Moradores treinados em trabalho voluntário da bombeiro civil Ana Flores agiram rapidamente para salvar vidas e diminuir os impactos do incêndio na maior ocupação da América Latina
O incêndio que atingiu o sexto andar do Bloco A da Ocupação Prestes Maia na última quarta-feira (21/11) não deixou uma vítima humana sequer, apesar de devastar praticamente todo o pavimento e atingir parte dos andares desocupados acima. O motivo foi o trabalho de prevenção feito voluntariamente pela bombeiro civil Ana Flores.
“Se não tivéssemos feito o trabalho de prevenção, a Prestes Maia seria uma nova Paissandu, com certeza”, resumiu Ana, que foi motivada a iniciar os trabalhos de prevenção em ocupações no centro de São Paulo justamente depois do incêndio e desabamento do Edifício Wilton Paes, no Largo Paissandu, em 1º de maio deste ano.
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Na tragédia do Paissandu, sete pessoas morreram e duas ficaram desaparecidas até ser declarado o fim das buscas. Os 455 moradores de 171 famílias que viviam no prédio ficaram sem casa e quatro prédios vizinhos ao Wilton Paes foram interditados. Ou seja, o risco apontado por Ana Flores indica a possibilidade de dano bem maior com o incêndio, que poderia rapidamente se propagar – até causar desabamento – no Bloco B da Prestes Maia, que tem 22 andares e mais de 300 famílias vivendo.
“Os prédios (Prestes Maia e Wilton Paes) têm as mesmas características de materiais e o fogo não seria contido novamente”, completou a bombeiro civil, lembrando a semelhança das paredes que dividem os barracos, que são de madeirite e propagam o fogo rapidamente, além de haver muitos tecidos, móveis, fios de eletricidade, janelas abertas que permitem o vento espalhar as chamas e até o fosso aberto do elevador, que no Paissandu transformou-se em uma enorme chaminé.
Antes de iniciar os trabalhos de vistoria e prevenção a incêndios, Ana Flores conta que o imóvel da Prestes Maia possuía apenas dois extintores e ninguém capacitado para manuseá-los. Depois do curso de prevenção e combate a incêndio, a Ocupação recebeu mais de 20 extintores, hidrantes e ainda foi equipada com sirene de emergência, tudo feito paralelamente ao treinamento de moradores que se tornaram brigadistas.
Ana conta que o trabalho foi todo feito voluntariamente, sempre aos sábados e domingos, e que a pouca doação que recebeu foi revertida justamente para a compra dos equipamentos . “Até traslado e alimentação é por minha conta. Não fazia sentido eu receber dinheiro porque era preciso comprar mais extintores, por exemplo”, comentou a bombeiro civil, que ficou orgulhosa do trabalho feito pelos brigadistas.
“Eles fizeram exatamente como ensinei no treinamento e tiveram êxito. Acionaram a sirene, desligaram a energia, chamaram o bombeiro militar e foram trabalhar com extintores, hidrantes e organizar a evacuação, tudo com ordem. O resultado dá ânimo para seguirmos com o trabalho, que tem o objetivo de prevenir incêndio e salvar vidas”, completou Ana, que também realiza o trabalho voluntário em outras ocupações.
O incêndio da Prestes Maia acontece três meses depois que a prefeitura de São Paulo finalizou a primeira fase das visitas às ocupações, preocupação que surgiu após o desabamento no Largo do Paissandu. Em nota, afirma que, a partir desse trabalho, criou um grupo permanente que tem pensado medidas a longo prazo para reduzir os riscos nesses locais. Foram visitados 75 imóveis, sendo 51 deles ocupados. A prefeitura também informa que há 35 prédios particulares e que, nestes casos, não pode intervir diretamente, contudo tem tentando encontrar soluções para diminuição dos riscos junto aos proprietários e famílias.
“Desde a criação do grupo permanente, dois edifícios foram interditados e um terceiro está em fase de interdição. Outros dois foram visitados no último mês, apresentaram risco iminente e serão obstruídos no próximo mês. Ao todo, serão cinco interdições”, assinala a nota. A Ocupação Prestes Maia recebeu a visita técnica e, de acordo com a prefeitura, os moradores foram “aconselhados a adotar medidas de segurança para se adequar às normas técnicas vigentes”.
Apesar do êxito em evitar a morte dos moradores e da evacuação de todos antes mesmo da chegada dos bombeiros, a situação na Prestes Maia ainda está longe da ideal.
Todos os moradores do Bloco A foram desalojados pelo fogo e a maior parte não tem para onde ir. Hoje, 280 pessoas estão instaladas em um hall do primeiro andar do bloco B, apenas com colchões e cobertores doados pela Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) e recebendo alimento e acolhimento de uma força-tarefa organizada pelo Movimento de Moradia na Luta por Justiça (MMLJ).
Quase todos os moradores que seguem instalados provisoriamente no Bloco B perderam tudo com o incêndio e dependem de doação de roupas, por exemplo, para poderem se trocar. No dia seguinte ao incêndio, a Ponte visitou o local e viu que todos os moradores seguiam com as mesmas roupas com as quais escaparam do fogo. Tinha criança que fugiu descalça e assim continuava. Banho também não estava disponível e, quem não pode contar com a ajuda de amigos, familiares ou vizinhos solidários do Bloco B, chegou a pagar R$ 8 para tomar banho em hotéis da região.
A Defesa Civil permanece em plantão ininterrupto no local e deve seguir até a conclusão do laudo necessário para liberar – ou não – o retorno dos moradores a seus barracos. Segundo João Batista do Nascimento, líder da ocupação e integrante do MMLJ, não há previsão para a emissão do laudo.
Paralelamente, o MMLJ realiza reuniões quinzenais para definir o futuro da Ocupação Prestes Maia, que irá ser toda revitalizada para integrar programa de habitação social, em análise na Caixa Econômica Federal, por meio do Minha Casa Minha Vida – Entidades. Na última sexta-feira (23/11), representantes dos movimentos sociais, da Prefeitura, da Cohab, do Ministério das Cidades e Caixa Econômica Federal se reuniram e mantiveram o prazo para desocupação total do prédio daqui a três meses.
A saída de todos os moradores está acordada a partir da assinatura dos contratos que garantem a destinação do prédio para habitação social e a liberação de recursos para a revitalização do imóvel. Os atuais moradores da ocupação estão recebendo orientações das regras para conseguirem aderir ao programa e seguirem na Prestes Maia.
Entretanto, segundo lideranças de movimento de moradia, não há garantia de que todos conseguirão cumprir as regras e permanecer. Além disso, não há ainda um local definido para abrigar as pessoas, que ficarão sem ter onde morar quando saírem de lá, no mínimo, até o fim da revitalização e a conclusão da burocracia para conquistar a casa própria por meio do Minha Casa Minha Vida.