Conheça detalhes inéditos sobre atentado que matou sete moradores do Jardim Rosana, periferia da na zona sul de SP, em janeiro de 2013, e como nove dos dez PMs acusados de participação na chacina escaparam de sentar no banco dos réus. Único PM que seria julgado pelo crime fugiu de presídio militar há quase um ano
O velho Monza, marrom e com os vidros escurecidos, foi o primeiro veículo a se aproximar, lentamente, do Bar do Rob na noite de 4 de janeiro de 2013, sexta-feira. No comboio sorrateiro que chegava, às 23h20, ao nº 75 da Reverendo Peixoto da Silva, rua em formato de ferradura no Jardim Rosana, zona sul da cidade de São Paulo, também estavam uma Spacefox, preta, um Agile, verde escuro, e um Gol, preto e “modelo geração III”.
Na noite anterior (3/01/13), a mesma Spacefox fora vista no atentado contra o deficiente visual Rodrigo Barbosa, 27 anos, também morador do Jardim Rosana e morto com um tiro na nuca. Um amigo de Barbosa escapara dos atiradores e descrevera o carro como parte de um comboio da morte que rondava o bairro.
O veículo preto, assim como também policiais militares fardados e em horário de trabalho, apavorava os moradores do Jardim Rosana, na região do Campo Limpo, havia quase dois meses, desde quando um morador da rua em forma de ferradura gravou a ação da Polícia Militar de São Paulo que terminou com a morte a tiros de um suspeito de roubo, em novembro de 2012.
Ao perceberem a aproximação da Spacefox, sete jovens que conversavam na calçada do Bar do Rob, três deles degustando caipirinha, tiveram certeza de estar à beira de uma tragédia. “Vai, é polícia, ninguém corre!”, gritaram os encapuzados. Nenhum dos sete rapazes ficou parado. A velocidade do grupo em um beco-escadão, bem ao lado do bar, foi a mesma com a qual os encapuzados desceram dos quatro carros.
Com pistolas de calibres .380 e .40 e potentes escopetas “mata elefante” calibre 12, os encapuzados, cerca de 14 deles, segundo quem viu a morte naquela noite e sobreviveu para contar, dividiram-se para começar a chacina que hoje, três anos mais tarde, pode ser considerada símbolo da impunidade em torno da letalidade que envolve membros da Polícia Militar do Estado de São Paulo.
Parte dos encapuzados entrou no Bar do Rob e parte parou na frente do beco-escadão e por onde os sete jovens correram rumo à rua Dr. Frederico de Azevedo Antunes.
Horas antes da chacina no Bar do Rob, o mesmo Gol preto integrante do comboio dos matadores fora visto em um petshop, distante cerca de 350 metros do local do atentado. O que chamou a atenção de quem viu o carro foi o fato de que seus ocupantes pararam o veículo no petshop, desceram e foram conversar com militares de um dos carros da Força Tática do 37º Batalhão da PM.
No momento da invasão ao Bar do Rob, o dono do lugar atendia e conversava com clientes já bem conhecidos, praticamente seus amigos: Láercio de Souza Grimas, 33 anos, conhecido no Hip Hop brasileiro como DJ Lah, do grupo de rap paulistano Conexão do Morro, o manobrista Carlos Alexandre Claudiano da Silva, 27, os instaladores de alarmes de segurança Ricardo Genoíno da Silva, 39, e Almando Salgado dos Santos Júnior, 41, o pedreiro João Batista Pereira de Almeida, 34, e o tosador Edilson Lima Pereira Santos, irmãos de 34 e 27 anos, respectivamente.
Perto de inaugurar uma sorveteria no Jardim Rosana, DJ Lah estava no Bar do Rob, distante apenas 230 metros de sua casa, para conversar com um rapaz contratado para fazer grafites nas paredes de seu empreendimento. Como ainda não havia feito as pinturas artísticas e a sorveteria abriria as portas na semana seguinte, o rapaz ficara de devolver o valor já pago pelo DJ.
Lah saíra de casa às 22h daquela sexta-feira para encontrar o grafiteiro e, como não retornara logo, a mulher do DJ ligou no seu celular. A breve conversa terminara com Lah dizendo que o rapaz estava para retornar com o seu dinheiro. Ao desligar, a mulher do DJ ouviu estampidos. Ela pensou, erroneamente, serem de fogos de artifício, ainda pela comemoração da chegada de 2013.
Preocupada com os barulhos, a mulher de Lah resolveu ir até o bar. Poucos minutos haviam se passado desde os estampidos. Ao ver o lugar cercado por policiais militares, ela teve certeza de que se tratava, na realidade, de tiros, muitos tiros.
Highlanders, os militares cortadores de cabeças
Os PMs à porta do bar eram do 37º Batalhão, a mesma unidade da Polícia Militar de SP na qual, em 2008, foi descoberta como quartel general do grupo “Os Highlanders”, assim chamados por integrar, segundo a Polícia Civil e Promotoria, um grupo de extermínio responsável por cortar as cabeças e as mãos de 12 vítimas.
PM de SP bate recorde de mortes e não reduz crimes
Os militares impediam a aproximação das pessoas ao Bar do Rob e o cercavam com uma fita amarela e preta, tradicional nas cenas de crimes. Eram muitos os moradores da rua em formato de ferradura que se aglomeravam, choravam e gritavam. Queriam saber quem eram as pessoas feridas pelas quase cinco dezenas de tiros.
No meio dos vizinhos da rua em formato de ferradura, a mulher do DJ Lah viu dois corpos esticados na porta do Bar do Rob. Um deles calçava tênis brancos e vestia calça de moletom vermelha e blusa branca, empapada de sangue. Ela não teve dúvida, era o pai de sua filha, o homem com quem vivia há 17 anos.
