Para Murilo Corrêa, do Departamento de Direito de Estado da universidade paranaense, diferente do que circunda a opinião pública, os black blocs são táticas não-violentas, já que não praticam, e nem preconizam, qualquer violência contra pessoas e se trata de uma ação defensiva
Desde 2013 o termo black bloc vem sendo usado com para qualificar atos em manifestações de rua. O emprego da expressão black bloc que circula na mídia povoou as redes sociais e gerou debates sobre a necessidade tática de se compor ou não black blocs nos recentes atos contra Jair Bolsonaro (sem partido). Nas manifestações do dia 3 de Julho, chegou a se levantar a possibilidade de que agentes policiais infiltrados, comumente chamados de P2, estariam incitando os manifestantes a danificar patrimônio privado. Do outro lado do debate há aqueles que defendem a tática como legítima, mas mesmo dentre esses existem os que preferem a derrubada de estátuas ao invés das vidraças de bancos e concessionárias de carro.
Além das redes sociais e dos programas televisivos, não é incomum que expressão seja usada dentro da esfera jurídica, como no caso do promotor de justiça Sérgio de Assis, que apoiou a conversão da prisão preventiva de Matheus Machado Xavier, no dia 3 de julho, fazendo uso do termo para afirmar que “filmagens referidas pela autoridade policial e os depoimentos dos agentes de segurança informam atuação de grupo denominado Black Bloc, notoriamente envolvido com a prática de crimes graves em meio a manifestações de cidadãos ordeiros e pacíficos”. No entanto, essa tática que é tantas vezes criminalizada e outras celebrada, carece de uma melhor compreensão. Para aprofundar nessa questão, entrevistei Murilo Duarte da Costa Corrêa, professor adjunto do Departamento de Direito de Estado na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e autor do livro Filosofia Black Bloc (2020, Circuito / Hedra).
Em seu livro, Murilo aborda o black bloc como “uma política que precede o ser e uma ética de composição e de encontro dos corpos”, num sentido oposto ao que se propaga no debate público. Apesar de desfazer esse e outros preconceitos despejados sobre os black blocs, ele não se basta nisso: o livro é mais uma proposição do que uma reflexão sobre a tática que aqui é compreendida como um processo reflexivo em si.
Black bloc como uma filosofia se antepõe aos falsos testemunhos sobre a incapacidade dos adeptos ao diálogo, e entrega outras questões: “Quem é capaz do diálogo? O Estado? Os congressistas, para além dos seus interesses, ou dos interesses daqueles a quem realmente representam? As polícias são capazes do diálogo? E os militares? E o mercado financeiro, os faria limers, são eles capazes do diálogo – ou entendem apenas a sua única e própria linguagem?”
Assim, Murilo nos convida a pensar não sobre os black blocs, mas junto deles.
Ponte – De 2013 para cá as táticas black bloc (BB) seguem sendo incorporadas em manifestações de rua no Brasil. Contudo, existe muita confusão sobre o que é black bloc, alguns trazem como sinônimo de ação direta, outros interpretam como um movimento, muitos reproduzem black bloc como tática, mas ainda pouco se explica sobre black bloc. Como você lê o BB?
Murilo Corrêa – Os black blocs comportam uma tripla definição: por um lado, são uma tática de manifestação de rua, como Francis Dupuis-Déri descreveu no seu Black Blocs (Veneta, 2013); por outro, é a encarnação concreta de multiplicidades de grupos sociais, como a etnografia de Esther Solano mostrou belamente, ao pesquisar a sua emergência nos levantes de junho de 2013; por fim (ou, talvez, para começo de conversa), os black blocs não são nem uma tática, nem a encarnação veloz e furiosa de grupos sociais determinados, mas, antes de tudo isso, uma antiontologia e uma ética, como tive a oportunidade de dizer em Filosofia Black Bloc. Isto é, os black blocs são uma política que precede o ser e uma ética de composição e de encontro dos corpos. Ao contrário das racionalidades prêt-à-penser que formalizam a opinião pública, sua ética é não-violenta, já que não praticam, e nem preconizam, qualquer violência contra pessoas; também é exclusivamente defensiva. Isto é, um bloco negro pode acompanhar um protesto do início ao fim sem praticar qualquer ação direta (exceto a de estar presente). Ações diretas só são deflagradas em casos de violência policial em manifestações, e com o fim de resguardar a integridade física de manifestantes menos preparados para os confrontos campais em que as polícias não raro transformam alguns protestos – especialmente aqueles em que ninguém quer tirar fotos com elas.
