Um ano depois, investigações contra Alfacon por incitar crimes não deram em nada

    Ministério Público cobrou que Polícias Civis de São Paulo e Paraná apurassem declarações de Evandro Guedes e Norberto Florindo após denúncia baseada em reportagens da Ponte

    Norberto dá aulas de direito com uma caveira | Foto: Reprodução

    Investigações abertas para apurar declarações em que professores da AlfaCon, escola preparatória para aspirantes a policiais militares e federais, ensinam tortura a futuros policiais não avançaram nem em São Paulo nem no Paraná.

    A Ponte Jornalismo constatou que o Ministério Público cobrou a abertura de procedimento nos dois estados para apurar possíveis crimes de Evandro Bitencourt Guedes, presidente da escola, e Norberto Florindo Júnior, professor de direito.

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    Em vídeos publicados no canal da escola no YouTube, ambos ensinam futuros policiais a torturarem. O curso tem como sócios a Somos Educação, que integra o grupo Cogna (antiga Kroton) e responsável por marcas como universidades Anhanguera, Unopar, Unime e Unic e os colégios Pitágoras.

    Norberto, conhecido como “professor caveira”, exalta em suas aulas ter feito chacinas quando era PM em São Paulo. “Por isso quando eu entrava chacinando eu matava todo mundo: mãe, filho, bebê, foda-se! Eu já elimino o mal na fonte”, afirma em uma das aulas.

    Evandro usa suas aulas para mostrar ao alunos da AlfaCon como deve mentir para enquadrar uma morte em legítima defesa. “Você pega uma criança: ‘fala que o cara estava armado que eu dou um doce'”, diz.

    As declarações, expostas em reportagem da Ponte em 2019, viraram denúncia na Ouvidoria do MP (Ministério Público) de São Paulo. Assim, o órgão determinou que a Polícia Civil investigasse uma possível prática de “incitação ao crime”, artigo 286 do Código Penal, com pena de detenção entre três e seis meses ou multa.

    Os trabalhos tiveram início em 19 de novembro de 2019, data em que o MP enviou as informações à Polícia Civil paulista. O caso ficou a cargo do 5ºDP (Aclimação), com o delegado Rodrigo Celso Alasmar. A apuração traz poucos avanços daí por diante.

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    Em 11 de dezembro, advogados da AlfaCon anexaram procuração para representar a e escola. Adicionaram aos autos atas de reuniões do conselho do grupo em 2018, já com participação da Somos Educação.

    Daí por diante, nenhum outro passo dado pela Polícia Civil consta no processo. Não consta se os investigadores analisaram as declarações de Evandro e Norberto nos vídeos citados na denúncia, nem se convocou a dupla a prestar esclarecimentos.

    Não há atualizações na investigação por dez meses, entre a inclusão das atas e o pedido para que a investigação fosse prorrogada, feito em 8 de outubro deste ano pelo delegado Alasmar.

    O Ministério Público de São Paulo concordou com a prorrogação por mais 30 dias, dando prazo até 20 de novembro para apurar se Guedes e Florindo cometeram a prática de “incitação ao crime”.

    Há menos detalhes sobre apuração feita no Paraná, estado sede da AlfaCon. Segundo o MP local, o mesmo pedido de investigação foi feito à Polícia Civil do estado. No entanto, não há detalhes.

    Em nota à Ponte, o órgão explica ter enviado material à 15ª Subdivisão Policial de Cascavel para eventual prática de “apologia ao crime” – “fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime”. No Código Penal, o artigo é exatamente o seguinte ao de “incitação ao crime”, com mesma pena (detenção de três a seis meses ou multa).

    O pedido, segundo o Ministério Público, aconteceu no dia 5 de maio de 2020, sete meses após a primeira denúncia da Ponte sobre a AlfaCon, ocorrida em 24 de outubro de 2019.

    Diferentemente de São Paulo, não há detalhes da investigação desde o pedido feito pelo órgão. Questionada pela Ponte, a assessoria de imprensa do MP-PR declarou que “informações a respeito do andamento das investigações policiais devem ser procuradas na própria Subdivisão citada”.

    A reportagem encaminhou o mesmo pedido de atualizações à Polícia Civil do Paraná, que explicou que existe uma investigação em andamento, mas “o inquérito ainda não foi concluído”. “Entrevistas não serão fornecidas no momento”, respondeu a corporação.

    Além das apurações sobre incitação e apologia de crime, a Justiça de São Paulo determinou a abertura de investigação para apurar os possíveis crimes cometidos por Norberto Florindo Jr enquanto PM de São Paulo.

    Em aulas, o ex-capitão afirma ter matado bandidos enquanto os socorria ao hospital. “Bandido ferido é inadmissível chegar vivo ao pronto-socorro. Só se você for um policial de merda. Você vai socorrer o bandido, como?! Com esta mão, você vai tampar o nariz e, com esta, a boca”, diz Norberto.

    A PM demitiu o atual professor de direito em 22 de setembro de 2009, quando condenado por posse de cocaína no alojamento da Diretoria de Ensino da PM. À época, ele ministrava aulas de direito aos militares.

    A determinação da Justiça para a Corregedoria da PM investigá-lo ocorreu no fim de novembro de 2019, com apoio do MP. Então corregedor da PM, o coronel Marcelino Fernandes declarou na oportunidade não ter recebido a determinação.

    Ajude a Ponte!

    Nos dias 27 e 28 de outubro de 2020, a Ponte questionou a Secretaria da Segurança Pública e a PM de São Paulo sobre a investigação. Nem pasta nem corporação responderam se a Corregedoria atendeu a determinação da Justiça e apurou as supostas práticas exaltadas em aula por Norberto.

    Ao MP, a reportagem solicitou entrevista com o promotor Roberto Bacal, responsável pelo caso. Segundo a assessoria de imprensa do órgão, Bacal não dará entrevistas sobre as investigações até que a Polícia Civil de São Paulo reencaminhe os documentos após a prorrogação de 30 dias.

    A reportagem também questionou a AlfaCon em relação aos trabalhos da Polícia Civil e aguarda posicionamento.

    Atualização às 18h45 da quinta-feira (29/10) para incluir posicionamento da Polícia Civil do Paraná.

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