Com um grande hematoma roxo na parte superior no olho esquerdo, que tinha um corte de 3 cm na parte inferior, Lah estava à direta de quem olhava da rua para o comércio, perto da porta principal. O DJ estava ferido com um tiro de escopeta calibre 12, disparado depois de ele já ter sido atingido por outros tiros de pistolas .40 e .380.
Os peritos concluiriam mais tarde que o tiro da “mata elefante” contra Lah foi dado à queima roupa, a curta distância, com ele já deitado. Vários dos pequenos projéteis (bolinhas de chumbo) que formavam o balote da calibre 12 usada no crime transfixaram o corpo do DJ e abriram buracos no piso de cerâmica bar. Foi o tiro do “confere”, ou seja, o disparo para confirmar sua morte, caso ele ainda não tivesse morrido em função dos tiros das pistolas.
A raiva maior dos atiradores era contra Lah. Estava claro para os investigadores. O DJ foi golpeado no rosto e ainda ferido com a bala da “mata elefante” e também das pistolas .40 e .380. Dias após a chacina, a investigação descobriria que os encapuzados acreditavam que Lah tinha feito a gravação incriminando outros PMs do 37º Batalhão na morte do suspeito de roubo.
De joelhos para São Jorge
Na parede dos fundos do Bar do Rob, encoberto pelo balcão de alvenaria (para quem também olhava da rua), o corpo do instalador de alarmes de segurança Ricardo Genoíno da Silva estava na posição descrita pelos peritos como “genuflectida” (de joelhos).
Silva tinha vários ferimentos na lateral esquerda da barriga e no antebraço, o que também indicava a tentativa de se defender dos tiros. Ele fora atingido quando, agachado e encolhido, encostou a lateral direita do corpo na parede, estava acuado. Na mesma parede desgastada do bar, centímetros acima de onde jazia o corpo de Silva, uma imagem toda branca de São Jorge, com sua lança em luta contra o dragão, permanecia intacta, mesmo sendo de gesso.
À frente de Silva, espremidos entre o balcão de alvenaria e um freezer, espaço onde o dono do Bar do Rob atendia seus clientes, com as cabeças voltadas para a porta de entrada, estavam os corpos do instalador de alarmes de segurança Almando Salgado dos Santos Júnior, chamado pelos amigos de Júnior, e o do manobrista Carlos Alexandre Claudiano da Silva.
Santos Júnior e Claudiano da Silva tinham ferimentos no peito e na cabeça. O espaço onde buscaram abrigo era mínimo e ainda foi dividido com o dono do bar, que se agachou atrás do mesmo balcão, abaixo de um pôster do Santos Futebol Clube e de um quadro, também com a imagem de São Jorge na luta contra o dragão, para não ser visto e morto pelos encapuzados.
Ao lado do corpo do DJ Lah, ainda mais próximo da porta de entrada do Bar do Rob, estava o corpo do tosador Edilson Santos, com vários tiros no peito e nas mãos, também usadas para tentar, em vão, se defender e bloquear os tiros. Naquela noite, Santos havia ido tomar cerveja com o irmão, João Batista Pereira de Almeida.
PM de SP mata ex-jogador de futebol, pai de 4 filhos, ao confudi-lo com ladrão
Mesmo com a frente do Bar do Rob tomada por encapuzados, o pedreiro João Almeida havia conseguido correr e seguir pelo mesmo beco-escadão por onde fugiram os sete jovens que estavam na porta do boteco no momento do atentado dos encapuzados.
Com os sete jovens e o pedreiro rasgando a pé o estreito beco-escadão, os atiradores não tiveram dificuldades de, mesmo no escuro, atingir metade do grupo com seus disparos. Dois dos quatro feridos com mais gravidade foram João Almeida e o estudante Brunno de Cássio Cassiano Souza, de 17 anos. Socorridos, os dois morreram em hospitais públicos da região do Campo Limpo.
Antes de ser levado para o hospital, João Almeida entrou em uma casa no fim do beco-escadão e lá ficou, sentado em um sofá puído, até ser levado para o Hospital M´Boi Mirim. O socorro foi prestado pelos mesmos PMs que também levaram um dos rapazes do grupo ferido sem gravidade na coxa esquerda.
Um pouco acima do peso, Brunno Souza não conseguiu acompanhar os amigos na corrida e caiu ao sentir o impacto da bala contra seu corpo, quando ainda estava na escuridão do beco-escadão.
Desesperado, o estudante ainda pediu ajuda a um amigo, então com 21 anos e que, mesmo baleado, voltou para tentar erguê-lo. No momento do socorro, o amigo de Brunno Souza foi ferido novamente. Em choque e sem força para levantar o estudante, ele foi obrigado a fugir para outro bar, sem levar o jovem de 17 anos.
O jovem de 21 anos (cujo nome é preservado nesta reportagem) ficou no segundo bar até a chegada de mais PMs do 37º Batalhão ao Jardim Rosana. Com medo de ser assassinado, o rapaz não queria ser socorrido por aqueles policiais, segundo dissera depois no hospital.
A ajuda só foi aceita quando vários vizinhos confirmaram que o jovem de 21 anos estava vivo. E foi assim que ele chegou ao Pronto Socorro do Hospital Campo Limpo, onde ficou internado. O mesmo não aconteceu com Brunno Souza. O estudante foi socorrido por PMs do 37º Batalhão com vida, mas chegou morto ao hospital.
Parentes do estudante lembram ter visto apenas um ferimento de tiro no corpo dele, logo após o atentado no Bar do Rob e no beco-escadão. No IML (Instituto Médico Legal), os médicos legistas encontraram três entradas de bala em Brunno Souza.