Ponte – Todas as vezes que as ações BB povoam o debate público é muito comum que duas acusações surjam: uma é de que são vândalos que não cooperam para as demandas dos protestos, e outra de que na verdade, se tratam de infiltrados tentando deslegitimar as manifestações. Qual o sentido de se levantar essa acusação contra BB?
Murilo Corrêa – Se encararmos o black bloc exclusivamentecomo tática, é inevitável que alguém imagine isso – mas isso não torna a tática mais ou menos legítima. Pelo contrário, uma tática (qualquer tática) política é mobilizada em função de uma ética de fundo. BB é uma ética anticapitalista, não-violenta, defensiva, anarquista e profundamente corporal. Digo isso porque ela se coloca muito mais à prova, nas ruas, do que a ética dos intelectuais de direita e de esquerda – que não cessaram de desqualificar o BB como uma linha de fuga social constitutiva de junho de 2013 (e que, para mim, é a portadora de seu enigma e de sua potência política) –, ou mesmo dos palacianos/milicianos que, bastante bem cercados, eventualmente infiltram o que, desde junho, conhecemos como “provocadores”.
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É interessante perceber que ninguém que costuma dizer essas tolices sobre oBB sequer jamais esteve perto de um. Em concreto, a ação é coletiva; a decisão de proceder a um conjunto de ações diretas deriva de uma inteligência coletiva de contexto, e de uma tomada de decisão igualmente corporal. Afinal, o corpo físico está literalmente em jogo. Geralmente é a violência policial injustificada que dispara as ações diretas. Elas têm por função atrair a atenção policial enquanto os manifestantes mais vulneráveis se dispersam e se protegem. Antes que algo assim aconteça, um bloco negro não faz mais senão caminhar atento, junto à manifestação. Então, concretamente, os black blocs são secundados por toda uma prudência que é muito contraintuitiva para aqueles que vêem osBB apenas pela televisão. A tática se submete a uma ética muito bem definida, e qualquer indivíduo que queira “bancar o black bloc” pode ser contido, acalmado, trazido à razão etc., pelo próprio dispositivo coletivo de autodefesa que o black bloc é. Ou, no limite – o que não se deseja –, pode terminar preso.
É real o risco de um infiltrado participar de atos e se utilizar da tática BB para incriminar os manifestantes?
Murilo Corrêa – Sim, o risco é real, mas a própria inteligência coletiva das manifestações em geral é capaz de identificar essas situações. Caso não consiga evitá-las, deixa que tenham curso e suportem as consequências de sua desconexão com a tomada coletiva e contextual de decisão, da qual os BBsparticipam como um mero subconjunto tático. Quando se percebe que há alguém (infiltrado ou não) mais exaltado – e exaltado fora de qualquer propósito, colocando a segurança e a integridade física de outros manifestantes em risco –, este geralmente é contido pelos demais manifestantes que o cercam, ou termina naturalmente nas mãos das polícias (caso a primeira estratégia não funcione).
Funciona um pouco como o infortúnio do guerreiro selvagem, que o etnólogo Pierre Clastres descreveu a propósito do que chamavam de “sociedades sem Estado” – e que, na verdade, são “sociedades contra o Estado”. Quando um jovem guerreiro, para alavancar seu prestígio, ou para desafogar seu desejo de poder, decide ir à guerra contra a decisão de toda a sociedade, sem poder convencê-lo do contrário, muitas vezes ela o deixa ir. E das duas, uma: ou ele terá uma vitória sem nenhuma glória – que ninguém testemunhou, e da qual ninguém se lembrará –, ou ele irá ao encontro das consequências de seu próprio desejo de poder: a morte solitária e sem auxílio numa guerra que ninguém, além dele, desejou travar. Esse é um dispositivo que mantém a conexão imanente entre uma sociedade e o seu poder social.
