Sem itens de higiene fornecidos pelas visitas, presos veem risco de coronavírus aumentar

    Em cartas, detentos contam que faltam sabonetes e que estão sendo obrigados a compartilhar talheres, copo e toalhas; “estão fazendo tudo ao contrário do que o Ministério da Saúde orienta”, diz um preso

    Familiares denunciaram situação da Pemano no último dia 20/3 | Foto: Divulgação

    Presos do CPP (Centro de Progressão Penitenciária) Edgar Magalhães Noronha, conhecido como Pemano, em Tremembé, no interior de São Paulo, denunciam a falta de higienização e de produtos de limpeza no presídio, em cartas a que a Ponte teve acesso.

    Segundo os detentos, a situação se agravou desde o último dia 20, quando a Justiça suspendeu as visitas em todos os presídios do Estado, como tentativa de evitar a propagação do novo coronavírus no sistema prisional paulista. Por causa da suspensão das visitas, os presos não estão recebendo o “jumbo”, como são chamadas as sacolas contendo mantimentos e produtos de higiene e limpeza levados pelos parentes que visitam a população carcerária. Tradicionalmente, os jumbos cumprem a função de suprir a falta de produtos básicos que o Estado não fornece em quantidade suficiente.

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    A preocupação descrita pelos presos do Pemano em suas cartas é justamente a proliferação do Covid-19 em razão da falta de produtos para limpar as celas, corredores, pátios, refeitórios e ambulatórios.

    Nas cartas, os detentos afirmam que estão convivendo com lixo acumulado em várias dependências do presídio. Também faltam produtos de higiene pessoal, como sabonete, desodorante, aparelhos e creme de barbear e papel higiênico. Eles contam, ainda, que estão fazendo uso coletivo de talheres, toalhas, pratos e copos.

    Nas correspondências, os presos escrevem que o sistema prisional paulista “está fazendo tudo ao contrário do que o Ministério da Saúde orienta para evitar a doença e acrescentam que por conta disso sentem-se vulneráveis”.

    Cartas escritas pelos presos detalham as condições da cadeia | Foto: Arquivo Ponte

    Os presidiários também relatam nas cartas que estão convivendo lado a lado com colegas de cela que apresentam tosse, febre e falta de ar e que os funcionários insistem em afirmar que “não têm suporte para avaliar esses casos e tomar as medidas necessárias para combater o coronavírus”.

    Enquanto isso, o governador João Doria (PSDB) anunciou que os presos produzirão de 320 mil máscaras de proteção, entre eles presos das unidades I e II das penitenciárias femininas de Tremembé, que integram o complexo penitenciário da Pemano.

    Na coletiva, Doria não explicou se as máscaras serão disponibilizadas para os presos.

    O CPP Edgar Magalhães Noronha tem capacidade para 2.676 presos e, segundo a Secretaria da Administração Penitenciária, abriga hoje 2.516.

    O presídio não está atualmente com o número de detentos acima do limite de vagas porque, no último dia 16, fugiram 218 detentos e 127 tinham sido recapturados, segundo o último balanço divulgado pelo governo no dia 20.

    Funcionário infectado

    Enquanto ainda não há confirmação oficial de presos contaminados pelo Convid-19, já há pelo menos um caso de funcionário com a doença. A confirmação partiu do secretario de Administração Penitenciária, coronel Nivaldo Restivo, ao portal G1.

    O funcionário trabalha no CDP (Centro de Detenção Provisória) de Praia Grande, no litoral paulista e teria função administrativa, o que não o colocou em contato com os presos, ainda de acordo com Restivo.

    O secretário não explicou as medidas de prevenção adotadas pela pasta junto aos demais funcionários que trabalham no CDP de Praia Grande.

    Outro caso, este sem confirmação, envolve um homem que trabalha no Centro Hospitalar do Sistema Penitenciário, que foi afastado dos trabalhos. O funcionário, que trabalhava anteriormente no Centro de Detenção Provisória de Vila Independência, afirma que está sofrendo com pneumonia e falta de ar, segundo áudio obtido pela Ponte.

    Fábio Jabá, presidente do Sindicado dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo, aponta que há casos em outras unidades e critica a falta de ações por parte do governo. Um dos infectados, segundo ele, trabalha no Centro Hospitalar do Sistema Penitenciário, localizado na capital paulista. O governo não confirma.

    “O governo, até agora, está calado. O Doria não liberou o pessoal do grupo de risco [pessoas com mais de 60 anos e portadores de doenças agravadas pelo Covid-19, como respiratórias e cardíacas]. Não ganhamos nada, não tem Equipamento de Proteção Individual”, afirma.

    A situação ficará sem controle, segundo o sindicalista, quando a pandemia chegar aos detentos. “Na hora que pegar um preso, mesmo, acabou. Se aqui fora a pessoa não tem um bom atendimento, imagina para o preso? O Estado está se omitindo”, afirma.

    Em nota, a Secretaria de Administração Penitenciária não confirmou a contaminação do funcionário em Praia Grande, contrariando fala o coronel Nivaldo Restivo. Segundo a pasta, “todo servidor com suspeita de diagnóstico do COVID-19 está devidamente afastado sob medidas de isolamento em sua residência”.

    A secretaria ainda diz que “acompanha seu quadro clínico, fornecendo todo o suporte necessário para sua recuperação” aos agentes contaminados.

    A Ponte também perguntou a respeito das reclamações dos presos do Pemano, mas até a publicação desta reportagem a pasta ainda não havia dado retornado à reportagem.

    Em nota enviada nesta quarta-feira (25/3), a SAP detalhou que fixou cartazes das unidades com avisos e formas de prevenção aos funcionários, suspendeu atividades coletivas, busca para casos similares ao Covid-19 nas unidades, intensificação da limpeza, restrição da entrada de pessoas alheias ao corpo funcional, quarentena de presos que entram no sistema, monitoramento do grupo de risco, entre outras ações.

    “Salientamos que o cenário está em permanente avaliação para o direcionamento de ações visando o enfrentamento do problema. Todas as medidas amplamente divulgadas pelo Governo do Estado de São Paulo, como lavar as mãos com frequência, já foram adotadas nos presídios do estado”, afirma.

    A pasta ainda assegura ter comprado termômetros, aparelhos oxímetros, aumentou a distribuição de produtos de higiene, distribuiu EPIs e tem imposto distância de 1,5 metro nas filas de refeitórios. Nesta nota, a SAP não informa se há casos suspeitos ou confirmados de presos contaminados com o coronavírus.

    Atualização às 12h43 do dia 25 de março para incluir novo posicionamento da SAP.

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