O quarto ferido na fuga pelo beco-escadão foi um homem de 24 anos (nome também preservado pela reportagem). Ele bebia a caipirinha com Brunno Souza e o amigo deles de 21 anos, o mesmo que só aceitou entrar no carro da PM para ser socorrido após seus vizinhos comprovarem que ele estava vivo. O tiro o atingiu na coxa esquerda, mas sem gravidade. Levado para o hospital, esse homem de 24 anos foi liberado rapidamente.
No instante dos tiros, a PM estava lá
Quando chegou à rua Dr. Frederico de Azevedo Antunes, acessada pelo beco-escadão na correria, um daqueles jovens que fugiam dos encapuzados pulou o muro da primeira casa que viu.
Assim que aterrissou seu corpo no chão, o rapaz, ainda incrédulo por não ter sido atingido pelos tiros, viu um carro da Força Tática (espécie de grupo especial de cada batalhão da PM de SP) cruzar a rua lentamente. Sim, enquanto os encapuzados atiravam no bar, policiais militares, fardados e em um carro oficial, estavam na rua de cima daquela onde está o Bar do Rob, acessada pelo beco-escadão. O veículo da PM estava com todas as luzes de sinalização apagadas.
Ao todo, naquela noite de 4 de janeiro de 2013, os encapuzados do comboio da morte mataram sete homens e feriram outros dois. Foram 47 tiros disparados dentro do Bar do Rob e no beco-escadão.
Ao mesmo tempo em que vários outros carros da PM atracavam na porta do Bar do Rob, moradores do Jardim Rosana viram os primeiros militares a chegar ao lugar vasculhando o boteco, o beco-escadão e parte da rua em formato de ferradura. Até mesmo PMs em folga ou de férias, alguns com parentes, foram ao local do crime, já na madrugada do sábado (5/01/13).
Alguns desses primeiros PMs contrariavam o procedimento policial em cena de crime e recolhiam cápsulas e pedaços de chumbo, função exclusiva dos peritos da Polícia Técnico-Científica. Muitos moradores viram essa interferência dos PMs do 37º Batalhão e para quem o material era entregue, um oficial da Polícia Militar paulista.
Como a população do Estado de São Paulo ainda estava traumatizada com a onda de violência do segundo semestre de 2012, quando grupos de extermínio agiram nas periferias das grandes cidades paulistas para vingar a morte de policiais atacados pela facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital), o então delegado-geral da Polícia Civil de SP, Maurício Blazeck (1963-2015), foi ao Jardim Rosana, por ordem do governador Geraldo Alckmin (PSDB), para tentar entender a chacina no Bar do Rob.
O retorno do chefe da Polícia Civil para Alckmin, na manhã de 5 de janeiro, ainda em meio à repercussão da chacina, foi direto: PMs eram os principais suspeitos pelos assassinatos. O governador, como sempre faz ao ser questionado pela imprensa em casos de violência policial, soltou: “Tudo vai ser investigado com profundidade e rigor até prendermos os responsáveis”.
Apesar da tentativa dos primeiros PMs que chegaram ao Jardim Rosana de sumir com estojos e chumbo dos projéteis usados pelos encapuzados no atentado, a incompetência os venceu.
Os peritos da Polícia Técnico-Científica de SP localizaram 41 estojos de pistola .380, três de pistola .40 (arma de uso restrito às forças de segurança) e três de escopeta “mata elefante” calibre 12, entre o Bar do Rob e o beco-escadão. Duas buchas de calibre 12 e 25 projéteis, alguns deles despedaçados, também foram apreendidos pela perícia.
No laboratório do Núcleo de Balística do IC (Instituto de Criminalística), os peritos descobriram três estojos de projéteis calibre .40, justamente os que estavam embaixo de um freezer do Bar do Rob e embaixo dos corpos do DJ Lah e do tosador Edilson Santos, com números de série do fabricante da munição grafados em suas bases: AHI57, AGX12 e AIQ38.
Ao rastrear para quem a CBC (Companhia Brasileira de Cartuchos) tinha vendido os lotes com essa numeração, o DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), da Polícia Civil de SP, chegou até a Polícia Militar paulista, que, por sua vez, havia repassado as balas para o 37º Batalhão da corporação, localizado na zona sul de São Paulo e responsável por atender, entre dezenas de outros bairros daquela região, o Jardim Rosana.
As armas dos policiais militares da 5ª Companhia (subdivisão, destacamento) do 37º Batalhão que patrulhavam o Jardim Rosana foram apreendidas e, na perícia, descobriu-se que uma pistola .40, número de série SBT 02954, havia disparado os tiros contra dois dos cinco homens mortos dentro do Bar do Rob. A arma pertencia à Polícia Militar de SP e estava em poder do soldado Gilberto Eric Rodrigues, hoje com 31 anos.
Com o resultado positivo da perícia para a utilização da arma do PM Rodrigues no atentado e os relatos das testemunhas, a investigação rastreou a rede de contatos do soldado na corporação e chegou aos nomes de mais nove militares, dentre eles um oficial, o capitão Sandro Andrey Alves. A jogada seguinte fora destrinchar o que cada um daqueles PMs ligados a Rodrigues fazia na noite de 4 de janeiro.
No começo da investigação, ainda com a chacina do Jardim Rosana repercutindo nos meios de comunicação, foram presos temporariamente os soldados Gilberto Eric Rodrigues, Carlos Roberto Alvarez, Fábio Ruiz Ferreira, Anderson Francisco Siqueira, Antonio Marchetti Júnior e Luis Paulo Uchoas Ungur, os sargentos Antonio Luis Ribeiro Munduruca e Adriano Marcelo do Amaral e a cabo Patrícia Silva Santos. Apenas o oficial capitão Sandro Andrey Alves ficou fora da prisão.