Ponte – Em seu livro você diz que a única violência que o black bloc cometeu foi “nos levar a pensar”. Existe hoje um debate tentando hierarquizar o que deve ser objeto da ação direta. Esse debate é um dos efeitos do BB? Como você vê esse debate?
Murilo Corrêa – O debate está, em si, completamente deslocado, e serve ao exato oposto do que acredito que possamos chamar de pensar. Serve à esterilidade polêmica. Acho que o que o black bloc nos leva a pensar excede toda fórmula hierárquica sobre o que pode ou deve ser objeto de uma ação direta. A questão talvez seja: numa sociedade em que as relações entre pessoas e coisas se tornou tão umbilical, em que as identificações se processam por padrão como objetivações (através dos objetos), o que as ações diretas tornam imediatamente pensável? E se déssemos um fim ao regime dos objetos? E às segregações proprietárias? E se a ética finalmente abandonasse o campo das abstrações a priori e retomasse o seu lugar, que é a intimidade comum e transindividual dos corpos e das mentes? Que outros mundos nasceriam, e que máscaras eles teriam, se os corpos fossem outra vez reunidos àquilo que eles podem? Porque é isto um adepto da tática: um corpo reunido àquilo que ele pode. E é nesse nível que o problema da ética se coloca para ele: como compor meu corpo com os outros corpos? Como podemos pensar em composições menos destrutivas, menos corruptas, menos sacanas? E como mobilizar outras ordens dos afetos (porque esta que temos, nitidamente, não está funcionando bem…)? Todo o problema da ética sem a priori; e da política que precede o ser. Não é uma aliança pela vulnerabilidade, ou pela precariedade, mas pela potência.
Ponte – Há notícias de que jovens teriam sido incriminados no ato do dia 3 de julho em São Paulo. Um deles, Lucas, foi espancado pela PM e tentaram plantar provas, e jovem, Matheus, foi mantido preso entre 03 e 13 de julhosob a alegação de participar de um “grupo denominado Black Bloc, notoriamente envolvido com a prática de crimes graves em meio a manifestações de cidadãos ordeiros e pacíficos”. Essa lógica é um legado dos protestos de 2013?
Murilo Corrêa – Em boa verdade, as estratégias judiciário-policiais de junho é que são o legado do funcionamento mais geral das polícias. Bastaria lembrar três casos ao redor de junho de 2013 que se cruzam: o primeiro, de um casal de São Paulo que é preso sob uma acusação qualquer e enquadrado pelo delegado de polícia na Lei de Segurança Nacional – lei de 1985 que, se vivêssemos de fato numa democracia, já teria sido declarada inconstitucional (em função de sua não-recepção) pelo STF. Outro, o caso do Amarildo. Ajudante de pedreiro, pai de família, morador do complexo de favelas da Rocinha, que foi acusado de ter informações sobre o tráfico de entorpecentes, e então foi preso, torturado e a polícia carioca das Unidades de Polícia Pacificadora (uma invenção assassina que devemos a Dilma e às operações militares de “pacificação” que o Brasil ajudou a conduzir no Haiti via Minustah-ONU). Quer dizer, em 2013, as polícias pacificadoras do Rio, pré-intervenção militar de Temer, e pré-governo Bolsonaro, estavam prendendo, torturando, assassinando e desaparecendo com corpos de moradores de favelas como se estivéssemos em pleno 1968 brasileiro.
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Isso não podia deixar de ecoar nas ruas e no Cadê o Amarildo?, ainda dentro do ciclo de junho. Um terceiro caso é o de Rafael Braga Vieira, que dormia muitas vezes na rua para economizar o dinheiro das passagens (vejamos aqui a ligação com uma das principais demandas de junho, o passe livre, a logística de mobilização produtiva dos corpos na cidade, a renda…), e é preso nos arredores de uma manifestação no Rio sob a acusação de ser black bloc (como se alguém pudesse “ser” black bloc…). Ele é preso em flagrante com duas garrafas de plástico – uma com desinfetante e outra com álcool etílico que, segundo a perícia policial, equiparavam-se a coquetéis molotov (algo materialmente contestável); encarcerado, passa por um processo absurdo (que analisei em “Rafael Braga Vieira: o singular e os universais da polícia”, na Revista Dilemas), e é condenado na primeira e na segunda instâncias. As únicas testemunhas: os policiais.
