Restrição para ações policiais em favelas poupou 300 vidas no RJ, aponta estudo

    Levantamento realizado pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos, da Universidade Federal Fluminense, indica que decisão do STF contribuiu para redução da letalidade policial em 34%

    PMs do Rio de Janeiro durante operação policial | Foto: Divulgação/PMERJ

    Com as operações policiais em favelas do Rio de Janeiro reduzidas após uma ação do Supremo Tribunal Federal (STF) restringir a entrada de tropas em comunidades apenas para casos excepcionais, a quantidade de mortos por intervenção policial no estado caiu 34% no comparativo entre 2020 e 2019.

    Segundo relatório assinado pelo Geni (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos) da Universidade Federal Fluminense, que teve como base dados produzidos pelo Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro, órgão oficial do estado, e também informações tabuladas pelo próprio Geni, em todo ano passado foram efetuadas 320 operações policiais, que resultaram em 1.087 mortos ante 1.643 homicídios praticados pelas forças policiais em 2019 durante 785 operações em 2019. “Seguindo a diferença entre o que teríamos de mortos em 2020, se a tendência histórica se mantivesse (1.375 casos), foram poupadas 288 vidas”, explicou o professor de sociologia e coordenador do Geni, Daniel Hirata, um dos acadêmicos que participou da produção do documento. A curva a que ele se refere tem como base os últimos 14 anos.

    De acordo com o relatório, tal redução só foi possível em razão da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 635, assinada pelo ministro Edson Fachin e chancelada pelo plenário do STF, que restringiu, em junho passado, o ingresso das forças policiais em comunidades apenas em casos excepcionais.

    Em entrevista à Ponte Hirata fez questão de demonstrar o quão benéfica foi a liminar. “É importante pensar o contexto que essa decisão foi realizada. No ano passado nós tivemos no início do ano um número muito grande de operações com mortes, tivemos o caso João Pedro. De alguma maneira sensibilizou os ministros, sobretudo nesse período da pandemia”.

    A ADPF 365 buscava, primeiramente, suspender ações no entorno de escolas, no entanto, com o recrudescimento de operações em favelas no período de pandemia, o STF decidiu aumentar a abrangência das incursões para toda a região das comunidades. A ação de Fachin se deu após a morte do adolescente João Pedro Matos Pinto, 14 anos, morto com um tiro na barriga após uma operação conjunta da Polícia Federal e da Polícia Civil no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, em maio. Sensibilizado, o ministro chegou a dizer “nada justifica que uma criança de 14 anos de idade seja alvejada mais de 70 vezes”.

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    O estudo do Geni aponta que, enquanto a decisão do ministro foi respeitada, segundo o relatório, entre junho a setembro, a média mensal de vítimas foi de 37,5 (18 mortes em junho, 46 em julho, 43 em agosto e setembro), número inferior à media mensal de todo 2020, de 90,1 mortes por intervenção policial, sendo janeiro de 2021 o mês com mais mortes (138). A quantidade também foi a menor para o mesmo período (junho a setembro) entre 2007 e 2020.

    “Teve uma diminuição na quantidade de operações, mas as ações continuaram muito letais”, explicou Hirata, ressaltando que a quantidade de pessoas mortas durante incursões está longe do aceitável.

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    Se a situação já não era das melhores, a partir de outubro “a violação sistemática da decisão do ministro Edson Fachin fez com que a quantidade de operações aumentasse e a curva da letalidade policial voltasse a subir”, diz trecho do documento. O indicativo é de que de outubro até o fim de janeiro deste ano a média de mortes foi de 107, superando médias dos últimos 14 anos. Somente em outubro foram 125 mortes, seguidas de 73 em novembro, 71 em dezembro e 131 em janeiro deste ano.

    Tal crescimento ligou o sinal de alerta na equipe do Geni, que entende que novos mecanismos precisam se juntar a liminar do STF, para que a quantidade de mortos volte a cair. “Tem um fluxo que foi determinado pelo STF de que as forças precisam comunicar o Ministério Público, e a Promotoria arbitra sobre isso. Isso parece que foi razoavelmente respeitado nos primeiros quatro meses, depois de outubro houve um aumento das operações e da letalidade policial. O controle externo do Ministério Público não está sendo feito da maneira que a gente gostaria. O MP não está agindo na altura das suas atribuições”, pontuou.

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    Agora, o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos espera que a audiência pública para debater um plano para redução da letalidade policial a ser realizada entre os dias 16 e 19 de abril sirva para contribuir com a ADPF 365. “Frente ao aumento das mortes produzidas pelas operações policiais, o governador Cláudio Castro (PSC) enviou um plano de segurança no final de 2020 que nem menciona a questão da letalidade policial. Parece, então, que a audiência pública convocada pelo STF passa a ser o horizonte mais próximo para o enfrentamento da violência de estado, particularmente aquele relacionado as ações policiais”, completou Daniel Hirata.

    Outros números

    No levantamento realizado pelo Geni também foi possível comparar a quantidade de incursões policiais na região metropolitana do Rio de Janeiro. Segundo o relatório, junho, primeiro mês de vigência da liminar do STF, foram registradas 14 operações. Até setembro, a média mensal era de 18 operações. Em todo ano passado a média mensal de operações armadas chegou ao patamar de 27 incursões ante 70 de média mensal histórica entre 2007 e 2020.

    Já entre outubro do ano passado e fevereiro deste ano a média mensal saltou para 35 operações. Somente em janeiro foram 49 incursões.

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    Por fim o estudo ainda revela que “a restrição às operações policiais estabelecida pela ADPF das Favelas não implicou o aumento das ocorrências, apesar de alegações de que a redução das incursões impediria a polícia de combater a criminalidade”. Tal conclusão foi possível após o estudo apontar que houve queda de 39% dos crimes contra o patrimônio (roubos de veículo, de carga, a transeuntes, em coletivo e de aparelho celular) na comparação com 2019. Houve ainda declínio de 24% dos crimes contra a vida, como homicídio doloso, latrocínio e lesão corporal seguida de morte, além de morte por intervenção de agente do Estado.

    A reportagem pporcurou o comando da polícia do Rio de Janeiro e p Ministério Público do estado e aguarda retorno.

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