Oito dos dez PMs do 37º Batalhão foram denunciados pelo promotor João Carlos Calsavara, do 1º Tribunal do Júri, à Justiça por participação nos sete homicídios no Jardim Rosana e tiveram suas prisões preventivas solicitadas pela Polícia Civil.
Gilberto Rodrigues, Fabio Ruiz, Antonio Munduruca e Antonio Marcheti agiram diretamente no atentado a tiros, de acordo com a denúncia da Promotoria à Justiça.
A cabo Patrícia Santos, o soldado Carlos Alvarez e o sargento Adriano do Amaral deram, também segundo a Promotoria, apoio para o atentado promovido pelos quatro primeiros, assim como o armeiro Anderson Siqueira, responsável pela guarda das armas do 37º Batalhão na noite da chacina do Rosana.
Na mesma denúncia à Justiça, a Promotoria acusou o soldado Luis Paulo Uchoas Ungur e o capitão Sandro Alves, o oficial da PM para quem os subordinados entregaram estojos e projéteis recolhidos criminosamente da cena do crime, de fraude processual.
A juíza Carla de Oliveira Pinto Ferrari, da 1ª Vara do Júri de São Paulo, recebeu a denúncia contra seis dos PMs: Gilberto Rodrigues, Fábio Ruiz, Patrícia Santos, Carlos Alvarez, Adriano do Amaral e Luis Ungur. A prisão preventiva (que poderia durar até um possível julgamento) dos cinco primeiros foi decretada pela magistrada.
“Quanto a Luis Paulo [Ungur] tem-se que também foi reconhecido como um dos responsáveis pela coleta de cartuchos vazios no local dos fatos, mas não há indícios, com a relação a ele, de que tenha aderido à conduta dos executores previamente, de modo que não pode responder por participação nos crimes de homicídios”, justificou a juíza Carla Ferrari.
Sobre Anderson Siqueira, Antonio Munduruca, Antônio Marchetti e Sandro Alves, os outros quatro militares acusados pela Polícia Civil e pela Promotoria de participação na chacina, a magistrada rejeitou a denúncia contra todos “por ausência de indícios suficientes de autoria ou participação”, assim como também o pedido de prisão preventiva contra eles.
Inconformado com a decisão da juíza, o promotor João Carlos Calsavara entrou com um recurso em sentido estrito para tentar a decretação da preventiva dos quatro PMs.
“Trata-se de chacina cometida por policiais militares, com requintes de extrema violência e crueldade, marcadas desde o início das investigações pelo temor evidente das testemunhas, haja vista que na exordial [inicial] constam três testemunhas protegidas, o que requereria certamente apreciação mais detida acerca dos indícios de autoria e das consequências nefastas da libertação dos acusados, ora recorridos [os quatro PMs]”, escreveu o promotor Calsavara.
“O que pensarão os moradores da comunidade onde foram praticados os delitos quando presenciarem os recorridos novamente na via pública?” e, “desta forma, equivocada a decisão proferida pela magistrada, que vislumbrou proteger o direito à liberdade dos acusados em detrimento da tranquilidade dos moradores da comunidade e do bairro, situado em local ermo e longínquo”, continuou o promotor, no seu recurso.
Ao analisar o recurso do promotor Calsavara contra a decisão da juíza Carla Ferrari, o juiz Alberto Anderson Filho aceitou apenas a manutenção da denúncia contra o soldado Gilberto Rodrigues e absolveu sumariamente todos os outros nove PMs ligados ao caso pela Polícia Civil, Corregedoria da PM e Promotoria.
O magistrado Anderson Filho também mandou soltar Patrícia Santos, Carlos Alvarez, Adriano do Amaral e Fábio Ruiz, que estavam presos preventivamente por ordem da juíza Carla Ferrari.
Quem são e o que fizeram os PMs, segundo a acusação
A seguir, você descobrirá, em detalhes inéditos, quem são e o que fizeram os dez policiais militares que, de acordo com a investigação da Polícia Civil e a denúncia da Promotoria à Justiça, se juntaram para cometer a chacina do Jardim Rosana e como o Tribunal de Justiça de SP decidiu não levar nove deles ao banco dos réus.
Atualmente, o processo está em fase de recurso no Tribunal de Justiça de SP. Os cinco desembargadores de uma das Câmaras Criminais aguardam parecer da Procuradoria Geral de Justiça de SP para julgar o recurso do promotor João Carlos Calsavara.
GILBERTO ERIC RODRIGUES –
Único policial militar pronunciado pela Justiça para ir a júri pelas sete mortes e duas tentativas na chacina do Jardim Rosana, o soldado Rodrigues fugiu do Presídio Militar Romão Gomes, no Jardim Tremembé (zona norte de São Paulo), em 1º de abril de 2015. Quando foram questionados pela reportagem sobre Rodrigues, o governo do Estado de São Paulo e a Polícia Militar mentiram sobre seu paradeiro.
A pistola .40 da PM usada por Rodrigues foi a mesma disparada para matar dois dos cinco homens no Bar do Rob. Dois projéteis extraídos dos corpos desses dois homens e três estojos deflagrados, recolhidos na cena do crime, saíram da arma de Rodrigues.
Quando a investigação realizou uma busca e apreensão da casa de Rodrigues, duas chaves de veículos foram localizadas. Uma pertencia ao Voyage do soldado. A segunda era a de uma Spacefox preta, exatamente com as mesmas características da usada na morte do deficiente visual Rodrigo Barbosa, em 3/01/13, e na chacina do Jardim Rosana.
A Spacefox foi encontrada abandonada, 25 dias após a chacina, na rua da casa de um oficial da Polícia Militar, o capitão Sandro Andrey Alves, chefe imediato do soldado Rodrigues na 5ª Companhia do 37º Batalhão. O carro havia sido roubado de uma mulher, em 19 de julho 2012, no Capão Redondo (zona sul de São Paulo), e estava com placas falsas ao ser localizado, em 28 de janeiro de 2013. Ao fazer o reconhecimento de PMs como suspeitos pelo roubo do veículo, a dona da Spacefox apontou, com dúvidas, um soldado temporário da PM, já desligado da corporação à época do crime, como o ladrão que a atacara.