Então, estamos longe do bordão de jornaleco das seis “a polícia prende e a justiça solta”; se for pobre e preto, a polícia prende (quando não tortura, assassina e desaparece com o corpo, como aconteceu com Amarildo) e a justiça prende mais ainda: é um mecanismo de homologação policial. Quer dizer, serão as prisões de 2021 que continuam as de 2013, ou as de 2013 que continuam as de 1968, e as de 1968 que continuam sabe-se lá quais outras? Quando em junho se exigia o fim da polícia militar, era disso que se tratava: sabotar essa máquina em que policiais (geralmente, pardos, pretos e pobres) moem outros pobres (pardos e pretos) em nome de uma lei que não pune político (branco ou quase-branco) algum. Essa era uma sensibilidade muito presente em junho. Hoje, ela quase desapareceu, mas esses exemplos mostram o quanto essas relações são historicamente profundas. O quanto nossa sociedade efetivamente repete sem cessar, e de forma assassina, aquilo que não recordou (mesmo com as comissões da verdade e da memória que foram instaladas no Brasil por força de uma decisão internacional da CIDH) e jamais elaborou.
Ponte – Há relatos de fotógrafos que tiveram seus equipamentos quebrados por agentes de segurança do metrô neste protesto em 3 de julho. É irônico que os agentes de segurança que tanto se esforçam para identificar manifestantes evitem serem identificados?
Murilo Corrêa – Não chega a ser exatamente irônico, porque esse é o princípio da vigilância e do poder: exigir transparência desde um lugar de confortável e onipresente opacidade. Quando Foucault descreveu opanóptico de Jeremy Bentham como dispositivo por excelência das disciplinas, era disso que se tratava: corpos que são transparentes para o poder, sobre o qual se pode exercer um controle virtualmente total em uma arquitetura preparada para funcionar mesmo que não haja nenhum vigia na torre central. Os policiais não apenas quebram e apreendem câmeras de jornalistas; eles policiam manifestações não-identificados. Não é nada raro – e isso foi largamente documentado por relatórios de órgãos internacionais que acompanharam os protestos de 2013 no Brasil – ver policiais dissimulando seus rostos (óculos escuros, capacetes, bandanas, balaclavas etc.), arrancando as etiquetas de identificação de seus uniformes, enquanto exigem que manifestantes se identifiquem civilmente sob pena de condução para identificação criminal.
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É também interessante notar que por toda parte nos países ocidentais, as leis que proíbem a dissimulação do rosto surgem como dispositivos policiais para controle étnico (especialmente, de imigrantes de origem árabe), lado a lado com políticas antiterror, e aos poucos são generalizadas para toda a população. Seria bom lembrar que, neste mesmo momento, discutia-se, no governo Dilma, o projeto do que veio a ser a Lei Antiterror brasileira (Lei Federal n. 13.260/2016). Com Alexandre Mendes, autor de um excepcional livro sobre junho, observamos isso recentemente em “Amérique du Sud: entre résistance biopolitique et stabilisation répressive” (América do Sul: entre a resistência biopolítica e a estabilização repressiva), para a revista L’Irascible. Os assim chamados ciclos progressistas das últimas décadas, pela América Latina inteira, prepararam as legislações antiterror e as práticas repressivas com que os governos de direita que viriam a lhes suceder ameaçariam toda forma de resistência popular. As leis antimáscaras não são apenas leis inconstitucionais (como argumentei analisando a decisão do TJ-RJ sobre a Lei Brazão, do Estado do Rio, em Fundamentos constitucionais das leis que proíbem o uso de máscaras em manifestações), são dispositivos policiais e de controle que tornam o exercício do direito democrático de manifestação e protesto ainda mais rarefeito. O que chamei de devir-ninguém, que o black bloc coloca em jogo,é essa primeira etapa de subjetivação. As máscaras podem ter, aqui, a função de reativar uma outra relação: ativa forças que já não são humanas, que não passam pelo rosto, e que nada têm a ver com o anonimato e a intransparência das polícias.
