Ataque em Osasco aconteceu na mesma rua de um dos pontos da maior chacina de São Paulo, em 2015; ‘a sensação é de que qualquer um pode ser o próximo’, desabafa moradora
“Eu ouvi os tiros, saí correndo e vi o Eduardo no chão. Corri até ele, não sabia ainda que tinham atingido outras pessoas. Era muito tiro no corpo dele. Levantei a cabeça dele, olhei nos olhos e disse: ‘Filho, a mãe te ama, a mãe tá aqui’. Ele olhou nos meus olhos e antes que conseguisse falar alguma coisa, apagou”. O relato é de Maria do Socorro Venancio de Oliveira, mãe do autônomo Eduardo Florentino de Moraes, 25 anos, um dos quatro mortos nos dois ataques ocorridos em Carapicuíba e Osasco, na Grande São Paulo, nesta sexta-feira (7/9), em um intervalo de pouco mais de uma hora. Pelo menos duas pessoas ficaram feridas.
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo informa que as investigações estão sendo feitas pelos Setores de Homicídios das duas cidades em parceria com as delegacias locais e que, “até o momento, não há indícios de relação entre os casos”.
À Ponte, um dos investigadores confirma que o mesmo carro prata aparece nos dois casos, mas não é possível, ainda, afirmar que os dois ataques partiram do mesmo veículo, porque há relatos de que em Osasco, os tiros foram disparados a partir de um automóvel preto. Nos locais dos crimes, foram encontradas munições de pistola .40, 9 mm e de fuzil 556, armas de uso restrito das forças de segurança. A .40 é a arma usada pela Polícia Militar de São Paulo. Em Carapicuíba, onde foram efetuados pelo menos 30 disparos, também foram coletados projéteis de pistola 380.
O primeiro ataque aconteceu na Rua Maria Dilza dos Santos Lima, Jardim Maria Beatriz, em Carapicuíba, por volta das 20h30, quando quatro homens encapuzados chegaram em um carro prata e três deles atiraram contra pessoas que estavam na frente de uma lanchonete. Além de Eduardo, o mecânico Jonata Batista Alves, 25 anos, também morreu. Uma terceira vítima, que conseguiu se esconder atrás de uma geladeira, sobreviveu.
Uma testemunha, que pediu para não ser identificada, afirma que no momento da chegada do carro a rua estava cheia de crianças. “Cheguei a ouvir um dos atiradores gritar: ‘Atira em todo mundo’. Foi muito tiro. Quando começaram os disparos cheguei a achar que eram bombinhas”, contou.
Inconsolada, a mãe de Eduardo, Maria do Socorro, afirma que só quer justiça. “Meu filho gostava de ser feliz. Só isso. Final de semana, qualquer dinheirinho que sobrasse, ele gostava de assar carne. Eu só quero que peguem quem fez isso com meu filho”, desabafou. Eduardo era o caçula de três filhos. “Acho que por isso também era tão carinhoso. Quando trabalhava até tarde, não importava a hora, chegava em casa e vinha me dar um beijo na testa, me chamava de ‘véia'”, relembra. Maria do Socorro conta que Eduardo tinha aberto um negócio de lanches bem em frente à casa, o Buchecha’s. No momento do crime, ele estava no estabelecimento e, a poucos metros, os amigos preparavam um churrasco para aproveitar o feriado da Independência.
Segundo Maria do Socorro, há alguns dias, Eduardo havia dito que queria ir à igreja para agradecer Nossa Senhora Aparecida pelas coisas boas que estavam acontecendo na vida dele”. “Não deu tempo”, lamentou a mãe.
Abalada, a viúva de Eduardo, Anabelle, 22 anos, diz que está inconformada. “Estou destruída. É uma dor horrível. A gente nunca imaginou que isso ia acontecer”, disse, aos prantos. Os dois eram casados há quase sete anos e tinham juntos duas filhas de 4 e 6 anos. “Estávamos com planos de, em breve, ir embora daqui, ir morar no interior”.
