Expulso da PM, Adriano Fernandes de Campos tentou recurso após TJ-SP ter anulado um primeiro júri popular do caso — que o absolveu. Justiça entendeu que jurados tomaram decisão que ia contra as provas do processo

O ministro Messod Azulay Neto, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), confirmou, nesta quarta-feira (9/4), uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) para que seja feito um novo júri popular do ex-policial militar Adriano Fernandes de Campos. O réu responde pela morte de Guilherme Silva Guedes, um adolescente negro de 15 anos assassinado em 2020 ao ser injustamente acusado de roubo.
Em outubro de 2021, um primeiro Tribunal do Júri absolveu Adriano, sob o entendimento de que ele não teria sido autor dos tiros que mataram o adolescente. No entanto, o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) recorreu da decisão dos jurados, por entender que ela confrontava as provas do caso. Em dezembro de 2022, o TJ-SP acolheu o pedido da Promotoria para que fosse feito um novo júri.
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Em resposta, a defesa de Adriano interpôs um recurso especial ao TJ-SP, que não foi admitido pela corte estadual. Ela insistiu então com um agravo em recurso especial ao STJ, apelo agora negado pelo ministro Messod. O magistrado reforçou que a decisão tomada no primeiro júri foi manifestamente contrária às provas do processo, o que entendeu estar plenamente fundamentado pelo acórdão do TJ-SP que já havia ordenado a realização de um novo julgamento do ex-policial.
Guilherme foi confundido com suposto autor de roubo
Guilherme foi sequestrado na porta de casa, no bairro Vila Clara, na zona sul de São Paulo, no dia 14 de junho de 2020, e acabou encontrado morto horas depois em um terreno no bairro Eldorado, na divisa entre a capital paulista e a cidade de Diadema. Imagens de uma câmera de segurança mostraram o adolescente entrando em um beco vizinho à residência em que morava. Segundos depois, também apareceram no local dois suspeitos: Adriano e o também ex-policial militar Gilberto Eric Rodrigues.
Adriano aparece com as mãos para trás e portando uma arma de fogo — o próprio ex-PM admitiu ser ele nas imagens e estar acompanhado de Gilberto. Depois disso, Guilherme não foi mais visto com vida. O beco em que o adolescente entrou dava acesso a um canteiro de obras da Globalsan, empresa terceirizada da Sabesp. Ainda policial à época, Adriano prestava, ilegalmente, serviços de vigilância no local e tinha Gilberto como funcionário.
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Os dois teriam perseguido naquela ocasião duas pessoas que teriam entrado na obra — do terreno, elas pretendiam pular um muro para um supermercado vizinho para pegar alimentos vencidos. Foi nessa ocasião em que os ex-policiais teriam encontrado Guilherme e colocado o adolescente como suspeito de invasão e roubo ao canteiro.
Um vigilante que trabalhava na obra disse que, após sair da viela, Adriano buscou um carro que estava estacionado no canteiro, deixou o próprio telefone celular no local e saiu apressado. O Ministério Público entende que, neste momento, Guilherme era mantido sob poder de Gilberto, que aguardava apenas o comparsa chegar com o veículo para que levassem o adolescente a um lugar ermo onde seria executado.
Familiares e vizinhos do garoto fizeram um protesto à época, no qual chegaram a incendiar um ônibus para bloquear uma avenida. Eles também fizeram um ato em frente à Globalsan, ligada à Sabesp.
Policial foi expulso por serviço ilegal de segurança
Adriano foi expulso da PM em 2022, por decisão do Comando-Geral da corporação. A punição administrativa se baseou em duas infrações consideradas graves do Regulamento Disciplinar da PM: “exercer ou administrar, o militar do Estado em serviço ativo, a função de segurança particular ou qualquer atividade estranha à Instituição Policial-Militar com prejuízo do serviço ou com emprego de meios do Estado” e “ofender a moral e os bons costumes por atos, palavras ou gestos”.
O comando considerou que o então sargento cometeu “atos atentatórios à Instituição, ao Estado e aos direitos humanos fundamentais”. O ex-policial militar era dono, juntamente com o pai, o PM aposentado Sebastião Alberto de Campos, da Campos Forte Portarias Ltda., que era registrada como uma empresa para prestar serviços de zeladoria. No entanto, uma reportagem da Ponte revelou que a empresa prestava, na verdade, serviços terceirizados de segurança privada, como fazia para a Globalsan.
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Adriano chegou a ser preso três dias depois da morte de Guilherme, mas foi solto em 2021, quando foi absolvido pelo primeiro Tribunal do Júri do caso. Já Gilberto está preso desde o dia 13 de maio de 2021, após ser encontrado escondido em uma chácara na área rural de Peruíbe, no litoral sul de São Paulo.
Já na ocasião em que Guilherme foi morto, Gilberto era considerado foragido, o que perdurava desde abril de 2015, quando escapou do Presídio Militar Romão Gomes. À época em que fugiu, a PM mentiu sobre a fuga, dizendo em um documento enviado à Ponte que ele estaria preso no local.
Em 2023, Gilberto foi condenado a 125 anos de prisão em regime fechado por um ataque que deixou sete mortos (incluindo Láercio de Souza Grimas, o DJ Lah, de 33 anos) e dois feridos em 4 de janeiro de 2013 — o caso é conhecido como Chacina do Jardim Rosana, na zona sul de São Paulo.
Defesa de ex-policial havia contestado decisão do TJ-SP
À Ponte, a defesa de Adriano comunicou que irá tentar um novo recurso: “A defesa entende que deveria ter sido mantida a soberania dos vereditos, e com base nisso vai interpor agravo regimental”, escreveu.
Disse ainda que, se houver um novo júri, voltará a pedir pela absolvição do ex-policial. “Muito embora, caso seja necessária a realização de outro plenário, a defesa confia na decisão dos jurados, e tem certeza que absolveram Adriano por negativa de autoria novamente”, completou.
Em contato anterior com a Ponte, um dos advogados que atuam em favor do ex-policial já havia contestado o acórdão do TJ-SP que determinou a realização de um novo júri popular. “Eles [os desembargadores do TJ-SP] não analisaram, por exemplo, que no carro do Adriano não tinha nenhum vestígio de DNA da vítima, não tinha nenhuma impressão papilar, nenhuma digital da vítima”, declarou Mauro da Costa Ribas Júnior. “Eles não analisaram que é impossível o Adriano estar na Avenida Cupecê às 2h09 e às 2h12 estar cometendo crime na Avenida Alba, em Diadema.”
O advogado também sustentou à época que Adriano é inocente e que isso se comprovou no primeiro julgamento, já que os jurados entenderam que ele não foi o autor dos disparos e o absolveram.
O defensor havia dito ainda, em um outro contato com a Ponte, que a expulsão de Adriano da PM foi injusta e abusiva, por ele não fazer uso da estrutura da corporação para a atividade de segurança privada. “Na verdade, o Adriano ajudava o pai dele, numa empresa que era do pai do irmão falecido, e não era dono de nada, não era responsável por nada. Ele simplesmente estava lá para dar uma força para o pai dele, que é o verdadeiro dono da empresa e fazia os contratos e tudo mais”, afirmou.