A chave achada na casa do soldado Rodrigues serviu para abrir e ligar a Spacefox preta, parada na rua da casa do oficial da PM.
Interrogado e informado sobre o resultado positivo para o confronto balístico entre os estojos e projéteis do crime e arma da PM utilizada por ele, o soldado Rodrigues ficou mudo.
À meia-noite de 4/01/13, ou seja, cerca de 40 minutos após a chacina no Jardim Rosana, o soldado Rodrigues conversou por 82 segundos com a cabo Patrícia Silva Santos, quando ela, fardada e em horário de trabalho, estava na cena do crime. Momentos antes do atentado, Rodrigues havia falado por telefone com o também soldado Antonio Marchetti Júnior.
Em março de 2014, ainda preso pela participação na chacina do Jardim Rosana, Rodrigues foi condenado a três de prisão por manter em seu armário, na sede da Força Tática do 37º Batalhão, um telefone celular e uma réplica de arma de fogo.
O celular e a arma falsa foram localizados em 8/01/13, durante as operações da Corregedoria da PM motivadas pela chacina do Jardim Rosana. Rodrigues disse que havia “achado” os objetos “jogados na rua” duas semanas antes da apreensão.
A réplica de arma estava dentro de uma mochila azul que, segundo próprio soldado Rodrigues, era usada por ele quando fazia seu trabalho de patrulhamento na região do Campo Limpo, onde fica o Jardim Rosana.
“Tenho para mim que os bens eram de Rodrigues há tempos e que o simulacro [réplica de arma de fogo] tinha a finalidade de ser intrujado [plantado] de uma ocorrência [policial]”, afirmou à Justiça Militar um dos integrantes da Corregedoria da PM.
Após a condenação, Rodrigues recorreu e foi absolvido da condenação pela posse do material irregular que mantinha escondido em seu armário.
FÁBIO RUIZ FERREIRA – Ao saber que as armas da PM em poder dos militares investigados sob a suspeita de participação na chacina do Jardim Rosana, o soldado Ruiz apresentou o boletim de ocorrência nº 236/2013, feito em 9/01/13 (cinco dias após as mortes), no 37º DP (Campo Limpo). No documento, o PM alegou que sua pistola .40 (nº série SAY15729) e seu rádio Nextel haviam sido roubados por ladrões.
No 37º DP, Ruiz contou ter sido rendido pelos ladrões quando descia de seu carro. Já no DHPP (departamento de homicídios), o militar apresentou a versão de que arma e rádio foram levados por criminosos que o atacaram nos fundos de sua casa.
Os depoimentos de testemunhas também comprovaram que o PM Ruiz, mesmo em dia de folga, foi ao local da chacina. Ele estava acompanhado de seu irmão.
Uma operação de busca e apreensão na casa de Ruiz encontrou, sob a mesa da cozinha, três toucas ninjas, exatamente como as descritas pelos sobreviventes do atentado como usadas pelos assassinos, e placas de carros e de uma motocicleta, todas sem registro, conhecidas no mundo do crime como “placas frias”.
Fundamentação do juiz Anderson Filho para absolver Ruiz:
Ocorre que estes dados não têm aptidão de indicar indícios suficientes de sua autoria nos crimes ora tratados, conquanto tenham sido indícios que embasaram o recebimento da denúncia, para que o Ministério Público pudesse provar os fatos alegados.
Com feito, não se pode estabelecer nexo de autoria ou participação do réu Fábio [Ruiz] nos crimes somente em razão da subtração de sua pistola e por terem sido localizadas três toucas do tipo ‘ninja’ em sua residência e placas de veículos.
O acusado esclareceu, tanto na fase policial quanto judicial, que no dia dos fatos, por volta de meia hora antes dos fatos, fora a uma pizzaria juntamente com seu irmão e por lá permanecera até cerca das 3h da manhã, quando então foi ao local dos fatos juntamente com seu irmão, que é do interior, para lhe mostrar uma cena de crime.
Sua permanência na pizzaria é confirmada tanto por seu irmão [nome preservado pela reportagem] quando pela dona da pizzaria [nome preservado], além do policial militar que lá o encontrou, Edmilson José de Lima.
Estas três testemunhas corroboram a versão prestada pelo acusado que, enquanto estavam na pizzaria, desde antes até bem depois dos fatos, policiais militares passaram pelo estabelecimento comercial e, visualizando o réu, informaram-no acerca do ocorrido, o que despertou curiosidade em [irmão do PM], razão pela qual se dirigiram para lá, somente por volta das 3h da manhã.
Corroborando tal fato, conforme alegado pela defesa em memoriais, depreende-se da planilha de fls. 633 que o sinal de telefone de Fábio Ruiz foi captado pelas antenas SP677SP.6771 e SP159SP.1593, localizada às ruas Melo Coutinho e Quipa, 190, respectivamente, conforme fls. 621 e 623.
Pelo mapa, conclui-se que tais localidades ficam próximas a “Pizzaria da Loira”, relativamente distante do local dos fatos.
Assim, impossível que o réu estivesse no local dos fatos no momento que ocorreram os disparos.
Outrossim, sua versão de que sua pistola fora subtraída se confirma com os depoimentos prestados por suas vizinhas [três nomes preservados pela reportagem], que depuseram em juízo no sentido de que, no dia 9 de janeiro de 2013, ouviram gritos de indivíduos na casa do réu, inclusive que havia ‘sujado’, pois descobriram que ele era policial. [Uma das três vizinhas] complementa que viu dois dos roubadores.
