Ministro Rogerio Schietti Cruz destacou que reconhecimento fotográfico não pode servir como prova única e considerou semelhança de Jonathan Macedo com irmão acusado de roubo; prisão é contada no podcast Prove Sua Inocência
Um ano, cinco meses e 13 dias depois, Jonathan Santana Macedo pode voltar para casa no Parque Cocaia, região do Grajaú, periferia da zona sul de São Paulo. O jovem negro de 31 anos, atendente de lanchonete, foi preso no dia 20 de agosto de 2020, junto com o seu irmão Jefferson Santana Macedo, acusado de praticar roubos no bairro. Somente nesta segunda-feira (1/2), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) constatou que o reconhecimento que Jonathan passou não se mostrou prova confiável para mantê-lo preso e lhe concedeu liberdade.
“Graças a Deus, tudo o que nós esperávamos”, celebrou Regina Selma dos Anjos Santana após receber o filho em casa. “Fui ver ele domingo passado e cada vez que eu ia ver e deixava ele lá era um sofrimento. Ele estava desesperado também querendo ir embora e eu falava para ele ter paciência, que se Deus quisesse ia dar tudo certo. Falei: ‘Jonathan, se Deus quiser, na outra visita você já não vai estar mais aqui, você vai para casa’”, conta.
O caso de Jonathan foi revelado pela Ponte e é contado nos episódios de Prove Sua Inocência, podcast em parceria com a Fundação Heinrich Böll, com relatos de Lucas Brito Oliveira, primo dele que também foi alvo das acusações. Naquele dia 20 de agosto, Jonathan e Jefferson foram acordados às 7h da manhã com a chegada das viaturas da Polícia Civil à residência da família no Cocaia. Os policiais buscavam por Jackson Macedo, irmão mais novo deles, e Jonathan, pois ambos seriam suspeitos de integrar uma quadrilha que praticava roubos na região.
Em todos os casos, os irmãos Macedo foram reconhecidos pelas vítimas de forma irregular, por registros fotográficos na delegacia, segundo a polícia. Na ausência do irmão mais novo, Jefferson foi levado junto com Jonathan para o 101º DP (Jardim das Imbuias) onde participaram de uma série de reconhecimentos com a presença das vítimas meses depois das ocorrências e foram presos.
Segundo o advogado Sean Hendrikus Kompier Abib, para as três acusações contra Jonathan foram anexadas diferentes provas e a reportagem da Ponte sobre o caso que apontaram contradições na investigação. O jovem já foi absolvido em dois processos, mas ainda estava preso preventivamente por conta de uma terceira ação penal em que o Ministério Público (MP) pediu o aumento da pena. O advogado entrou com um recurso no STJ após o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) negar o pedido de habeas corpus.
Ao avaliar o recurso, o ministro Rogerio Schietti Cruz indicou que as absolvições do atendente das outras duas acusações de roubo decorrentes da mesma investigação da Polícia Civil. O ministro apontou que “o reconhecimento fotográfico seja confirmado em juízo, não pode ele servir como prova isolada e única da autoria do delito”.
Schietti argumenta, em sua decisão, que foi dado sobrevalor ao reconhecimento do que aos depoimentos do colega de trabalho e do patrão de Jonathan que afirmaram que ele estava trabalhando no dia e horário do roubo. O ministro também considerou que Jonathan sempre negou envolvimento nos fatos e que “há, no caso, a flagrante dúvida que desperta a semelhança física entre o paciente e seus irmãos”. E concluiu ao conceder a liminar: “a principal evidência de sua participação – seu reconhecimento pela vítima do crime – aparentemente não se mostra idônea e confiável”.
Após o alvará de soltura ser expedido pela juíza Roberta Hallage Gondim Teixeira, Jonathan saiu do Centro de Detenção Provisória (CDP) do Belém, na zona leste da cidade, nesta quarta-feira (2/2), e agora deve responder ao processo em liberdade. Os outros irmãos, Jefferson e Jackson, continuam presos.
À Ponte, o advogado diz que na primeira audiência do caso a vítima se confundiu no reconhecimento e não tinha condições de reconhecer. “Ela não tinha efetiva certeza e restou uma dúvida. A juíza, então, de uma forma totalmente fora da lei, decidiu depois da audiência, do interrogatório, refazer o ato de reconhecimento porque a notícia que o irmão do Jonathan também havia sido preso acabou influenciando. Eles refizeram o reconhecimento com o Jonathan e o Jackson juntos e a vítima reconheceu novamente [os dois]”, explica. Somado a isso, também pesou o depoimento do dono da lanchonete que confirmou o álibi de Jonathan no dia e horário do roubo e protestos da comunidade que cobravam a liberdade dos irmãos.
“Houve pouca responsabilidade de quem fez a investigação. A forma irresponsável e até criminosa como a investigação foi feita fez com que se tinha a primeira percepção de que os crimes eram gravíssimos e a certeza da autoria era incontroversa até a gente demonstrar a injustiça”, aponta. “Eu atribuo a atuação no mínimo suspeita, no ponto de vista disciplinar, da Polícia Civil, pois o reconhecimento fotográfico nunca existiu e a acusação que no celular dele tinha fotos de objetos roubados também não se provou”.
‘Luta ainda continua’
“Foi horrível, foi um peso que a gente tirou pois foi muito difícil”, define a mãe de Jonathan sobre o último ano. O atendente é pai de duas meninas, que estão morando na Bahia, e um menino que acaba de completar um ano e está internado com bronquiolite.
“Todo dia elas ligavam perguntando ‘por que que meu pai não me levou na viagem com ele?’. Ele estava com saudade e chorava lembrando dela, dava dó”, conta. Regina também comenta sobre a situação do filho no cárcere: “Ele nunca fez nada de errado na vida dele, é um homem trabalhador. Um ano e cinco meses lá dentro foram difíceis. Agora em dezembro, ele estava doente, muito angustiado e abatido”.
Com a liberdade, ela conta aliviada que Jonathan está bem, apesar do trauma, e pretende buscar os filhos e retomar à vida que tinha antes. “Jonathan é muito cabeça, muito responsável. Ele é forte e quer voltar para o serviço dele”, afirma.
A busca por justiça da família Macedo ainda continua. Regina espera uma decisão sobre a situação de Jefferson, que garante que não teve nenhum envolvimento com os crimes. “Se Deus quiser, ele também vai vir para casa e não sei por que ele está lá também. Ele não tem culpa nenhuma. Essa luta ainda continua”, reforça.
Outro lado
A Ponte procurou a Secretaria de Segurança Pública (SSP) e o Ministério Público (MP) para saber sobre os apontamentos feitos pela defesa de Jonathan acerca da condução das investigações da Polícia Civil e para questionar por que o reconhecimento fotográfico, fora dos procedimentos previstos pelo Código de Processo Penal, tem sido considerado a principal prova para prender pessoas. A SSP não se posicionou até a publicação desta reportagem. O MP encaminhou a seguinte resposta:
“O processo encontra-se no Tribunal aguardando julgamento de apelação do réu. E sobre questões jurídicas, foram alegadas, debatidas e ao final decididas pelo juiz do caso, de modo que podem ser observadas nos autos que não correm em segredo de justiça.”
Perguntado sobre a decisão do STJ e as provas contestadas, o Tribunal de Justiça de São Paulo disse que “não emite posicionamento sobre decisões dos Tribunais Superiores nem sobre conteúdo processual”.
ATUALIZAÇÃO: o posicionamento do MP foi adicionado na matéria dia 8/2, às 16h50.