Polícia de Tarcísio matou 48 pessoas em ações na região. Ativistas pediram uso de câmeras nas fardas e o impeachment do governador
O fim da Operação na Baixada Santista foi pedido durante ato no Largo São Francisco, região central da cidade de São Paulo, na noite de segunda-feira (18/3). As ações da Polícia Militar do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) mataram ao menos 48 pessoas. Entidades, membros de movimentos sociais e a população da região cobraram a responsabilização dos envolvidos, exigiram o uso de câmeras corporais pelas tropas e pediram o impeachment do governador.
A Baixada Santista é alvo de uma segunda operação letal em menos de um ano. Em julho do ano passado, após a morte do policial das Rondas Ostensivas Tobias Aguiar (Rota), tropa de elite da polícia de São Paulo, Patrick Bastos Reis, 30 anos, foi deflagrada a Operação Escudo. Ao menos 28 pessoas foram mortas no que especialistas classificam como ação de vingança.
Denúncias de violações naquele período foram levadas à Organização das Nações Unidas (ONU) e também à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). O que não inibiu Tarcísio e seu comandando na Secretaria da Segurança Pública (SSP-SP), Guilherme Derrite, de repetirem a dose.
Desta vez, com o nome de Operação Verão, a PM aplica novamente na Baixada a mecânica da ação anterior. Enquanto a polícia fala em confronto, que foi recebida a tiros e revidou, familiares de vítimas relataram à Ponte um cenário de execuções e outros arbístrios. Em São Vicente, familiares do catador de latinhas José Marques Nunes da Silva, 45 anos, contaram que ele implorou pela própria vida ao ser encurralado na casa em que vivia.
“Meu medo constante é que pode ser o meu pai, pode ser o meu tio, as próximas vítimas. Eles podem estar indo trabalhar e alguém pode atirar neles. Eles podem ser pegos, podem ser forjados, presos”, diz a estudante de Direito Victoria Batista, 21 anos, que tem família morando na Baixada.
Nascida em Santos, a jovem se mudou para São Paulo para estudar. O medo leva Victoria às lágrimas. Ela se emociona mais ao revisitar lembranças de violência que o pai já passou por, segundo ela, ser pobre e preto. Para a estudante, a lógica sanguinária que resultou no massacre do Carandiru, em 1992, segue aplicada até hoje.
“O pavilhão 9 ainda existe. O massacre do Carandiru não acabou. Ele continua em cada esquina da nossa periferia, da nossa favela. A polícia entra e sai matando todo mundo sem prestar conta para nada”, diz.
Holocausto à brasileira
“É um holocausto à brasileira na Baixada Santista”, disse, em discurso, Débora Maria da Silva, fundadora e liderança do Movimento Independente das Mães de Maio. “Nós não podemos aceitar. Não podemos ter medo da bala que acertou nossos filhos.”
Os discursos durante o ato também lembraram o desdém com que o governador bolsonarista tem se referido aos excessos referentes à Operação. Ao comentar a denúncia feita contra ele à ONU decorrente das ações na Baixada, o Tarcísio respondeu: “não estou bem aí”.
Além disso, o governo tem negado excessos. Tarcísio e Derrite disseram não terem recebido notificações de violência por parte da PM, situação rebatida pelo ouvidor das Polícias Cláudio Silva. O ouvidor disse ter enviado 44 ofícios entre denúncias e pedidos relacionados à Operação. Parte deles foi encaminhada à Corregedoria e também de forma direta à Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) e ao governo do estado.
Tarcísio foi lembrado também por ter viagem marcada para Israel. Acompanhado do governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil-GO), ele passará cinco dias no país e deve se encontrar com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.
“Neste momento, em um genocídio que acontece há mais de 160 dias e que está jogando [bombas] sobre a cabeça de homens, mulheres, crianças e idosos, Tarcísio está lá apertando a mão do representante do Estado genocida de Israel, Benjamin Netanyahu. As mãos manchadas de sangue estão se encontrando”, disse em discurso a ativista pela causa Palestina Soraya Misleh.
