Diretor de redação Fausto Salvadori e diretor de arte e projetos Antonio Junião contaram a trajetória e os propósitos da Ponte desde a sua fundação e a criação do programa de membros: “precisamos debater segurança pública sob outras perspectivas”
Para celebrar o primeiro ano do programa de membros Tamo Junto, a Ponte promoveu na última quarta-feira (25) um encontro com Fausto Salvadori e Antonio Junião, respectivamente diretor de redação e diretor de arte e projetos da organização. Ambos participaram da fundação da Ponte Jornalismo em 2014 e, desde então, acompanham os desafios e a evolução da produção do jornalismo independente. O público pode conhecer mais desta trajetória na entrevista conduzida pela editora de relacionamento, Jessica Santos, transmitida ao vivo no Youtube.
O Tamo Junto foi lançado em agosto de 2020 e tem unido pessoas engajadas e defensoras dos direitos humanos para ajudar a sustentar o jornalismo livre e acessível da Ponte. A organização foi fundada há sete anos por um grupo de jornalistas, entre eles Fausto, Bruno Paes Manso, André Caramante e Laura Capriglione, que acreditavam que a cobertura das violações dos direitos humanos promovidas pelo Estado não ganhava destaque como deveria na grande imprensa.
“Juntou aquela insatisfação por não conseguirmos falar, porque os jornais não querem falar o que acontece na realidade que vive a maioria da população brasileira, a realidade das favelas, periferias. E quem trabalha em jornal sabe que a cor da pele e a renda das pessoas envolvidas sempre influi no tamanho que a notícia vai ter”, conta Fausto.
O jornalista carrega uma vasta experiência como editor e repórter de segurança pública e justiça. Já passou pelas redações de veículos como Metro, Folha de S. Paulo, VICE, Agora SP, Jornal da Tarde, entre outros. Foi um dos vencedores do prêmio Vladimir Herzog de 2019, na categoria Produção Jornalística em Multimídia, e, em 2013, menção honrosa no mesmo prêmio, na categoria Texto.
Fausto comenta que na época em que a Ponte foi fundada, em 2014, pouco se discutia sobre o racismo em casos de violência policial. Também havia poucas organizações independentes no país, o que não diminuiu a vontade da equipe em querer criar um veículo. Ele conta que a primeira matéria denunciou a prisão injusta de um jovem, em que ocorreu falhas da polícia, do Ministério Público, do Judiciário e da própria imprensa, ao não se interessar em ir atrás da história relatada pela mãe. Mesmo ainda sem o site da Ponte, a reportagem foi publicada no blog do Bruno Paes Manso, no jornal O Estado de S. Paulo, na época.
Poucos meses depois, Antonio Junião também se juntou à equipe. Formado em Educação Artística pela Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), ele trabalha com jornalismo ilustrado desde 1994. Publicou charges e ilustrações em diversos veículos nacionais e no francês Courrier International. Ganhou o Salão Internacional de Desenho para Imprensa de Porto Alegre, em 2011, e o prêmio Vladimir Herzog de 2005 na categoria Arte. Atualmente, ilustra reportagens e é responsável por gerenciar projetos na Ponte.
O ilustrador diz que tinha o mesmo objetivo dos demais colegas de organização: trazer para o debate público as questões sobre raça, gênero e classe de forma mais profunda, entendendo a raiz dos problemas na segurança pública. “Eu percebia, na minha trajetória, que não adiantava nada eu falar sobre racismo, sobre violência se o veículo inteiro não estava falando. E na Ponte não. A Ponte era um veículo que queria respirar isso, queria discutir as questões de onde discutimos hoje. Falar sobre um sistema carcerário, um presídio que está lotado, sem falar de racismo, você não está falando do problema por inteiro”, exemplifica.
Jornalismo para mudar
Mesmo com pouca estrutura, os jornalistas que estiveram nos primeiros anos da Ponte não deixaram seus propósitos de lado. As pautas e as denúncias de violações do Estado mostravam que o veículo precisava continuar o seu trabalho. Nesse sentido, a equipe pensou na sustentação da organização e isso permitiu, segundo Fausto Salvadori, que ela se estruturasse e crescesse.
“Tratar as pessoas com muito respeito e ter uma escuta muito atenta com as pessoas foram coisas que fizeram também muita diferença”, comenta. A Ponte se diferenciou na cobertura da segurança pública e da Justiça, na visão de Junião, por estar próxima dos movimentos sociais e por contar as histórias em uma perspectiva que sempre destacou o relato das vítimas da opressão, das periferias, não das fontes oficiais, com base na apuração jornalística.
“Essa violência se propagava através do apagamento, pois as pessoas que estavam nesses territórios não tinham suas vozes e direitos respeitados. A Ponte começou a levar o microfone para esses territórios. Essas pessoas já tinham voz, mas não eram amplificadas pelos outros veículos”, ressalta.
Em 2017, a organização, que já era reconhecida pelo seu jornalismo profissional, precisou investir em uma estrutura para se fortalecer enquanto veículo independente. Foi esse ano que Maria Elisa Muntaner, diretora administrativa e financeira, entrou na Ponte e ajudou a implementar uma campanha voltada aos leitores visando a sustentação do veículo.
De lá pra cá, foram diversas campanhas de financiamento até a implementação do programa de membros Tamo Junto em 2020. A editora de relacionamento Jessica Santos é a responsável por pensar nas estratégias, nos sorteios e está em contato direto com cada apoiador. “É uma forma mais humana de tratar os leitores como pessoas que fazem parte do jornalismo. O leitor é um potencial produtor a partir do momento que ele está na rua. Acho que, de um ano pra cá, a grande mudança foi colocar nossos leitores neste lugar”, destaca a editora de relacionamento.
Construindo a Ponte
Atualmente com uma equipe maior, a Ponte continua evoluindo por meio do apoio dos membros e dos programas de aceleração pelos quais foi selecionada. Assim, foi possível aprimorar a cobertura da violência policial e ao mesmo tempo lidar com os processos na Justiça por conta das denúncias publicadas, que já renderam censuras. Fausto explica que a relação do veículo com a polícia tem seus lados opostos de apoio e crítica.
“Se você critica a segurança pública, é como se você estivesse criticando aqueles profissionais. E aqueles profissionais são consequências de uma política”, ressalva sobre as denúncias. São inúmeros casos de violência, injustiça e opressão que a Ponte tem contado diariamente nos últimos sete anos. Muitas destas histórias tristes seguem sem respostas aos familiares. Diante dessa realidade, o diretor de redação diz que o problema está no sistema: “a gente sonha com um mundo que tenha uma polícia melhor e uma polícia menor, pois um dos problemas é que o excesso de policiamento que tem nessas areas só servem para manter o racismo e a desigualdade social”.
Para Antonio Junião, a discussão sobre racismo e segurança pública precisa avançar por uma questão de democracia. “Cada vez mais as questões estruturais precisam ser postas na mesa para discutir não só efeito, mas para discutir as causas também. A academia está aí produzindo muito conhecimento que não está sendo utilizado pois existe um monopólio dessa discussão pelas instituições militares. Precisamos debater segurança pública sob outras perspectivas”, fala, acerca da produção negra, periférica e abolicionista.