Desse modo, não como estabelecer qualquer ligação entre o roubo de sua pistola e os fatos tratados nos autos.
Quanto aos objetos localizados em sua residência, toucas do tipo ‘ninja’, milhares são as pessoas por toda a parte do mundo que as têm e nem por isso são réus em processos criminais, até porque o acusado ofereceu uma boa justificativa para tal, ou seja, porque usava em dias frios quando conduzia motocicleta (e, de fato, é habilitado para conduzir motocicleta), o que em nada traz suspeita a seu desfavor, inclusive porque foram localizadas juntamente com luvas de frio e jaqueta, equipamento completo para motociclistas.
Finalmente, com relação às ‘placas frias’ localizadas em sua residência, de fato deveria tê-las entregue à autoridade policial quando as localizou, conforme relatou, o que é prudente a civis e ainda mais para policiais militares, contudo que em nada traz, novamente, suspeitas a seu desfavor, haja vista, inclusive, que as placas dos veículos utilizados na chacina não foram visualizadas por quem quer que seja.
ADRIANO MARCELO DO AMARAL – O sargento Amaral estava no carro da PM nº 37033, filmado por câmeras de segurança na área do Bar do Rob, minutos após o atentado. Ele era o chefe da equipe.
A perícia realizada no tablet de monitoramento do carro 37033, da Força Tática do 37º Batalhão, mostrou que o aparelho parou de funcionar às 22:43:35 de 4/01/13, quando estava na rua Silvia de Faria Marcondes, no Parque Fernanda, distante apenas 3,5 quilômetros da rua Reverendo Peixoto da Silva, onde fica o Bar do Rob. O trajeto entre uma rua e outra pode ser feito em apenas 12 minutos. O tablet só foi religado às 23:37:38, quando o carro 37033 já estava no local da chacina havia pelo menos 18 minutos.
A Corregedoria da Polícia Militar informou ao DHPP que o tablet só ficaria inoperante durante um período como os 54 minutos do carro 37033 da PM se fosse manipulado de maneira indevida.
As imagens de câmeras de segurança no Jardim Rosana também mostraram, minutos após a chacina, que o carro 37033 da PM fez o mesmo trajeto que o comboio da morte, formado pelos 14 encapuzados que estavam no Monza, na Spacefox, no Agile e no Gol.
Primeiro, as imagens mostraram os quatro carros na direção do Bar do Rob. Na sequência, os veículos voltaram no sentido oposto e, instantes depois, passou o carro 37033 da PM. Os militares iniciam uma abordagem contra um veículo, mas a abortaram e seguiram para o local dos assassinatos.
Ao menos dois dos quatro veículos do comboio da morte cruzaram com o carro 37033 da PM, segundo a investigação. Em um deles estava um homem que aparentava usar farda da Polícia Militar e ostentava, no braço direito, visto para fora da janela, “braçal” _identificação, de couro, que mostra a unidade de um policial.
PATRÍCIA SILVA SANTOS – A cabo Patrícia era a motorista do carro nº 37033 da PM. Única policial presente na cena do crime no Jardim Rosana naquela noite de 4/01/13, a policial conversou, via telefone celular, com o soldado Gilberto Eric Rodrigues, à meia-noite, ou seja, apenas 40 minutos após os tiros no bar. A conversa durou 82. De acordo com a cabo Patrícia, ela e o soldado Rodrigues trataram sobre a locação de um imóvel de sua família para ele.
Testemunhas também reconheceram a cabo Patrícia como a militar que recolher estojos de escopeta “mata elefante” calibre 12, deflagrados dentro do Bar do Rob, ainda antes da chegada da perícia, e os escondeu nos bolsos de sua farda.
CARLOS ALBERTO ALVAREZ – Soldado, ele era o terceiro integrante da equipe a bordo do carro nº 37033 da PM, na noite da chacina.
Fundamentação do juiz Anderson Filho para absolver Patrícia Santos, Adriano do Amaral e Carlos Alvarez:
Inicialmente, cumpre ressaltar que o desligamento ou não do sistema do tablet da viatura apenas prova que, se realmente o tivessem desligado, cometeram infrações disciplinares e que estiveram no local dos fatos, o que seria um ponto de partida para o descobrimento de seus envolvimentos efetivos, seja como autores ou partícipes.
Pois bem, a partir da ‘sombra’ de localização, constatada pela Polícia Militar, pairou suspeitas acerca do envolvimento dos três réus.
Entretanto, o Ministério Público pretende sejam os réus pronunciados como partícipes em função de não terem abordado autores efetivos do crime, o que, a princípio, sequer configura participação.
Isso porque, conforme narrado, eles teriam participado do delito, aderindo à sua conduta com auxílio material após os efetivos autores já finalizarem as execuções dos crimes.
Ora, como é cediço, a participação é prévia à execução total do delito, de modo que o agente, sem praticar o núcleo tipo penal, contribui de alguma maneira para que ele ocorra, de forma que a participação, pois, é prévia e/ou concomitante à execução.
Impossível, pois, imputá-los participação. O fato de não abordarem os autores do delito pode configurar, por outro lado, prevaricação, disposta no artigo 319 do Código Penal, pois como agentes policiais têm o dever de prender em flagrante delito quem se encontra em tal situação.
ANDERSON FRANCISCO SIQUEIRA – O soldado era um dos armeiros do 37º Batalhão. Na noite da chacina (4/01/13), Siqueira não estava de plantão, mas trocou a escala com outro PM para trabalhar na Reserva de Armas.
Uma escopeta calibre 12, número de série 121506, não retirada oficialmente (com registros) da Reserva de Armas do 37º Batalhão desde maio de 2012 foi apreendida e a perícia encontrou vestígios de sangue humano em sua coronha, bem como resultado positivo para disparos recentes. DJ Lah também foi baleado por uma “mata elefante”, assim como foi agredido no rosto com uma coronhada.