O segundo ataque aconteceu um pouco depois das 21h em uma viela da rua Antonio Benedito Ferreira, bem perto da entrada do Morro do Sabão, no Munhoz Jr., em Osasco. O local fica a menos de 100 metros do bar do Juvenal, um dos pontos da maior chacina de São Paulo, ocorrida em agosto de 2015. Neste local, em 13 de agosto daquele ano, 8 pessoas foram mortas. Em setembro do ano passado, dois PMs – Fabrício Eleutério e Thiago Henklain – e um GCM – Sérgio Manhanhã – foram condenados a mais de 200 anos de prisão por participar da chacina. Em fevereiro deste ano, um quarto réu, o PM Victor Cristilder, foi condenado a mais de 100 anos de prisão.
Nesta sexta-feira (7/9), um grupo de três jovens fumava narguilé em uma escadaria, quando atiradores chegaram em um veículo e efetuaram os disparos. Felipe Santos Soares, 22 anos, foi o primeiro a ser morto. A outra vítima, Robson Gonçalves, 18, tentou correr para se esconder, mas acabou atingido próximo do bar da Lúcia, na mesma rua. Um terceiro jovem foi baleado e levado ao Pronto Socorro de Barueri.
Com medo, vizinhos contam que ouviram os disparos mas não se atreveram a sair na rua. “E quem é que tem coragem de sair na rua para ver? A gente mais tem é que se esconder e esperar acalmar”, diz um morador que estava na área externa da casa, quando os disparos começaram. “Aqui nessa rua passa ônibus. Eu consegui ouvir quando o carro se aproximou, um ônibus descia e, de dentro do carro, um dos atiradores gritou que era para o ônibus sair dali rápido”, relatou.
O bairro Munhoz Jr. ainda vive a marca de ter sido palco da maior chacina da história de São Paulo, ocorrida entre os dias 8 e 13 de agosto de 2015, que vitimou, ao todo, 23 pessoas. Até por isso, na tarde deste sábado (8/9), muita gente disse à Ponte que ouviu tiros, ouviu vozes, mas ninguém quis se comprometer a falar. “Eu acabei de mudar para cá na realidade. Mas sim, eu ouvi. Não teve como não ouvir. Foram uns 15 tiros sequenciais, pelo menos, que consegui contar”, afirma um jovem que mora a poucos metros do ataque.
“Não avalio como inseguro o local. O problema é que a gente não pode tapar os olhos para o fato de que aquela chacina anterior aconteceu ali embaixo”, diz uma mulher também moradora do local, apontando na direção do bar do Juvenal. “Então o que eu tenho para dizer é que aqui é seguro temporariamente. Mas aí quando acontece esse tipo de coisa, a gente fica apreensivo. Sempre que sabemos que mataram algum policial, pode ter certeza que vai ter morte, que vai morrer gente aqui”, desabafa.
“A sensação é que qualquer um pode ser o próximo. É complicado”, afirmou outra moradora. Depois do trabalho da perícia, vizinhos se uniram em um mutirão para limpar o local.
Durante o velório de Felipe, que será enterrado neste domingo no Cemitério Municipal Bela Vista, em Osasco, a avó dele, Dona Josefa, contou que ele era um garoto tímido, trabalhador e que “nunca tinha tido problemas com a polícia”. Aos 69 anos, a alagoana lembrou que a família vem de uma história de muita luta: veio para São Paulo com os filhos todos pequenos e, anos mais tarde, ficou viúva.
Dona Josefa conta que dos 15 filhos que teve, 11 estão vivos, e que, na vida, conseguiu lidar com perdas sempre recorrendo a Deus. Agora, mais uma vez, afirma que é a fé que a faz forte para se despedir do neto de apenas 22 anos. “Tinha toda uma vida pela frente. Eu fico pasma com tudo isso que aconteceu. É só a fé em Deus mesmo para segurar. Ele pode tudo, ele vê tudo, ele tá de noite e de dia no plano dele. E a gente precisa acreditar que quem fez isso vai pagar e vai pagar aqui”, afirmou. A filha de dona Josefa, mãe de Felipe, ainda não tinha passado no velório, porque ficou muito abalada e precisou ser medicada.
Os outros três jovens foram enterrados neste sábado (8/9): Jonata e Eduardo no Cemitério Municipal de Carapicuíba, e Robson no Cemitério Municipal Bela Vista, em Osasco.