Segurança de shopping quebra nariz de menino de 14 anos por escada rolante desligada

Vítima foi agredida no rosto após grupo de adolescentes correr de seguranças e um deles desligar duas escadas rolantes na terça-feira (28); Shopping Santana Parque acusou jovens de vandalismo, depois mudou tom e repudiou violência

Adolescente levou um soco no nariz pelo segurança Felipe Januário de Moura Coelho, na terça-feira (28) | Foto: arquivo pessoal

Um segurança agrediu um adolescente de 14 anos no estacionamento do Shopping Santana Parque, na zona norte da capital paulista, nesta terça-feira (28/6). Um vídeo gravado por uma testemunha mostra o menino ofegante se apoiando numa grade com o nariz sangrando na Rua Conselheiro Moreira de Barros, em frente à fachada do local.

Em um áudio encaminhado pela irmã dele à Ponte, Luis* conta que estava com um grupo de amigos no shopping e pararam em uma das lojas para conversar com um gerente conhecido deles. “A gente conversa com ele sempre, até que um amigo nosso soltou o dardo de [arma] de airsoft nele. Ele ficou bravo, a gente conversou com ele, ele se acalmou e a gente tinha resolvido”, relatou. “A gente estava subindo as escadas rolantes até que apareceu um monte de segurança atrás da gente e meus amigos começaram a correr e eu corri junto”, prosseguiu.

Segundo ele, um dos adolescentes, desse grupo de cerca de sete, desligou o as escadas rolantes do 1º e do 2º andares. “Quando a gente chegou no 3º andar, a gente saiu pelo estacionamento, lá por cima. Foi nessa hora que veio o segurança, eu esperei, ele veio e perguntou ‘quem desligou a escada rolante?’. Aí eu falei ‘não sei quem desligou'”, lembra. “Daí ele segurou no meu braço e começou a me bater. Ele me deu um soco e eu devolvi o soco para tentar me soltar e sair correndo, só que [quando] eu devolvi o soco ele me segurou, me derrubou no chão e começou a me encher de bicuda até que uma hora, não lembro se foi um soco ou uma bicuda que ele acertou na minha cara, eu apaguei”.

Paulo*, de 15 anos, que estava com Luis deu a mesma versão à reportagem e disse que não se aproximaram depois por medo de serem agredidos por outros seguranças. Só depois os adolescentes tiraram o menino do local.

A irmã de Luis afirma que no local os funcionários do shopping não prestaram nenhum tipo de assistência. “Só prestaram socorro quando a mãe de um dos meninos chegou e [disso] ‘como assim vocês não vão prestar socorro?'”, denuncia.

“Quem socorreu foi um rapaz que gravou, ele estava ali na hora, e o shopping só foi dar assistência quando a mãe de um dos meninos começou a gritar, daí veio um bombeiro que só deu um pano com gaze para enfiar no nariz, [dizendo] que estava tudo bem, mas só quando chegou no hospital foram constatadas as fraturas”, declarou a projetista Mariana Carvalho, 32, mãe de um dos adolescentes e que também foi ao local.

Quando os familiares de Luis chegaram ao shopping, a irmã conta que “os seguranças começaram a dizer que eles tinham roubado, batido em alguém, quebrado as lojas, cometido ato de vandalismo. Só que a minha mãe pediu as filmagens e eles se recusaram a dar, disseram que não iam mostrar e não queriam chamar a polícia, queriam fazer um acordo com meu irmão”.

Enquanto Luis tinha sido encaminhado para o Conjunto Hospitalar do Mandaqui, o irmão mais velho dele foi registrar o boletim de ocorrência após a Polícia Militar ter sido chamada e conduzido parentes e o segurança Felipe Januário de Moura Coelho, 27, ao 72º DP (Vila Penteado), que foi acompanhado de advogado.

Felipe relatou que é chefe de segurança do shopping e que “assumiu o plantão já sabendo que se encontravam cerca de dez menores de idade nas áreas internas do shopping fazendo diversas algazarras, correndo, falando alto, adentrando às lojas, importunando comerciantes das lojas, tendo sido inclusive acionado botão de pânico por parte de uma atendente” de uma das lojas. E que, por monitoramento interno, soube que “um dos menores atirou com uma arma de brinquedo da própria loja em um dos funcionários desta, sendo que inclusive os seguranças tiveram que apartar uma briga entre o funcionário atingido e os menores”. Depois, viu que os adolescentes subiram para os andares superiores e desligaram duas escadas rolantes.

O segurança afirma que quando o grupo foram para a saída, “em um bolsão destinado às motocicletas”, interpelou os meninos sobre os motivos de terem desligado as escadas rolantes. Segundo ele, um dos adolescentes se apresentou, assumindo que tinha desligado, e perguntou o que ele ia fazer, “chamando-o, em seguida de ‘arrombado’ e ‘bunda mole'”.

Neste momento, Felipe assume que segurou um dos braços do adolescente, mas alega que foi Luis que lhe agrediu com um soco primeiro e que machucou a parte interna da boca, quebrando um pedaço do seu dente e atingindo abaixo do olho esquerdo. E que, “para se defender”, revidou com um soco, que atingiu o nariz do adolescente. Ele ainda disse que “não é a primeira vez que estes menores aparecem e apresentam o mesmo comportamento nas dependências do shopping, mas que nas vezes anteriores sempre conseguiram orientá-los, sem chegar às vias de fato”.

O delegado Alexandre Marcondes Monteiro registrou o caso como lesão corporal e solicitou a realização de exames de corpo de delito no adolescente e no segurança. Como o menino não estava presente na hora do registro, ele ainda precisa representar formalmente em até seis meses para que uma investigação seja instaurada pela Polícia Civil.

