Sem ter para onde ir, moradores de Paraisópolis, que pegou fogo na terça-feira (3), falam sobre como pretendem agir nos próximos dias; mais de 280 pessoas estão desalojadas; quem ficou, sofre com saneamento básico precário
“Quando deu o estrondo acompanhado da chama, já gritei à toda comunidade: corre! olha o fogo!”, relata o pedreiro Gildo Caetano, de 36 anos, que morava em um dos 60 barracos destruídos pelo incêndio que atingiu a favela de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, por volta das 13h25 desta terça-feira (3/02).
Gildo Caetano chegava em seu barraco, ainda de madeira, em um caminhão carregado de tijolos quando viu tudo acontecer. “Houve uma explosão em um poste. A gente sempre teve medo daquele poste, porque ele é de um material de alumínio. Aí, por causa das madeiras, o fogo alastrou rápido”, diz.
Oficialmente, as causas do incêndio ainda não foram identificadas e estão sob investigação da Polícia Civil e do Instituto de Criminalística. Em nota, a AES Eletropaulo afirmou que a causa do incêndio não foi um curto-circuito. “O fogo atingiu o poste, que alastrou o fogo e estourou o gerador”.
“O que mais me impressionou foi a sensibilidade da prefeitura, né? Não tenho teto para dormir, mas claro que devo ter um computador, com internet, para me cadastrar no site deles.”
Gildo gastou pouco mais de R$ 3 mil nos tijolos e demais materiais de construção. “Ia começar a melhorar minha casa ontem mesmo (terça). Mas tudo bem. Tem gente que tá chorando por aí. Eu, não. Fui ensinado, desde moleque, a conviver com esse tipo de coisa. Não foi o primeiro, nem vai ser o último incêndio em favela de São Paulo, certo, mano?”, afirmou.
Diferente de Gildo, que morava apenas com a esposa – que estava em seu trabalho no momento do incêndio, um estacionamento no Morumbi, bairro nobre a 20 minutos de ônibus -, as pessoas as quais ele disse que estão reclamando e desorientadas têm uma responsabilidade maior.
Filhos e filhas que, além de não conseguirem estudar porque têm a responsabilidade de ajudar nas contas de casa, agora precisam colaborar com os pais na reconstrução do local, com cerca de 8 metros quadrados cada terreno, fechados com quatro paredes de madeira, ao qual dão o nome de casa.
Roberto da Silva, de 33 anos, que trabalha como porteiro no Campo Belo, área que começa a ficar supervalorizada na zona sul, chora pelas suas duas filhas, B., de 6 anos, e C., de 7. “Eu sou um cara digno. Mas o governo nunca foi digno comigo. Olha onde eu estou criando as minhas filhas. Me sinto culpado por ter que tirá-las da escola quando é necessário. Infelizmente, o teto e a comida são, hoje, prioridade”, diz muito comovido.
As meninas também choraram. Abraçaram o pai, junto com sua esposa, a dona de casa Cleidiane Souza, de 24 anos, e se confortaram. “Calma, papai. Eu ainda vou ser médica e te tirar daqui”, disse a mais velha. “Se depender de mim, minha filha, você vai ser o que quiser ser”, afirmou o pai.
Cleidiane e Roberto foram removidos do barraco onde viviam há cerca de um ano e meio para a construção de um centro de convivência. Em troca, ganharam da prefeitura um auxílio-aluguel no valor de R$ 400. “Sempre atrasa. Já chegou a dois meses de atraso. Se não ficar no pé deles, já viu…”, relata o porteiro.
A dona de casa diz ser a única paulistana que implora para não chover em São Paulo. O casal construiu seu barraco na avenida Hebe Camargo. Por causa das obras do centro de convivência, quando chove, a terra vira lama, alaga e entra dentro de casa. “Toda vez é a mesma coisa, rapaz. É muito humilhante. Toda vez que chove a gente vai dormir na casa de alguém que mora mais pra cima do morro”, afirmou.
Questionada, a prefeitura não se manifestou sobre o atraso no auxílio-aluguel.
Em meio aos escombros, o reciclador Carlos de Moura, de 58 anos, tentava arrumar dinheiro para reconstruir sua casa. Todo ferro queimado que via, ele pegava, com dificuldade, e jogava sobre a caçamba de uma caminhonete. “Olha, tô esperando ganhar uns R$ 130 nisso aqui”, disse. “Mas não vai achando que é todo esse dinheiro, não. Isso é o bruto. Tem a gasolina também, porque eu levo lá no Campo Limpo.”
Ao lado dele, Alan Firmino, de 27 anos, que trabalha como porteiro no Taboão da Serra, estava desolado. “É difícil, irmão. Eu vim pra cá depois que meus pais morreram em um acidente de carro. Eles eram toda a minha família. Esta noite eu dormi no meio do barro mesmo. Não tinha o que fazer e nem para onde ir”, disse. “Hoje (quarta)? Espero reconstruir meu barraco ainda hoje. Caso não dê certo, um amigo meu me ofereceu um teto.”
Firmino pergunta quantas pessoas foram atingidas. De acordo com a Defesa Civil, 60 barracos foram destruídos e 280 pessoas estão desalojadas. “Agora eu fiquei feliz. Ó o tamanho dessa favela. Se só essas pessoas foram atingidas, então tá bom”, diz. Segundo a prefeitura, Paraisópolis é a segunda maior favela de São Paulo, com 55.590 pessoas em 20.832 imóveis.
O Corpo de Bombeiros afirmou que enviou 45 homens em 12 viaturas para conter o incêndio. Por volta das 15h20, o fogo foi controlado e o trabalho de rescaldo teve início. Todos os moradores elogiaram a agilidade e preocupação dos bombeiros. Ninguém ficou ferido. Em contraponto, eles afirmam que estão desamparados pela Defesa Civil e prefeitura. “Vieram ontem a noite, anotaram o nome de todo mundo e foram embora”, diz Alan.
A Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social da prefeitura afirmou que atendeu as famílias atingidas pelo incêndio. “No local (entre ontem e hoje – quarta) foram cadastradas 100 famílias que receberam colchões, cobertores, cestas básicas e kits de higiene pessoal. A distribuição dos insumos para as famílias que ainda não foram atendidas terá sequência hoje (quarta) no período da tarde”, prometeu.
A secretaria afirmou, ainda, que “as famílias poderão se cadastrar nos programas habitacionais pelo site da Secretaria Municipal de Habitação”. A Coordenadoria Estadual de Defesa Civil afirma que ofertou apoio de recursos humanos e materiais de assistência humanitária ao município. “Todavia, o ente municipal dispensou apoio no momento”, diz, em nota.
Informados por telefone sobre as versões dadas pela Prefeitura de São Paulo, AES Eletropaulo, Defesa Civil e Corpo de Bombeiros, os moradores, reunidos, ficaram revoltados. “O que mais me impressionou foi a sensibilidade da prefeitura, né? Não tenho teto para dormir, mas claro que devo ter um computador, com internet, para me cadastrar no site deles”, afirmou Alan Firmino.
Cleidiane disse que não se surpreende com as versões oficiais. “Estão fazendo seu papel, né? Informando bem a imprensa e nos deixando em segundo plano. Seria legal o Haddad (prefeito de São Paulo) e o senhor governador (Geraldo Alckmin) dormirem só um dia aqui na lama, igual a gente. Aposto que trabalhamos muito mais do que eles no dia a dia”.
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