Ponte – Outra interpretação que circula é de que os adeptos do black bloc são desordeiros, bárbaros e incapazes do diálogo, por isso optam por quebrar propriedade. Os adeptos do black bloc são incapazes do diálogo?
Murilo Corrêa – Qualquer um que tenha tentado dialogar com um adepto da tática sabe que isso não é verdade. A pesquisa de Esther Solano, publicada em Mascarados, é precisamente isso: vários diálogos com adeptos da tática, que compreendem inclusive o limite que há em se fazer política exclusivamente pelo diálogo e por vias institucionais. Poderíamos nos perguntar outras coisas: os congressistas são capazes do diálogo, para além dos seus interesses, ou dos interesses daqueles a quem realmente representam? O Estado é capaz do diálogo? As polícias são capazes do diálogo? E os militares? O mercado financeiro, e os faria limers, são capazes do diálogo – ou entendem apenas a sua única e própria linguagem?
Em junho de 2013 alguns críticos dos black blocs sustentavam em leituras totalmente abstratas de Hannah Arendt a ideia de que black blocs era tão mudos quanto violentos, e que essa era a razão pela qual suas ações diretas não poderiam ser qualificadas como políticas. Outros intelectuais, débordianos, diziam que suas ações eram execuções de um espetáculo inteiramente colonizado pela perversão obsedante da imagem e do capital. Essas duas interpretações, não eram apenas injustas ou inadequadas. Eram intelectualmente preguiçosas.
Se há uma parentalidade entre ação direta e performance, é no sentido de que a ação direta produz um curto-circuito entre ato e palavra. Nós, do direito, estamos bem familiarizados com esse tipo de ato. Muitos atos jurídicos são performativos (ou seja, são enunciados que produzem efeitos imediatos e supostamente incorporais: uma declaração de casamento, de incapacidade civil, uma condenação penal etc.). As ações diretas são eminentemente políticas porque fazem o exato oposto de um ato performativo: são ações que produzem efeitos imediatos de discurso. Em todos os sentidos, uma ação direta é o antiespetáculo, o contraperformativo. Quem só consegue gozá-la como espetáculo, e não como uma ação que desmobiliza um regime de signos para mobilizar outros, é que tem um problema a resolver com sua própria miopia política (e conceitual).
Ponte – Como seria possível evitar pré-julgamentos e categorizações vazias do BB?
Murilo Corrêa – Ater-se à ética do black bloc; à inteligência coletiva e contextual em que as decisões são tomadas e as ações diretas são mobilizadas; pensar para além das imagens e do aparente (porque ele é apenas aparente) niilismo político. É quando se retira as ações diretas de seu contexto concreto e imediato que elas podem se tornar alvo do juízo moral – e isso ocorre por abstração, generalização e avaliação. O black bloc é um pluriverso desejante que passa de um concreto a outro. Um conjunto de linhas de fuga sociais que não foram inventadas por eles, mas podem encarnar-se neles – como, de resto, aconteceu em junho. E nem sempre acontece.Nem sempre as linhas de fuga de uma sociedade vão se encarnar num mesmo lugar – e nem há garantia alguma de que uma linha de fuga termine bem.
David Graeber em O Anarquismo do século 21 lembra dos Pink Blocs como táticas não violentas de lidar com a polícia em manifestações, como os palhaços que atiram água nos agentes ou os manifestantes com roupas de espuma nas fileiras da manifestação. Essas táticas são aplicáveis na nossa realidade?
Murilo Corrêa – Talvez sejam, a depender do contexto. As próprias gay parades são reações muito positivas e potentes contra um histórico de violências policiais nos EUA.O humor é uma estratégia importante, subversiva. Mas assim como o black bloc e as ações diretas são uma tática entre muitas outras, não há panacéia tática – mas, sim, um conjunto de capacidades transindividuais dos corpos de entrarem em conexão transversal, e variarem técnicas continuamente sob um fundo ético, sempre passando de uma situação concreta a outra. Que isso se abstraia momentaneamente (intelectual ou eticamente), é o mero efeito de um tipo de pensamento demasiado corporal. O que chamamos de uma filosofia black bloc.