Sarau relembra violência de 13 de junho de 2013 para que a história não se repita

    Fotógrafo Sérgio Silva lançou segunda edição do livro que conta a história de como foi cegado pelo Estado; ato teve presença de Deborah Fabri, também cegada pela PM

    Deborah Fabri foi atingida pela PM em 2016 na mesma esquina em que Sérgio Silva foi cegado, três anos antes | Foto: Arthur Stabile/Ponte

    “Bala de borracha cega, mas não cala!”. Com esse salve, a poeta Luiza Romão conduziu o ato manifesto realizado nesta quarta-feira (13/6), na esquina das ruas Maria Antônia e Consolação, no centro de São Paulo. Há exatos 5 anos, o fotógrafo Sérgio Silva foi atingido no olho esquerdo por uma bala de borracha disparada pela PM para dispersar as manifestações contra o aumento da tarifa do transporte público.

    Sérgio ficou cego. Mas ele não foi o único a ser agredido naquela noite e em outras oportunidades de forma muito semelhante. Foi também no mesmo endereço, só que anos mais tarde, em 31 de agosto de 2016, que a estudante Deborah Fabri perdeu a visão depois de ser atingida no rosto por uma bomba de efeito moral, lançada pela PM em protesto contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff.

    Sérgio homenageia a poeta Luiza Romão e a filha dele, Lilith | Foto: Arthur Stabile/Ponte

    “A gente está aqui hoje para não deixar mais isso acontecer. Essa é a primeira vez que venho nesse local depois desse tempo. Diante de uma tragédia, os fascistas cantam vitória. Mas essa é a maior fraqueza deles, porque eles esquecem que é daí que nasce o grande militante”, disse Deborah, emocionada, ao microfone. “Eu quero que todas as lágrimas, as balas de borracha e as bombas se transformem em força e coragem. Eu acho muito importante a gente ocupar esse lugar de novo para ressignificar isso tudo. Uma rua de tragédia virando uma rua de força, união e coragem. É isso que importa”, concluiu.

    Capa da segunda edição do livro Memória Ocular | Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo

    O fotógrafo Sérgio Silva contou um pouco sobre Memória Ocular, livro escrito em parceria com o jornalista Tadeu Breda, que teve a segunda edição lançada na noite desta quarta-feira. “Aquele tiro, todo mundo que estava aqui sabe, não foi disparado contra a minha pessoa especificamente. Foi contra a liberdade de expressão, foi contra a imprensa, foi contra qualquer pessoa que se manifesta por direitos nesse país e nesse Estado fascista de São Paulo”, disse Sérgio, antes de fazer um agradecimento especial ao professor Severino Honorato, que socorreu o fotógrafo há 5 anos. “Mais simbólico do que um fotógrafo levar um tiro no olho é um professor, no meio de uma multidão, ouvir o grito de dor e desespero e ir pra lá pra socorrer. O Severino é a essência que é ser um professor”, afirmou Sérgio ao abraçar o amigo.

    Além de ter transformado a dor em resistência, Sérgio Silva travou uma batalha com a Justiça em busca de reparação. Contudo, teve o pedido de indenização ao Estado negado em duas instâncias.

    Sérgio ao lado do professor Severino, que o acudiu na noite de 13 de junho | Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo

    Severino estava com um grupo de alunos da Escola Reverendo Jacques, do Jardim São Luis, zona sul de São Paulo, carregando uma faixa em homenagem ao fotógrafo. “Eu faria de novo o que fiz aquele dia. Depois você se prontificou a ir até a escola, contar sua história aos alunos. Hoje você enxerga muito mais do que antes do dia 13 de junho de 2013, nós somos também seus olhos”, afirmou o professor.

    Sérgio acolhe Deborah Fabri | Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo

    Enquanto os discursos aconteciam, na esquina oposta projeções em um dos prédios traziam trechos de poemas, recortes de jornais Estado e Folha de S.Paulo da época, que chegaram a enaltecer a repressão policial, frases que fazem alusão a história do Sérgio e de outras violações perpetradas pelo Estado. “É possível encontrar humanidade em tudo, exceto nos cataclismas, nas leoas famintas e nos homens fardados”, dizia um dos poemas de autoria de Luiza Romão projetados na parede de um edifício.

    Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo

    No chão, uma roda aberta convidava quem quisesse a dizer palavras de esperança ou indignação, recitar uma poesia, como fizeram Luiza Romão e a atriz Roberta Estrela D’Alva, entre outras mulheres, ou cantar uma canção, como fez Chico César. A proposta passava por um exercício de liberdade de manifestação usando a arte para ressignificar aquele espaço e aquela história. “É uma tentativa também de elaborar tudo que acontece pela arte. Os discursos políticos mais tradicionais engessam um tanto. Quando você consegue disputar esse imaginário pela poesia, pelo verso, pela música, você consegue não só ir pelo racional, mas pelo sensível”, explica Luiza, poeta e companheira de Sérgio Silva.

    Para ela, é fundamental o exercício de manter viva a memória, por mais dolorida que seja. “Como eu comecei falando, é bem aquele texto do Eduardo Galeano que ele compara a felicidade perfeita com uma não memoria. De fato, cada vez mais se tenta apagar esses vestígios, apagar a barbárie, apagar qualquer tipo de passado, porque o passado faz a gente não só entender o presente como projetar possibilidades diferentes de futuro. Nesse sentido, acho que a importância do ato de hoje é rememorar, mostrar como isso persiste, persiste como marca física, persiste nesse Estado que está ficando cada vez mais violento e truculento, nessa polícia que cada vez mais se especializa em ser violenta e tendo esse genocídio cada vez mais autorizado”, afirma.

    Marielle, presente!, gritaram todos | Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo

    Nos momentos finais, a morte de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, que, na última terça-feira (12/6), completou 90 dias sem qualquer reposta do Estado, foi lembrada. Vestindo uma camiseta com o rosto de vereadora, Sérgio Silva lembrou que tem bala que derruba para sempre. “Vamos lembrar que faz 90 dias que não se sabe quem matou e quem mandou matar a Marielle”, disse, convidando todos a lerem um poema que falava de uma mulher negra, favelada, que vinha fazer a revolução. Em coro, todos os presentes gritaram “Marielle, presente!”.

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