É a segunda vez, em menos de dois meses, que governador retira verba de câmeras para pagar diárias de policiais; Tarcísio de Freitas também cortou em inteligência e saúde do policial
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), realizou um novo corte, no valor de R$ 15,2 milhões, dos recursos destinados ao programa de câmeras operacionais portáteis da Polícia Militar de São Paulo, conforme decreto publicado na edição desta quarta-feira (4/10) do Diário Oficial do Estado.
O decreto, de número 67.998, prevê crédito suplementar, ou seja, adicional de verba, de R$ 98 milhões para a Secretaria de Segurança Pública com a finalidade de realizar pagamento de diárias de policiais militares e ações de polícia ostensiva.
Para isso, Tarcísio reduziu os recursos de outras áreas: além do programa de câmeras, fez cortes em atendimento à saúde da PM (R$ 5,4 milhões), formação e capacitação de policiais (R$ 1,6 milhões), inteligência policial (R$ 6,7 milhões), entre outras categorias. A relação completa dos setores pode ser vista no arquivo abaixo.
Essa é a segunda vez que o governador realoca o dinheiro do projeto de câmeras com o mesmo objetivo. Em agosto, ele remanejou R$ 11 milhões. De acordo com o jornal Folha de S. Paulo, a dotação para o programa já havia sido reduzida de R$ 152 milhões para R$ 136 milhões e, até então, o governo tinha executado apenas R$ 45 milhões em todo o ano.
A Ponte revelou em janeiro que o orçamento previsto para o projeto neste ano era de R$ 152 milhões, que havia sido aprovado pela Assembleia Legislativa (Alesp) em 2022, com uma meta de 15.300 aparelhos em funcionamento. A corporação tem, atualmente, 10.125 câmeras, o mesmo número atingido pela gestão anterior do então governador Rodrigo Garcia (PSDB), em 2022, e não investiu em novas aquisições.
A pasta chegou a anunciar, em agosto, que dois batalhões de trânsito usariam equipamentos, mas tratava-se de um remanejamento dos aparelhos existentes e não de nova compra.
A Folha também noticiou que o governo descontinuou o estudo científico para avaliar o impacto do programa. A primeira edição do trabalho foi uma pesquisa feita em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), que atestou redução de 57% na letalidade policial em junho de 2021.
Desde o início da gestão, a violência policial vem aumentando mês a mês. Em agosto, o aumento foi de 85% em relação ao mesmo período do ano passado. Para Rafael Rocha, coordenador de projetos do Instituto Sou da Paz, a ação do governador é “uma estratégia covarde” de acabar com o programa de forma gradativa, já que durante a campanha eleitoral Tarcísio dizia que a iniciativa seria revista e depois voltou atrás. O instituto lançou, no mês passado, uma nota técnica apontando as razões para que o projeto seja mantido e ampliado para todas as polícias.
“É mais uma ação do atual governo do estado de São Paulo para enfraquecer uma politica extremamente exitosa e bem avaliada para a redução da letalidade e da vitimização policial”, critica Rafael Rocha. “É a segunda realocação prevista para o Programa Olho Vivo que é destinado a diárias, para o policiamento ostensivo, que é importante, mas não é algo estrutural, enquanto o treinamento e a aquisição de câmeras são um salto de qualidade do controle do uso da força e de atuação profissional da polícia.”
“É uma estratégia covarde porque o governador não quer vir a público para debater o fim dessa política. Ele está corroendo essa política por dentro, tem enfraquecido os mecanismos de supervisão e controle, tem retirado verba, mas não quer aparecer nas manchetes como o governador que tirou as câmeras das fardas dos policiais militares”, prossegue o representante do Sou da Paz.
O anúncio de que ao menos três câmeras usadas por PMs na Operação Escudo estariam sem bateria, a ausência de utilização por todos os policiais envolvidos na operação e a falta de transparência sobre o emprego dos aparelhos suscitou ações judiciais em que a ONG Conectas Direitos Humanos e a Defensoria Pública requisitaram que todos os policiais usassem os equipamentos. O Tribunal de Justiça acatou um pedido liminar (de urgência) sobre o pedido, mas a decisão só durou um dia. Após o governo paulista recorrer à presidência do Tribunal, foi derrubada.
A Operação Escudo foi deflagrada em 28 de julho após o assassinato de um soldado da Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), força especial da PM paulista, no Guarujá, no litoral paulista. A operação foi encerrada pelo secretário Guilherme Derrite em 5 de setembro, mas três dias depois ele anunciou uma nova edição da mesma ação, também após o homicídio de um policial militar.
O que diz o governo
A Ponte procurou a assessoria da Secretaria da Segurança Pública sobre a realocação de recursos. A Fator F, assessoria terceirizada da pasta, encaminhou a seguinte nota:
Não houve corte nos recursos para os contratos já existentes e os três contratos de câmeras corporais para os policiais militares serão pagos na íntegra. A suplementação de recursos pode ocorrer, nos termos da lei, sempre que houver necessidade de crédito para a cobertura de novos contratos.
Com a queda de arrecadação, o Estado solicitou que despesas já comprometidas fossem cobertas, em detrimento de expansão de contratos. Por isso, houve remanejamento de recursos de custeio para despesas mais urgentes, como por exemplo, a Diária Especial por Jornada Extraordinária de Trabalho Policial Militar (Dejem).
Reportagem atualizada às 13h09, de 5/10/2023, para incluir resposta da SSP.