Secretário de Segurança Pública, João Camilo Pires de Campos, elogiou PMs e disse que moto usada por Rogério Ferreira era “fruto de roubo”, mas veículo pertence a amigo
O secretário da Segurança Pública de São Paulo, general João Camilo Pires de Campos, mentiu ao dizer que era “fruto de roubo” a moto usada por Rogério Ferreira da Silva Júnior. No domingo (9/8), o jovem negro morreu baleado nas costas por um PM.
A declaração do general Campos foi dada um dia após o crime, em coletiva de imprensa no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo de João Doria (PSDB).
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“Também é trágico [o episódio]. Temos que considerar a tensão policial numa perseguição de uma motocicleta que tudo indicava que estaria como fruto de um roubo. O episódio teve o desfecho que teve”, declarou o secretário, conforme vídeo da coletiva publicado no Twitter pelo repórter Leonardo Martins, da Rádio Jovem Pan.
No entanto, o secretário mentiu. A moto usada por Rogério é de posse de um amigo, que o emprestou para dar uma volta pelo Parque Bristol, bairro onde morava na zona sul de São Paulo.
A Ponte conversou com o dono da moto, que pediu para não ser identificado. “Emprestei minha moto e fiquei com o carro dele”, conta o homem.
Uma rápida pesquisa no site do Detran (Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo) aponta que a moto, modelo Honda GC 160, está devidamente regularizada. Não consta nenhum registro de furto ou roubo no sistema.
A moto ainda está com documentos devidamente regularizados, como Renavam e licenciamento de 2020 em dia. Consta atraso no IPVA (Imposto sobre Propriedades de Veículos Automotores), no valor de R$ 278,21.
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Roseane da Silva Ribeiro, mãe de Rogério, desabafou à Ponte sobre o que considerou uma tentativa do Estado em criminalizar seu filho. “Jamais a moto era roubada! É do amigo dele, comprada, paga, em dia. Sem multa”, diz. “É horrível, uma vergonha. Matam e querem chamar de bandido”, conta.
Algumas horas antes do assassinato do filho, Roseane publicou uma foto dos dois nas redes sociais com a mensagem: “Que o senhor Jesus derrame bênçãos sobre ti. Saúde paz e felicidades meu filho”.
Segundo Raphael Leal de Oliveira, primo de Rogério, ele pegou a moto para dar uma volta até o Savério, bairro vizinho. Enquanto isso, o amigo ficou com a chave do carro do jovem morto pela PM. “Costumamos fazer isso”, diz.
“Estávamos em uma adega nova. Estava dando um peão de boa”, lembra o primo, colorista de 24 anos. Ele explica que a única infração cometida por Rogério foi não usar capacete enquanto dirigia a moto.
“Na quebrada, geral fica andando de moto sem capacete, não é só ele. Um típico domingo numa quebrada. Se fosse querer matar por estar sem capacete, ia morrer muita gente”, desabafa.
Na segunda-feira, Raphael esteve no Parque Bristol em protesto cobrando respostas do Estado pela morte de Rogério. Ao chegar no local, recebeu um enquadro da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), tropa mais letal da PM paulista.
De dentro da viatura, o PM apontou uma pistola para sua cabeça e questionou se o veículo era roubado. Depois de saber o motivo de sua ida ao local, desejou “sentimentos” à família.
Raphael se revoltou quando soube da fala do general João Camilo Pires de Campos. “Como a moto é roubada se ele [dono do veículo] está se apresentando?”, afirma, referindo-se ao depoimento dado pelo dono da moto ao DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) da Polícia Civil, responsável pela investigação.
Ainda durante a coletiva, Campos destacou que os PMs Guilherme Tadeu Figueiredo Giacomelli e Renan Conceição Fernandes Branco, responsáveis pela perseguição, são policiais “exemplares”.
Eles explicaram à Polícia Civil que o ato de Rogério, ao colocar a mão na cintura, seria um risco “iminente de agressão”. Giacomelli deu um único disparo, que atingiu o jovem negro nas costas. Resgatado, Rogério não resistiu ao ferimento.
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“Os dois policiais envolvidos… Excelentes policiais, cumpridores de todas as normas, todas as regras, e esperamos que eles possam ter a justificativas que podem ser plausíveis”, disse João Camilo Pires de Campos.
No primeiro semestre de 2020, policiais de São Paulo mataram 498 pessoas. É o maior número registrado entre janeiro e junho em 24 anos, desde que a Secretaria da Segurança Pública passou a disponibilizar esses dados oficialmente, em 1996.
O general Campos citou a abertura de investigações no DHPP, na Corregedoria da PM e no 46º Batalhão da PM, onde Giacomelli e Branco atuam. Contudo, o Boletim de Ocorrência sobre o caso já aponta que o caso foi de “legítima defesa”.
O delegado Ricardo Travassos da Silva, do DHPP, responsável pela apuração do crime na Polícia Civil, considerou plausível a versão dada pelos PMs que mataram Rogério. Segundo ele, a explicação condiz com legítima defesa, ainda que provas materiais indiquem que o jovem negro não estava armado, como cogitaram os dois PMs.
Travassos ainda inclui no documento da Polícia Civil fala do coronel Vinícius, identificado como comandante do 46º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano. Para Vinícius, chefe direto de Giacomelli e Branco, o crime também se enquadra em legítima defesa. O coronel é responsável pelo inquérito policial militar para apurar os detalhes da perseguição e da morte de Rogério.
Outro lado
A Ponte solicitou à Secretaria de Segurança Pública de São Paulo entrevista com o delegado Travassos, com o coronel Vinícius e com o secretário da Segurança Pública, general João Camilo Pires de Campos.
A SSP-SP enviou uma nota informando que dois ônibus foram incendiados e atribuiu a ação a “vândalos que se infiltraram em um ato realizado na região do Sacomã”. “O caso foi registrado pela Polícia Civil e está em investigação em inquérito policial pelo 83°DP. A perícia foi realizada no local e a equipe busca por imagens e testemunhas que possam auxiliar no esclarecimento de autoria”, diz a nota. No entanto, a pasta não respondeu aos pedidos de entrevista.
Depois da publicação da reportagem, a assessoria de imprensa da pasta procurou a Ponte relatando incômodo com relação ao título e enviou, nesta quarta-feira, a seguinte nota:
“A Secretaria da Segurança Pública repudia veementemente a abordagem equivocada e inverídica da Ponte Jornalismo a respeito da declaração do secretário João Camilo Pires de Campos, em reportagem publicada no último dia 11 de agosto. Diferentemente do que aponta a publicação, em nenhum momento, o secretário afirmou que o veículo em questão era roubado tampouco que seu condutor era infrator da Lei. Ao ser instado sobre o caso, durante uma entrevista coletiva no último dia 10, declarou que era preciso considerar a tensão policial numa perseguição a uma motocicleta que tudo indicava [dadas suas características] seria produto de roubo. Lamentamos que a declaração, apesar de clara, tenha sido tratada de forma tão descolada da realidade, induzindo os leitores ao erro”.
Reportagem atualizada às 19h36 do dia 12/8 para inclusão nova nota da SSP-SP
[…] a informação de que a moto havia sido comprada por seu sobrinho 0km e não era roubada, como sustentou o secretário da Segurança Pública de SP um dia após a morte de […]
[…] ‘é trágico’, mas que ‘tudo indicava que [a motocicleta] seria fruto de um roubo’ [3]. A moto, porém, era emprestada de um amigo da vítima [4]. A família e conhecidos de Rogério […]