Um ano depois, mortes em baile funk após ação da PM seguem sem responsabilização

    Assim como no baile de Paraisópolis, que teve 9 mortes em dezembro, PMs entraram no Baile do Vermelhão, em Guarulhos (SP), e alegaram perseguição a moto

    Três jovens, sendo uma mulher e dois homens, morreram pisoteados após ação da PM | Foto: Reprodução

    Há 417 dias, a Polícia Civil do Estado de São Paulo investiga a morte de três jovens em um baile funk em Guarulhos, na Grande São Paulo. No dia 17 de novembro de 2018, os jovens morreram pisoteados após ação da PM. Até o momento, não há a responsabilização de nenhuma pessoa pelas mortes e a investigação segue aberta.

    À época, Marcelo do Nascimento, 34 anos, Mikaela Maria de Lima Lira, 27, e Ricardo Pereira da Silva, 21, morreram no bairro dos Pimentas, periferia da cidade, enquanto participavam do Baile do Vermelhão. Testemunhas relatam que a Polícia Militar causou o tumulto ao usar bombas de gás lacrimogênio e balas de borracha para dispersar o fluxo.

    A Ponte teve acesso às movimentações do processo, que corre em segredo de Justiça. Neste tempo, o 8º DP de Guarulhos responsável pela apuração, solicitou quatro vezes para que o tempo limite do inquérito fosse adiado.

    Os adiamentos para conclusão datam dos dias 25 de maio, 17 de julho, 24 de setembro e 12 de dezembro de 2019. Todos receberam resposta positiva do MPE (Ministério Público Estadual), órgão responsável por realizar o controle externo da atividade policial.

    De acordo com o tenente-coronel aposentado da PM paulista Adilson Paes de Souza, mestre em Direitos Humanos e autor do livro “O Guardião da Cidade – Reflexões sobre Casos de Violência Praticados por Policiais Militares”, nada justifica o período de um ano para a conclusão do inquérito, ainda mais para não se ter uma resposta para um crime conta a vida.

    “Merece crítica. É um crime contra a vida e, na circunstância que foi… Se fosse uma morte, já era grave. Não estamos falando de crime contra o patrimônio”, pontua. “Lamentavelmente, [não se têm respostas] porque as vítimas são pobres e de periferia. Se fossem pessoas de áreas mais abastadas, brancas, de outro perfil social, que morressem em outras regiões, tenho certeza que esse inquérito teria chegado ao final”, completa.

    Mikaela e Marcelo, duas das vítimas | Foto: Arquivo pessoal

    De acordo com a versão apresentada pelos policiais à época, suspeitos em uma moto invadiram o baile funk durante perseguição, o que fez com que as pessoas atacassem os PMs com garrafas. No revide, houve confusão e o pisoteamento das pessoas.

    O relato é o mesmo apresentado por PMs que atuaram no massacre de Paraisópolis, em 1º de dezembro de 2019, quando 9 pessoas morreram pisoteadas no Baile da DZ7, que ocorre na favela na zona sul da cidade de São Paulo. A versão oficial é de que uma moto furou um bloqueio, invadiu o baile e a tropa foi recebida com garrafadas pelos participantes do baile.

    Para o policial aposentado, a repetição causa um alerta. “Essa história da moto em Guarulhos, em Paraisópolis… Essas coincidências dizem muito, podem indicar que existe uma história padrão, um álibi padrão. É uma coincidência: sempre tem uma moto, tiroteio e [os suspeitos] se evadem”, argumenta.

    No dia 22 de outubro de 2019, a Polícia Civil solicitou a quebra de sigilo telefônico de um dos organizadores do baile funk. Adilson critica essa ação. “Ele é culpado pela morte? Na verdade, estão querendo criminalizar o dono do baile pelo fato de a polícia ter ido lá, da mesma forma que em Paraisópolis estavam pesquisando antecedentes criminais de uma das vítimas”, diz Adilson.

    Após o massacre de Paraisópolis, a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo pediu informações de um dos adolescentes mortos para o Conselho Tutelar de Pirituba, bairro na zona norte da capital. O entendimento dos conselheiros era de que haveria uma tentativa de criminalizar o rapaz.

    A Ponte questionou a SSP-SP (Secretaria da Segurança Pública de São Paulo), comandada pelo general João Camilo Pires de Campos neste governo de João Doria (PSDB), sobre o tempo da investigação. Em nota, a assessoria de imprensa terceirizada, a InPress, explicou que ela segue no 8º DP de Guarulhos.

    “Foram ouvidas vítimas, testemunhas e policiais militares. Os laudos foram anexados ao inquérito policial instaurado, que encontra-se no Fórum Distrital de Guarulhos, com pedido de quebra do sigilo telefônico de um dos organizadores do evento”, diz a nota, que aponta para conclusão do IPM (Inquérito Policial Militar), que está com a Justiça Militar, mas sem apresentar detalhes. “O artigo 16 do Código de Processo Penal Militar determina sigilo nas informações do inquérito.”.

    Para Adilson, não há explicações para esta demora. “Para estar um ano, deve ter ido para o MP e ter sido solicitado prorrogação de prazo”, analisa. “O promotor do caso deve explicações sobre o inquérito estar parado há mais de um ano. E o controle externo da atividade policial, onde fica?”, prossegue.

    A reportagem solicitou ao MP (Ministério Público) entrevista com o promotor Fernando Vernice dos Anjos, da 5ª Vara Criminal de Guarulhos, que atua neste caso. No entanto, a assessoria de imprensa explicou que o profissional não pode se manifestar em casos sob sigilo. “Ainda é um inquérito policial e não foi relatado ao MP, tramita sob sigilo”, resumiu, em nota.

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