Confrontado com a informação de que a escopeta havia sido usada recentemente, antes de sua apreensão pelos investigadores da chacina, o soldado Siqueira disse que “alguém poderia ter entrado na reserva de armas do batalhão, retirado e devolvido a espingarda sem seu conhecimento”. Sobre a troca do plantão, o PM disse ter ocorrido por escolha do policial substituído por ele naquele dia.
A câmera de segurança apontada para a Reserva de Armas do 37º Batalhão, segundo o chefe do setor à época, tenente Carlos Roberto Santos, não funcionava.
Fundamentação da juíza Carla Ferrari para não aceitar a denúncia da promotoria contra Siqueira:
No que diz respeito a Anderson [Siqueira], os únicos elementos constantes dos autos que poderiam liga-lo ao crime aqui investigado são o fato de ele ser o armeiro que estava de plantão no dia dos fatos, apesar de não ter sido escalado originalmente. Com efeito, há indícios de que uma das armas de calibre 12 do batalhão [37º] tenha sido utilizada no dia dos fatos, porque realizado exame pericial em tal arma, constatou-se que havia sido disparada recentemente, bem como a existência de substância hematóide no cabo de tal arma.
Algumas testemunhas ouvidas relataram que um dos executores, após efetuar disparos contra a vítima Laércio [DJ Lah], agrediu-o no rosto com o cabo de uma arma calibre 12. No entanto, não foi sequer requisitado exame de DNA para que se pudesse aferir com certeza que o sangue existente na arma era de fato da vítima em questão.
Afora tal aspecto, os autos noticiam que a arma em questão não era dada em carga formal desde maio de 2012, ou seja, se de fato tal arma foi utilizada nos fatos, deixou e retornou ao batalhão de forma irregular, não havendo qualquer notícia sobre quando a retirada e a devolução possam ter ocorrido. Vale dizer: não há qualquer certeza ou mesmo indício concreto de que a retirada e/ou devolução da arma deu-se durante a vigência do plantão de Anderson [Siqueira].
Como não havia carga regular, todos os armeiros do batalhão poderiam ser considerados suspeitos de participação no crime, sendo insuficiente a existência de troca de plantão para que a acusação recaia apenas contra um deles, o indiciado Anderson.
Não há notícias nos autos sobre a prática de troca de plantão ser rara ao ponto de levantar suspeitas por ter sido realizada naquele dia. O armeiro que teria trocado o plantão não foi ouvido para que se buscasse confirmar ou rechaçar as afirmações feitas por Anderson, que ofertou justificativa plausível para a troca de plantão (para evitar plantão no Ano Novo).
ANTÔNIO LUIZ RIBEIRO MUNDURUCA – O rastreamento das ERBs (estações de rádio base, as torres de transmissão de sinal de telefonia móvel) colocou o sargento Munduruca na região do Campo Limpo, onde fica o Jardim Rosana, na noite da chacina, apesar de ele ter informado à investigação que não estava naquela região da zona sul de São Paulo na noite de 4/01/13.
O sargento estava em férias na Polícia Militar desde o dia 1/01/13 e afirmou, em um primeiro depoimento ao DHPP, que no dia 4/01 estava no litoral paulista, mas a ERB apontou que, às 22h44, seu telefone celular estava no Campo Limpo, região da chacina.
Confrontado com as contradições, o sargento Munduruca afirmou “sofrer com problemas de memória” e ter se confundido com as datas. Ele passou a dizer que esteve no Campo Limpo para pegar as chaves do apartamento onde passaria as férias e, em 4/01/13, aproveitou para ir até a sede da 5ª Companhia do 37º Batalhão da PM “para arrumar seu armário”.
ANTÔNIO MARCHETTI JÚNIOR – Interrogado pelo DHPP, o soldado Marchetti afirmou também não estar na região do Campo Limpo na noite da chacina, mas a ERB apontou a utilização do seu telefone celular no bairro. Duas ligações de Marchetti foram para o soldado Gilberto Eric Rodrigues, às 20h24 e às 21h18, duas horas antes da chacina.
Marchetti justificou as ligações para o soldado Rodrigues ao dizer que o convidara para saírem juntos, mas que desistiu após perceber que ele, seu amigo há quatro anos, desde os tempos da Escola de Formação de Soldados, estava alcoolizado. Em razão de uma fratura na mão direita, Marchetti também estava afastado da PM em 4/01/13. Ele voltara ao trabalho em 12/01/13.
Fundamentação da juíza Carla Ferrari para não aceitar a denúncia da promotoria contra Antonio Munduruca e Antônio Marchetti:
Quanto a Antonio Munduruca e Antônio Marchetti, o único elemento constante dos autos que os ligam ao crime é a existência de ligações efetuadas por eles que utilizaram as ERBs da região no dia dos fatos, muito embora eles neguem que estivessem no bairro.
Ambos são acusados pelo Ministério Público de serem autores dos disparos. Mas, o fato de haver constatação de que estiveram na região no dia dos fatos não é suficiente para lhes atribuir a autoria dos disparos. Não se pode estabelecer nexo direto entre a presença física deles no bairro naquele dia e a autoria delitiva. Trata-se de mera suposição, que não encontra respaldo em qualquer outra prova produzida durante o inquérito policial. Mais uma vez, cabe aqui a afirmação de que a prova compete à acusação, não sendo viável utilizar-se a negativa dos indiciados como elemento probatório em desfavor deles.
LUIS PAULO UCHOAS UNGUR – Motorista do carro da PM nº 37510, o soldado Ungur apontado como testemunhas como um dos militares da 5ª Companhia do 37º Batalhão que alterou a cena da chacina no Jardim Rosana. Ele foi visto quando recolhia estojos e projéteis usados pelos encapuzados e repassava o material para o capitão Sandro Andrey Alves, chefe de todos os PMs acusados de ligação com as mortes na noite de 4/01/13.