Edva Aguilar, 66 anos, concordou. Com um broche da bandeira Palestina grudado ao vestido, ela carregava uma placa escrita: “Parem de matar em favelas e em Palestina”. “Tarcísio é genocida e o Netanyahu também. Ambos precisam ser parados, interrompidos”, disse Edva à Ponte.
Ser pobre não é crime
O ato foi organizado por entidades e movimentos sociais. Entre eles, a Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio. Articuladora e membro da equipe jurídica da Rede, Jacque Cipriany, 42 anos, diz que o ato é uma forma de denúncia e resistência. “Enquanto eles estão com a bala e o aparato do Estado, o que nós temos é nosso clamor por justiça, por continuar vivendo, para deixarem corpos pretos existirem”, fala.
A maioria dos presentes vestia camisetas pretas com pedidos relacionados à Operação na Baixada: “Não existe confronto se só um lado atira”, “A pior morte é o esquecimento” e “Ser pobre não é crime”. Além de gritar as frases que carregavam nas blusas, os manifestantes também usavam apitos para chamar atenção.
Presente no ato, Gabriel Domingues, 21 anos, estuda a segurança pública no viés da esquerda. Ele defende um olhar mais atento à demanda como uma política prioritária de governo. “Para mim, o que temos de mais sofisticado na manutenção da escravidão é a Polícia Militar. Ela tem um esquema de extermínio e controle dos corpos”, diz.
O fim do ato ocorreu próximo a uma barreira policial montada em frente à SSP-SP. Além de grades de metal, agentes do Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep) se enfileiraram para inibir uma possível passagem dos manifestantes ao local.
Por volta das 20h30min, o grupo caminhou até os poucos metros que separam a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP) do local, carregando velas e balões brancos. Entoaram que “povo unido é povo negro forte”, pediram o fim da Polícia Militar e deixaram grudadas no asfalto as velas ainda acesas.
48 mortos na Baixada Santista
A Operação da polícia de Tarcísio de Freitas na Baixada Santista já matou 48 pessoas, segundo dados da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), atualizados até esta segunda-feira (18/3).
A morte mais recente foi a de um homem de 32 anos durante uma ação da Polícia Militar em Praia Grande, no último sábado (16/3). A SSP-SP diz que todas as 48 mortes decorreram “da reação violenta dos criminosos ao trabalho policial” e que todos os casos são investigados pelas Polícias Civil e Militar, com acompanhamento das respectivas corregedorias, Ministério Público e Poder Judiciário.
As incursões policiais na região foram intensificadas após a morte do policial da Rota, Samuel Wesley Cosmo, 35 anos. O soldado foi morto em serviço no dia 2 de fevereiro, em Santos.
Na ocasião, já estavam em vigor duas operações policiais na região. A primeira delas é a Operação Escudo, deflagrada na gestão Tarcísio sempre que um policial morre. O estopim foi a morte do soldado Marcelo Augusto da Silva, de 28 anos, em Cubatão, no dia 26 de janeiro. A morte coincidiu com casos de violência contra policiais registrados em outras partes do estado. A resposta foi a deflagração de quatro operações nas regiões onde os PMs foram vítimas.
Em paralelo, a região da Baixada Santista tinha o policiamento reforçado desde dezembro em função da Operação Verão — já tradicional durante os três meses da estação, mas que não tinha registros altos de letalidade.
Após a morte de Wesley Cosmo, a SSP-SP passou a contabilizar as mortes na Baixada Santista como casos da Operação Verão, mais precisamente da 3ª fase dela, que está em andamento sem prazo para acabar. O secretário da Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, chegou a dizer em entrevista coletiva que, apesar da confusão na nomenclatura, ambas as ações tinham o mesmo modus operandi.
A falta de delimitação entre as operações foi alvo de críticas de quem tem a função de fiscalizá-las. Em entrevista à Ponte, um dos promotores que integra o grupo criado pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP) para investigar as mortes, destacou ser difícil delimitar a abrangência de cada uma das operações em andamento e que isso atrapalha a apuração.