Zilda Maria de Paula, mãe de um dos 23 mortos na maior chacina de SP, considera que justiça foi feita; família de PM defende inocência de condenado
Foram 2 anos, 6 meses e 20 dias para Zilda Maria de Paula, Rosa Francisa Corrêa e mais duas dezenas de mães. De 15 de agosto de 2015 até a última sexta-feira (2/3), a luta delas foi uma só: justiça. Todas buscavam uma resposta pra as 23 mortes na maior chacina da história de SP, após ataques em Osasco, Carapicuíba, Itapevi e Barueri. A longa espera teve fim com a condenação do policial militar Victor Cristilder, que pegou 119 anos de prisão junto dos PMs Fabrício Eleutério (255 anos) e Thiago Henklain (247) e ao GCM (Guarda Civil Metropolitano) Sérgio Manhanhã (100), considerados culpados em setembro de 2017.
Embora a sensação da maioria das mães ao final do julgamento tenha sido de alívio por verem a condenação dos acusados de tirarem a vida dos seus filhos, Zilda Maria de Paula afirmou que não passa um único dia sem lembrar de quando nunca mais pode abraçar o filho, Luiz Fernando. “Descanso, não. Eu vivo o dia 13 de agosto como se fosse hoje. Olho pro relógio e falo: ‘Foi essa hora’. Vou fazer 66 anos e, até o último dia que eu respirar, vou viver aquilo. Os nossos mortos não vão voltar”, desabafou Zilda, mãe de Luiz Fernando de Paula. Luiz Fernando estava no Bar do Juvenal, onde morreram oito pessoas e duas ficaram feridas nos ataques. Ele era o único filho de Zilda que, para conseguir ter o primogênito, sofreu quatro abortos naturais até ele nascer.
As vítimas estavam em bares, sorveterias, loja de doces ou nas ruas quando morreram nos oito ataques praticados por homens encapuzados em dois carros. O motivo? Para a Justiça, represália devido a outros dois crimes: assassinatos do PM Admilson Pereira de Oliveira, em 8 de agosto de 2015, e do GCM de Barueri Jeferson Luiz Rodrigues da Silva, cinco dias depois. Cristilder, Eleutério, Henklain e Manhanhã formavam parte do grupo, conforme decisão dos dois júris.
Rosa Francisca Corrêa se conforta com a decisão referente a Victor, o último dos condenados. “O que eles estão colhendo é o que eles plantaram, infelizmente. O que a gente pode fazer? Estamos brigando pelo nosso direito de justiça e eles foram condenados graças a Deus por isso. Nos sentimos aliviadas”, diz a mãe de Wilker Thiago Corrêa Osório, morto ao voltar do trabalho no qual começara três dias antes. Em sua mochila, foi encontrada a marmita do almoço.
A tristeza das mães atravessou o tempo, desde o início dos ataques, passando pela espera e a saudade, até o segundo julgamento em Osasco. Seja das que nunca mais poderão ver seus filhos até das que presenciaram condenações acima de 100 anos de prisão. De um jeito ou de outro, 27 famílias foram destruídas. “Eu tenho dó das famílias deles, das mães, mas eles deveriam pensar antes de fazer o que fizeram. O que está feito, está feito. Quem está morto, está morto. Nós, mães, vamos ter que viver o resto da vida com essa dor, nada vai pagar. Indenização, sentença… Nada vai fazer meu filho e os outros meninos voltarem”, lamenta Zilda.
Família de PM fala em injustiça
Pele negra, família pobre e habitante da periferia. Boa parte das 23 vítimas tinham esse perfil. O PM Victor Cristilder também. Mas apesar das semelhanças, segundo a Justiça, integrava o grupo dos assassinos. Os familiares do policial rebatem. Para eles, o resultado do julgamento que fez o jovem de 33 anos, catador de latinhas na infância e com o sonho de ser sargento da corporação, cumprir 119 anos de prisão foi injusto. O policial já está preso há pouco mais de dois.
O tio de Cristilder, Roberto Alves da Silva, acredita que todo o processo de investigação que terminou na condenação do sobrinho teve forte carga política. “Os jurados até teriam condições de julgar e fazer justiça nesse caso, mas foi um negócio direcionado, a gente já sabia no que ia dar”, afirma. Ele lembra que quando aconteceu a chacina, o secretário da segurança Pública de São Paulo era o atual ministro do STF Alexandre de Moraes. A informação de que pelo menos dez pessoas teriam participado dos crimes foi dada pelo próprio Moraes quatro dias depois. “O prêmio dele foi a cadeira do mais alto escalão em Brasília para colocar inocente na cadeia, e para não ‘cair a casa’ dele”, criticou Silva minutos após a leitura da sentença.
O PM era acusado de participar de quatro dos oito locais de ataques na chacina. Segundo o promotor Marcelo Alexandre de Oliveira, do Ministério Público Estadual, Cristilder combinou os ataques com Fabrício Eleutério e Thiago Heinklain e conseguiu que o GCM Sérgio Manhanhã enviasse para outros locais viaturas que deveriam rondar a região no momento dos ataques – uma troca de emoticons em forma de ‘joinha’ teria sido aval para o início e confirmação dos ataques. A defesa argumentou que outro homem, parecido com Victor e igualmente PM, seria o assassino, conhecido como Boy. O advogado João Carlos Campanini afirma que a troca de mensagens entre Cristilder e Manhanhã no Whatsapp se referiam à entrega de um livro de direito administrativo, que o policial estava lendo para o concurso de sargento que pretendia prestar.
Quatro dos sete jurados consideraram as provas suficientes para sentenciar o policial da Força Tática por 12 homicídios consumados e outras quatro tentativas. Cabe recurso, bem como para o julgamento realizado em 22 de setembro de 2017, envolvendo Eleutério, Henklain e Manhanhã. Porém, a condenação de Cristilder torna difícil, segundo o MP, alteração das decisões. O interesse sobre a ligação entre os quatro fez com que familiares dos três anteriormente condenados assistissem ao júri popular de Victor Cristilder. Novamente, mães, esposas e parentes saíram com sentimento de dor. Ou pela ausência dos que morreram e não mais voltarão, seja por quem viu um filho ser condenado a mais de um século de prisão pelo que fez.