A irmã cobrou nas redes sociais resposta por parte do shopping, cujo perfil passou a encaminhar a mesma nota para quem questionava ou comentava a postagem : “Lamentamos o desfecho do ocorrido, mas esclarecemos que o segurança foi agredido pelo grupo de adolescentes que praticava atos de vandalismo nas dependências do shopping. Reconhecemos que o profissional envolvido reagiu à agressão com excesso e foi imediatamente afastado de suas funções. Esse tipo de atitude não condiz com as orientações e boas práticas adotadas pelo Santana. Vamos, inclusive, reforçar este ponto em nossos treinamentos para evitar que tal fato se repita”.

Esse retorno e a versão do segurança revoltaram a família. “Não prestaram nenhuma assistência, só ligaram e insistiram que foi uma ação individual do segurança”, critica. “Nós todos estamos bem abalados, moramos próximo ao shopping, e tirando todo esse transtorno, nós também estamos com medo do que possa acontecer”.

Segundo ela, o menino passou por exames para verificar a gravidade da agressão no nariz. O Luis está bem abalado, passamos o dia inteiro no hospital para fazer as avaliações com os especialistas. Ele está com medo, é um adolescente tem suas questões, a gente sabe que adolescente apronta mesmo, mas ele não é marginal, não é nenhuma criança sem família, não é mal educada, a gente sabe que tem o fato de desligar a escada rolante e sair correndo pelo shopping, mas não justifica o que fizeram com ele. Eu estou revoltada”.

O ativista de direitos humanos Darlan Mendes também cobrou providências da administração do shopping. “Isso vem de muitos anos, nós viemos do movimento que cresceu dentro dos shoppings, com os rolezinhos, e acontece tortura todos os dias”, critica. “É vergonhoso e lamentável, é uma violência descabida e desproporcional porque um agente de segurança que deveria proteger espancou um menino de 14 anos, é uma criança que foi violada e vai levar as marcas dessa violência pro resto da vida dela”. Para ele, pela violência empregada, foi uma “tentativa de homicídio com omissão de socorro”.

Depois que Darlan também expôs o caso pelas redes sociais, o shopping mudou o tom da resposta nesta quinta-feira (30/6). O Santana Parque Shopping disse que “afastou imediatamente o segurança que se excedeu durante a atuação com um grupo de adolescentes” e que “repudia qualquer ato de violência e admite que nada justifica a agressão sofrida pelo menor envolvido”. A página ainda disse que “se solidarizou e ofereceu assistência devida”, embora a irmã do adolescente tenha negado à reportagem que o shopping tenha prestado assistência.

Notas do perfil do Shopping Santana Parque enviadas na quarta-feira (29) e na tarde desta quinta-feira (30) após questionamento do ativista Darlan Mendes | Fotos: reprodução/Instagram

Além disso, Darlan está organizando uma manifestação em frente ao shopping neste domingo (3/7) contra a violência praticada por seguranças contra jovens. Ele menciona o caso de Fabio Junio, 23, jovem negro com deficiência auditiva que foi agredido por seguranças do Shopping Iguatemi, em Ribeirão Preto, interior paulista, ao não ouvir o pedido para abaixar o volume do celular, em maio deste ano. “Muitas vezes, os jovens de calam porque têm medo, mas a gente tem que mostrar para isso virar número e ser tomada providência”, afirma.

O que diz o shopping

A Ponte questionou a assessoria da administração sobre o caso e recebeu a mesma nota já publicada pelo Santana Parque em suas redes sociais:

O Santana Parque Shopping esclarece que afastou imediatamente o segurança que se excedeu durante atuação com um grupo de adolescentes, na noite da última terça-feira. A administração repudia qualquer ato de violência e admite que nada justifica a agressão sofrida pelo menor envolvido. Em contato com a família do jovem, o shopping se solidarizou e ofereceu a assistência devida. O Santana vem à público reforçar seu pedido de desculpas ao menino e se compromete com a sociedade a concentrar todos os esforços para que atitudes como essa não voltem a acontecer. Esta abordagem não condiz de nenhuma forma com as orientações e boas práticas adotadas pelo shopping e será intensificada em todos os treinamentos de rotina para as equipes de segurança.

O que diz a empresa de segurança

A reportagem procurou o Grupo GPS, da qual a Unicacorp integra e é contratada pelo shopping para fazer a vigilância das dependências. A assessoria encaminhou a seguinte nota:

A Unicacorp lamenta a ocorrência no Santana Parque Shopping, em São Paulo, na noite da última terça-feira (28). Nosso profissional de segurança reagiu de maneira imprópria durante atuação junto a um grupo de adolescentes e foi afastado imediatamente de suas funções. Repudiamos qualquer ato de violência, pois nada justifica agressões. Estamos colaborando com a apuração dos fatos e apoiando a família. Não compactuamos com qualquer atitude violenta e reiteramos nosso compromisso com as boas práticas contidas nas nossas políticas.

O que diz a polícia

Procurada sobre a apuração do caso, a Secretaria da Segurança Pública encaminhou a seguinte nota:

A Polícia Civil, por meio do 38º Distrito Policial, informa que aguarda representação da vítima, uma vez que se trata de crime de ação penal pública condicionada, para instauração do inquérito policial. Paralelamente, as equipes da unidade realizam diligências em busca de imagens do local e testemunhas para auxiliarem no esclarecimento do fato.

*A identificação de crianças e adolescentes em situações de violência não é permitida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), por isso imagem foi ocultada e o nome trocado por fictício.

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