Testemunha de crime é levada pela PM, mas não aparece na delegacia

    Polícia não informou para onde levou jovem que filmou morte cometida por PMs; jovem reapareceu e fez post cheio de elogios à corporação

    Após matar um homem dentro do carro no Jardim Conquista, extremo leste da cidade de São Paulo, no começo da noite de quinta-feira (2/4), policiais militares colocaram na viatura um jovem que havia filmado a ação e o levaram do local. A testemunha não foi apresentada na delegacia que registrou o caso.

    O acontecimento assustou parte dos moradores do bairro, que espalhou o boato de que o jovem teria sido sequestrado pelos policiais. Mais tarde, a própria testemunha buscou desmentir a informação com uma postagem no Facebook cheia de elogios à corporação.

    Segundo o boletim de ocorrência sobre a morte, registrado no 49º DP (São Mateus), o homem morto pelos policiais, Carlito Lopes Santos, teria roubado um carro modelo Ford Ecosport e fugido após ser abordado por policiais da Tropa de Choque. Minutos depois, teria batido em outro carro estacionado na travessa Padre de Manaca.

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    Foi neste instante que os moradores saíram às janelas e sacadas para ver o que acontecia. Um vídeo obtido pela Ponte mostra que três policiais tentam tirar o homem do banco do motorista. Sem sucesso, um dos PMs entra na porta traseira esquerda e logo em seguida é possível ouvir três sons de disparos de arma de fogo.

    As imagens foram registradas por um vizinho do local em que o carro estava estacionado. Ele abaixa a câmera no momento dos tiros. Segundo os policiais, Carlito resistia a sair do veículo e estava com uma arma na mão.

    Na versão oficial, apresentada pelo cabo Celso Luís Mancio Guia ao delegado Nelson Teixeira Lacerda Júnior, do 49º DP, o PM afirma que Carlito havia atirado contra os policiais antes de eles chegarem até a porta do veículo para abordá-lo.

    O tenente Danilo Wagner Bezerra e o cabo Julio César de Souza Magalhães atiraram em Carlito porque ele “gesticulava como se estivesse tentando efetuar disparos”. O cabo Alex Leandro dos Santos também atirou e atingiu Carlito que, segundo os PMs, “continuou de pé” e seguia resistindo.

    O homem seguia dentro do carro. Bezerra, então, teria dado a volta no carro e dado outro disparo, desarmando Carlito. O baleado, na versão dos PMs, ainda teria pegado outra arma no chão do carro antes de ser novamente atingido pelo tenente Bezerra. Só após esse novo disparo é que Carlito teria caído fora do veículo, ficando com as pernas para o lado de dentro.

    Viatura dos bombeiros (vermelha) e da Tropa de Choque após morte de Carlito | Foto: Arquivo/Ponte

    Segundo a perícia, os policiais acertaram disparos em seis partes do corpo de Carlito: tórax, ombro esquerdo, cabeça, coxa esquerda, costas e braço direito. Havia seis cartuchos disparados e três projéteis no chão, todos de calibre .40, de uso exclusivo das forças de segurança.

    Parte da ação foi registrada por um morador, que foi abordado pelos PMs logo em seguida e levado do local na viatura. Segundo o cabo Guia afirma no B.O., o próprio morador do Jardim Conquista é que teria oferecido as imagens que registrou aos PMs. O mesmo boletim, porém, afirma que a testemunha não foi levada à delegacia. Procurada pela Ponte, a assessoria de imprensa da Secretaria da Segurança Pública do governo João Doria não explicou para onde a viatura policial levou a testemunha.

    A Ponte apurou com moradores da região que o homem teria sido levado logo após a ação policial que vitimou Carlito, às 19h20 de quinta-feira. O registro na delegacia só foi feito cinco horas depois, às 0h10 desta sexta-feira (3/4).

    Em nota enviada à reportagem às 12h07 de sábado (4/4), a pasta usou o mesmo texto enviado às 13h18 da sexta-feira (3/4), no qual afirma que “Todas as circunstâncias relativas ao caso são apuradas por meio de inquéritos policiais instaurados pelo Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) e pela Polícia Militar”.

    Os policiais envolvidos nesta ação estão afastados do serviço de rua e ficarão em atividades administrativas até o fim das investigações. No entanto, recebem normalmente o seus salários.

    Por volta de 3h, o jovem levado pelos policiais usou seu perfil no Facebook para acabar com o que chamou de “alvoroço” sobre seu paradeiro.

    Na publicação, disse que “estava errado”, mas que estava bem e nunca se sentiu “tão vivo”. “Parabéns às equipes da Rota e o Canil, me trataram como um futuro companheiro de farda. Em momento algum tive medo dos PMs!”, escreveu a testemunha.

    Atualização às 17h56 do sábado (4/4) para incluir posicionamento da SSP.

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