pessoas trans da sua história, desde a criação da Câmara Municipal de São Paulo, em 1560. A cerimônia de posse, realizada nesta sexta-feira (1º/1) no Plenário 1º de Maio do Palácio Anchieta, no centro da cidade, não teve uma posse tradicional, com as galerias lotadas de convidados e jornalistas e com uma festa dos empossados. Por causa da pandemia do coronavírus, a presença de convidados foi restrita e parte dos vereadores participou apenas de forma on-line.

    Mas isso não desanimou as novas vereadoras. Em entrevista à Ponte, elas contaram ao que vieram: mudar a Câmara de Vereadores de São Paulo. A reportagem também procurou o vereador Thammy Miranda (PL), mas não obteve retorno de sua assessoria de imprensa.

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    Na sua estreia, Erika Hilton, a mulher mais votada não só de São Paulo, mas do Brasil, lançou-se candidata à Presidência da Mesa Diretora da Câmara, concorrendo com a chapa liderada pelo vereador Milton Leite (DEM), aliado do prefeito Bruno Covas (PSDB). “A ideia da minha candidatura era fazer uma oposição à direita, para que a Câmara não fosse um puxadinho da Prefeitura”, disse à Ponte. Erika recebeu 6 votos e a outra chapa, 49.

    Para Erika, sua chegada à Câmara é um marco histórico de enfrentamento à marginalização e invisibilidade. “Não só para a cidade, mas para os movimentos e pessoas que vivem a mesma realidade que a minha. A gente está fazendo história”, disse. Ela também lembrou de Marielle Franco: “Somos frutos das sementes de Marielle, esse fruto sou eu, esse fruto são as mulheres negras eleitas”.

    Erika Hilton, eleita com mais de 50 mil votos, durante posse na Câmara dos Vereadores | Foto: Reprodução/Instagram

    Erika optou por participar pessoalmente da posse. Por conta da pandemia, podia levar apenas um assessor parlamentar e um familiar. Ela não teve dúvidas de quem levaria: sua mãe. “A minha história com ela é repleta de vários episódios e não podia ser outra pessoa”. Na adolescência, Erika foi expulsa de casa quando sua família se converteu ao cristianismo e sua identidade foi considerada como “demoníaca” por sua mãe. Mas, seis anos depois, sua mãe a resgatou e a acolheu.

    “Minha mãe é responsável pela mulher que eu me tornei, por onde eu cheguei e por ter conseguido chegar nesse lugar. Tudo isso a partir do momento que ela compreendeu tudo o que ela estava fazendo, a violência que ela estava cometendo em nome de uma igreja, e me resgata, me permitindo estudar e me colocar socialmente”, define.

    Erika Hilton ao lado de sua mãe na Câmara dos Vereadores | Foto: Reprodução/Instagram

    Erika sabe que os próximos quatro anos não serão fáceis. “Temos uma extrema-direita e conservadores na Câmara, mas o nosso mandato foi eleito para dialogar e pensar nas necessidades da população paulistanas, para enfrentar as desigualdades e fazer com que a nossa comunidade se sinta representada”, promete.

    Assédio e proteção

    Carolina Iara, da Bancada Feminista, disse à Ponte que já tem feito articulações com outros mandatos, principalmente com o Quilombo Periférico. A covereadora conversou com a reportagem quando estava no carro, a caminho da Câmara. A Bancada Feminista optou por participar da cerimônia de posse on-line.

    “Eu e a Samara já estamos conversando de fazer coisas juntas. Eu tenho sofrido assédios em massa nas redes sociais, com perfis de extrema direita que me enviam imagens pornô ou imagens de suas genitais. Então estamos articulando de fazer coisas nesse sentido para nos proteger”, denuncia.

    Covereadoras da Bancada Feminista durante posse na Câmara Municipal. Da esquerda para direita: Silvia Ferraro, Natalia Chaves, Carolina Iara, Paula Nunes e Dafne Sena | Foto: Divulgação/Bancada Feminista do Psol

    Com frio na barriga, Carolina tentava contar a animação quando estava a caminho da Câmara. “A gente sabe que mandatos de esquerda sempre dão uma incomodada na velha política e na burguesia, mas estamos bastante empolgadas e comprometidas com uma agenda política de transformação”, comemora.

    Carolina é a primeira pessoa intersexo do país a ser eleita parlamentar e ela sabe do peso dessa responsabilidade. “Eu espero não ser a única por muito tempo, esse é o primeiro ponto, espero que nesses quatro anos apareçam mais representantes da letra I na política”, argumenta. “Já ouvimos boatos de que vereadores fundamentalista não querem que a gente use os banheiros do gênero que nos reconhecemos, só de existir esse clima já é estressante”.

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    Ciente dos desafios que enfrentará dentro da Câmara, Carolina avisa: “A nossa mandata é coletiva e popular então é uma mandata que vai subverter o parlamento, queremos outro tipo de política com presença popular”.

    Covereadores do Quilombo Periférico durante posse. Da esquerda para a direita: Julio Cezar, Samara Sosthenes, Elaine Mineiro, Débora Dias, Alex Barcellos e Erick Ovelha | Foto: Divulgação/Quilombo Periférico

    Os vereadores que compõem o Quilombo Periférico escolheram a Agência Solano Trindade, espaço cultural do Campo Limpo, periferia da zona sul da cidade, para se reunir e participar da cerimônia de posse pelo computador. Samara Sosthenes explica o motivo: “É um lugar muito representativo para a gente, foi onde fizemos nossas primeiras reuniões, fizemos alguns seminários, foi aqui que fizemos a nossa primeira sessão de fotos. Estamos todos juntos aqui para comemorar”, define.

    “A partir de segunda-feira já estaremos no gabinete arrumando as coisas e começando a trabalhar. Apesar do nosso gabinete estar reduzido, por conta da pandemia, já recebemos denúncias e vamos ter bastante coisas para fazer”, completa Samara, que também é coordenadora do núcleo de educação da UNEafro.

    Samara conta que a ideia é ser articular com os outros mandatos, principalmente com Erika Hilton e Carolina Iara. “Como somos do mesmo partido, isso facilitará algum tipo de negociação e conversa. Mas também não dispenso a possibilidade de dialogar com o Thammy, por ele ser um homem trans que vai se engajar com as nossas pautas”.

    “Ano passado, quando me fizeram o convite, eu falei que achava que não estava preparada, mas nessa conjuntura política que a gente vive sempre temos que estar preparados”, aponta. “Eu venho com bagagem dos movimentos sociais e de cinco anos de vivência em ocupações.”

    Em um vídeo publicado no Instagram, em 16 de novembro de 2020, Thammy Miranda definiu sua eleição: “tudo valeu a pena”. “Quando decidi me candidatar eu sabia que o desafio era longo e o caminho longo para conquistar as pessoas, que querem um representante na Câmara Municipal com garra e coragem”, afirmou.

    “Agora começa um novo tempo, um novo ciclo e eu vou mostrar que eu sou gente que gosta de gente. O meu mandato será participativo e colaborativo”, finalizou.

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