Justiça reconheceu 3 de 10 pedidos de indenização pela maior chacina de SP

Chacina de Osasco e Barueri, que completa sete anos, deixou 22 mortos. Neste mês, o TJ-SP concedeu indenização de R$ 600 mil para uma das famílias, mas nenhuma delas ainda recebeu qualquer centavo

Parentes de vítimas da chacina protestaram em 2019 diante da sede do Tribunal de Justiça de SP, na Sé | Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo

No mês que marcou os sete anos da Chacina de Osasco e Barueri — a maior já ocorrida nas ruas do Estado de São Paulo, que deixou 22 mortos e 7 feridos entre 8 e 13 de agosto de 2015 —, uma das famílias das vítimas conseguiu uma vitória na Justiça.

A 11ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu aumentar para R$ 600 mil o valor de uma indenização por danos morais que uma decisão em primeria instância havia sido fixado em R$ 300 mil. A decisão também prevê o pagamento dos gastos funerários e de pensão no valor de 2/3 de salário mínimo para os três filhos menores de uma das vítimas do massacre até completarem 25 anos.

Os desembargadores seguiram o voto do relator Ricardo Dip, entendendo que, mesmo que policiais tenham praticado a chacina fora de serviço, ainda assim usaram de sua função, inclusive do armamento, para cometer os crimes, e que o Estado de São Paulo — na época, governado por Geraldo Alckmin — tem responsabilidade por eles. A decisão, contudo, afastou a responsabilidade da prefeitura de Barueri, por considerar que não ficou comprovado o envolvimento de servidores do município. De quatro acusados pelos crimes, dois ex-PMs foram condenados, em 2017, e um ex-PM e um ex-GCM foram absolvidos em novo julgamento ocorrido no ano passado. Segundo as investigações, o massacre atingiu aleatoriamente moradores da periferia para vingar os assassinatos de um PM e de um GCM de Barueri.

A Clínica de Direitos Humanos da Universidade Federal de São Paulo (CDH/Unifesp) localizou ao menos 10 processos com pedidos de indenização de parentes das vítimas da chacina. Desses, 3 obtiveram vitória na Justiça, com a condenação do Estado.

Mas nenhuma das famílias ainda recebeu um único centavo de indenização porque na maioria dos casos ainda cabem recursos e o governo continua a recorrer. Mesmo quando as decisões da Justiça se tornam definitivas, as famílias ainda esperam na fila dos precatórios, ou seja, das dívidas do Estado.

Segundo os pesquisadores, é possível que haja outras ações judiciais, além dessas 10 que conseguiram localizar. Duas das ações se referem aos crimes ocorridos em 8 de agosto de 2015, chamados de “pré-chacina”, que deixou 6 mortos. As outras oito ações dizem respeito às mortes ocorridas no dia 13.

A tramitação não é igual para todo mundo. Professora de Direito da Unifesp e coordenadora do projeto, Carla Osmo explica que cada processo corre de maneira paralela e independente um do outro, já que requer a iniciativa de cada família. “Em alguns deles, as famílias são representadas pela Defensoria Pública, em outros são por advogados particulares”, aponta. Por outro lado, ela identifica um perfil. “A maior parte dos processos são movidos por mulheres, mães, marcadas pela cor [negra] e pela pobreza”.

Um dos casos, por exemplo, só teve decisão favorável após recurso, já que na primeira instância o juiz Evandro Carlos de Oliveira argumentou que não havia responsabilidade do Estado porque os agentes não mataram em serviço e “estavam de folga, em trajes civis e com armas particulares”. O acórdão (decisão de um grupo de magistrados) que reverteu a sentença em 2020, corre em segredo de justiça e a Ponte não conseguiu consultar para saber se o valor foi elevado ou reduzido.

Os parentes que conseguiram as decisões favoráveis não querem comentar sobre o assunto, por ainda estarem em situação de vulnerabilidade e por se sentirem em risco.

Um caso que está mais adiantado é o de uma família que pediu R$ 200 mil de indenização por danos morais para ser dividido entre a mãe e o irmão da vítima. O tribunal acatou na primeira instância, em 2017, e reduziu o valor para R$ 80 mil na segunda, em 2018, após o Estado recorrer. Acabou que, em meio a recursos, houve um acordo, e ficou estipulado o valor de R$ 125.258,28 em novembro do ano passado. O processo está em fase de cumprimento de sentença, ou seja, a mãe e o irmão já estão na fila dos precatórios.

A pesquisadora aponta para o simbolismo das decisões. “É muito importante que se reconheça a responsabilidade do Estado porque não se trata de mero desvio individual de condutas, existe um problema institucional, de política conduzida pelo Estado, que leva a esses índices altíssimos de violência e letalidade”, afirma Carla

Mas há também os pedidos negados. A professora informou que os dois processos referentes à “pré-chacina” não foram aceitos pela Justiça, um por questões processuais, e outro por falta de nexo de casualidade, ou seja, não foi reconhecida a responsabilidade do Estado sobre as mortes.

Os processos seguem em tramitação, uns ainda sem decisão judicial, como o movido pela líder das Mães de Osasco Zilda Maria de Paula, que é mãe da vítima Fernando Luiz de Paula, morto na chacina aos 34 anos. Em maio deste ano, a Clínica de Direitos Humanos e o Centro de Assistência Jurídica Saracura da Fundação Getúlio Vargas (CAJU/FGV Direito SP) pediram para entrar como amicus curiae (“amigo da corte”, alguém que fornece subsídios para uma decisão judicial) na ação movida pela ativista. Essa solicitação ainda não foi avaliada pelo juiz do caso.

A Chacina de Osasco e Barueri

O processo da chacina de Barueri e Osasco condenou os ex-PMs Fabrício Eleutério e Thiago Henklain, em setembro de 2017, a cumprir 255 anos, 7 meses e 10 dias; e a 247 anos, 7 meses e 10 dias de prisão, respectivamente.

Em março de 2018, Victor Cristilder Silva dos Santos foi condenado pelas execuções de 17 pessoas e a tentativa de matar outras 7 em 13 de agosto de 2015 com pena de 119 anos, 4 meses e 4 dias de prisão. Mas em 2019, Cristilder e o Guarda Civil Municipal (GCM) de Barueri Sérgio Manhanhã tiveram suas sentenças anuladas pelo Tribunal de Justiça de SP.

Na época, o TJ alegou que as provas usadas pela acusação eram insuficientes para confirmar a participação dos dois na chacina. Em fevereiro de 2021, os dois foram absolvidos após júri popular. No julgamento, o advogado João Carlos Campanini, que fazia a defesa dos acusados, exibiu um vídeo em que uma promotora faz calúnias com a aparente intenção de ligar Zilda Maria de Paula a uma visão criminalizada do Movimento Independente Mães de Maio. No registro, Ana Molinari afirma, sem provas, de que as ativistas eram mães de traficantes e, depois das mortes de 2006, passaram a administrar as biqueiras dos filhos. Até hoje o movimento busca responsabilização da servidora.

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Segundo as investigações, a chacina foi praticada para vingar a morte do PM Admilson Pereira de Oliveira, em 8 de agosto de 2015, e do GCM de Barueri Jeferson Luiz Rodrigues da Silva, no dia 13 do mesmo mês. Em 2019, o Ministério Público explicou que mensagens de WhatsApp foram fundamentais para ligar os acusados.

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