Fundamentação do juiz Anderson Filho para absolver Ungur:
Denunciado por crime conexo, fraude processual, não foi reconhecido em juízo por qualquer das testemunhas presenciais que, durante a investigação, tinham-no feito.
Ora, além de não haver indício algum de autoria produzido em juízo em relação ao acusado, assim como aos demais, uma testemunha que estava no local dos fatos diverge do quanto narrado na denúncia.
SANDRO ANDREY ALVES – O capitão Sandro Andrey foi apontado pelas testemunhas da chacina como quem recebeu os projéteis e estojos recolhidos por seus subordinados no Bar do Rob e no beco-escadão. Identificadas como testemunhas nº 627 e nº 616 (cujos dados pessoais foram preservados pela polícia), duas pessoas reconheceram pessoalmente o capitão Andrey como quem recebeu o material retirado da cena do crime, ainda nas proximidades do bar.
A Spacefox preta investigada como veículo que apavorava os moradores do Jardim Rosana desde novembro de 2012 foi encontrada, 25 dias após a chacina, na rua da casa do oficial da PM, segundo os registros do Sistema de Recursos Humanos da Polícia Militar do Estado de São Paulo.
Fundamentação da juíza Carla Ferrari para não aceitar a denúncia da promotoria contra o capitão Sandro Andrey:
Com relação a Sandro Andrey, temos que ele foi reconhecido com dúvidas por testemunha presencial como sendo o policial militar que teria recebido as cápsulas recolhidas por outros policiais militares.
A descrição física dada pela testemunha ao ser ouvida não confere com as características físicas do indiciado Sandro. Assim, não há elementos suficientes nos autos que permitam o acolhimento da acusação inicial contra referido investigado.
Oficial foi expulso da PM, mas não pela chacina
O capitão Sandro Andrey foi expulso da Polícia Militar de São Paulo, em 18 de março de 2015, quando foi considerado “indigno para o oficialato e com ele incompatível”. Mas a demissão não teve nenhuma relação com a conduta do oficial ou de seus subordinados durante a chacina do Jardim Rosana.
A demissão do capitão aconteceu porque, em 2010 e 2011, ele mobilizou policiais militares da 4ª Companhia do 37º Batalhão que eram comandados por ele para realizar trabalhos de pintura, limpeza, montagem de móveis e até para realizar uma mudança do oficial, tudo durante o expediente dos subordinados e também do próprio capitão.
Motivação da chacina
Quase dois meses antes da chacina no Bar do Rob, alguns policiais militares do 37º Batalhão aproveitavam rondas e blitze na região do Campo Limpo, onde fica o Jardim Rosana, para levar o terror aos moradores por meio de recados macabros. “Vocês não têm medo da moto preta e do carro preto passar aqui e pegar vocês? Quando vierem, o carro preto e a moto preta vão arregaçar tudo. Daí ninguém vai filmar mais (SIC)”, era um dos avisos dos militares.
Espalhar o pânico com o “daí ninguém vai filmar mais” foi o início das retaliações promovidas por policiais militares contra o vídeo gravado por um morador da rua do Bar do Rob, em 10 de novembro de 2012. As imagens levantaram suspeitas de que o pedreiro Paulo Barbosa do Nascimento havia sido executado durante uma ação de quatro PMs do 37º Batalhão no Jardim Rosana.
No vídeo foi possível ver o pedreiro ser tirado à força de uma casa, agredido e, pouco antes de se ouvir um disparo, um policial militar aparecia se preparando para disparar a arma. Nascimento era suspeito de participar de um roubo e as imagens gravadas pelo morador da rua em ferradura foram veiculadas no programa “Fantástico”, da TV Globo.
Após a veiculação do vídeo, os PMs Halston Kay Tin Chen, Marcelo de Oliveira Silva, Jailson Pimentel de Almeida e Francisco Anderson Henrique foram presos. Levados a júri, todos foram absolvidos, em 22/08/14, da acusação de homicídio contra o pedreiro Nascimento.
Júri absolve 4 PMs acusados de executar pedreiro em SP
PM e Segurança Pública não viabilizam entrevistas com PMs
A reportagem solicitou ao secretário a Segurança Pública da gestão de Geraldo Alckmin, Alexandre de Moraes, e ao comandante-geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, coronel Ricardo Gambaroni, que suas assessorias de imprensa viabilizassem entrevistas com os PMs Fábio Ruiz Ferreira, Patricia Silva Santos, Carlos Roberto Alvarez, Adriano Marcelo do Amaral, Luis Paulo Uchoas Ungur, Anderson Francisco Siqueira, Antonio Marchetti Junior e Antonio Luis Ribeiro Munduruca, todos indiciados pelas mortes no Jardim Rosana.
Tanto a assessoria de imprensa da Segurança Pública quando a da Polícia Militar não viabilizaram os contatos com os militares.
Segurança Pública e Polícia Militar também deixaram de responder à reportagem onde estão trabalhando atualmente cada um dos PMs envolvidos na chacina do Jardim Rosana.
A assessoria da Segurança Pública enviou nota oficial sobre o caso:
“O DHPP [Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa, da Polícia Civil] relatou o inquérito à Justiça em março de 2013, com indiciamento de oito policiais militares e prisão preventiva decretada de um deles. Cinco policiais estão afastados das atividades operacionais até o fim do julgamento da Justiça Militar e um foi demitido por conta de outro inquérito. Os outros dois policiais passaram por averiguação administrativa e não foi encontrada nenhuma prova de participação deles, mas que pode ser reaberta de acordo com o julgamento do caso.”
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