Operação Escudo: seis PMs da Rota já foram acusados por mortes na Baixada Santista

Denúncia mais recente recai sobre o coordenador da operação, capitão Marcos Verardino, e o cabo Ivan Silva pela morte de Fabio Oliveira Ferreira; segundo MP, policiais mataram vítima rendida e apagaram imagens de câmera de segurança

Câmera de residência de morador localizada em frente ao ponto em que Fabio Oliveira foi abordado e morto por PMs. Segundo MPSP, policiais apagaram imagens do momento da ação | Foto: reprodução/MPSP

As investigações de três das 28 mortes na Operação Escudo, ocorridas entre julho e agosto de 2023 na Baixada Santista, resultaram até agora em denúncias envolvendo seis policiais da Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), força especial da PM paulista. A denúncia mais recente, no dia 15 de julho, atingiu o primeiro oficial do batalhão, responsável por coordenar a operação na Baixada Santista, o capitão Marcos Correa de Moraes Verardino.

Leia a cobertura da Ponte sobre a Operação Escudo

Verardino e o cabo Ivan Pereira da Silva foram acusados pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) de matar Fabio Oliveira Ferreira, 40 anos, quando ele já estava rendido, no dia 28 de julho, no bairro Vicente de Carvalho, no Guarujá. A morte aconteceu um dia depois de o soldado Patrick Bastos Reis, também da Rota, ter sido assassinado durante patrulhamento na cidade — fato que deu origem à Operação Escudo na região.

De acordo com o MPSP, os PMs patrulhavam o bairro, sem utilizar câmeras nas fardas, quando avistaram Fabio, que caminhava a pé na rua Albino Masques Nabeto. Ele teria sido abordado, segundo os policiais, porque estaria com um volume na cintura e logo se rendeu, levantando as mãos para cima.

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Os promotores afirmam que, apesar de a vítima estar rendida, o capitão Verardino deu três tiros de fuzil contra Fabio, que o atingiram no tórax e na mão direita. O cabo Silva ainda deu mais dois tiros de pistola contra ele já estava caído no chão. Parte da ação foi filmada por uma testemunha.

Os policiais também são suspeitos de terem apagado as imagens das câmeras de segurança instaladas em uma casa em frente ao local em que Fabio foi baleado. Segundo a denúncia dos promotores, os policiais entraram na casa, retiraram os equipamentos de armazenamento das filmagens e, quando devolveram os aparelhos, vinte minutos depois, as imagens da violência haviam desaparecido, embora as câmeras estivessem funcionando regularmente.

Os policiais não preservaram o local do crime, uma vez que houve fluxo de PMs sem isolamento e a perícia apreendeu apenas duas cápsulas de fuzil e duas de pistola, sendo que não foi encontrada a terceira de fuzil disparada pelo capitão.

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Os promotores Marcio Leandro Figueroa, Raissa Nunes de Barros Maximiliano, Daniel Magalhães Albuquerque Silva e Francine Pereira Sanches acusaram a dupla por homicídio qualificado, com recurso que dificultou a defesa da vítima, e pediram o afastamento das funções dos policiais.

O juiz Thomaz Correa Farqui, da 3ª Vara Criminal do Guarujá, acatou os pedidos do MP. O magistrado considerou a ação um “crime gravíssimo” e que existem indícios suficientes de que os policiais se valeram de seus cargos e armas do Estado para agir como “perigosos criminosos”. Ele entendeu que o afastamento das atividades é necessário pois eles podem “investir contra outras vítimas” e atrapalhar a investigação.

À Ponte, a assessoria de imprensa Secretaria da Segurança Pública (SSP) do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) confirmou o afastamento dos PMs e disse que não comenta decisões judiciais. A reportagem não localizou possíveis defensores dos PMs.

Além do capitão e do cabo, em abril deste ano o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) também tornou réus o sargento Rafael Perestrelo Trogillo e o cabo Rubem Pinto Santos pela morte de Jefferson Junior Ramos Diogo, 34, que vivia em situação de rua no centro da capital paulista, mas apareceu morto na Favela da Prainha, no Guarujá, em 28 de julho de 2023. A promotoria sustenta que os PMs “plantaram” uma arma no local do crime e mexeram nas câmeras das fardas que usavam para dificultar o registro da ação.

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Acusação parecida também recaiu contra o sargento Eduardo Freitas de Araújo e o soldado Augusto Vinicius Santos de Oliveira, pela morte de Rogério de Andrade Jesus, 50, também no Guarujá, em 30 de julho de 2023, no segundo dia da Operação Escudo. De acordo com o MPSP, Eduardo Araujo disparou contra Rogério e Augusto Oliveira o auxiliou ao “obstruir sua câmera operacional portátil (COP) para que nada fosse filmado e em forjar a existência de uma arma de fogo que estaria na posse da vítima”.

Todos os quatro também foram afastados do trabalho nas ruas por decisão do tribunal.

A Operação Escudo, que se desencadeou entre julho e setembro de 2023, durou 40 dias. Em meio às 28 mortes da operação, moradores denunciaram execuções, tortura, ameaças, invasões e derrubada de casas pela Operação, conforme  relatório preliminar do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), que é vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania. Houve ainda denúncia internacional de organizações ao Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) por duas vezes, celebração de policiais pelas mortes, protestos encabeçados por movimentos sociais pedindo o fim da operação e prisões de pessoas majoritariamente negras sem antecedentes que não cometeram crimes violentos.

Instituídas pelo governador Tarcísio de Freitas e pelo secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite, em reação às mortes de policiais, as Operações Escudo são consideradas ações organizada de vingança, criticadas por moradores de bairros pobres e por ativistas de direitos humanos pelas práticas de execuções, torturas e ameaças.

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O mesmo modus operandi foi observado durante a Operação Verão, que aconteceu entre dezembro de 2023 e abril de 2024. Três PMs foram mortos no litoral e a violência aumentou quando o soldado Samuel Cosmo, da Rota, foi assassinado em 2 fevereiro de 2024, em Santos, quando estava em serviço. Logo após o assassinato de Cosmo, policiais da Rota mataram 17 pessoas em um único mês. A Secretaria da Segurança Pública divulgou um número de 56 mortos nessas ações, mas na região da Baixada Santista, no período, foram mais de 80 boletins de ocorrência só de mortes decorrentes de intervenção policial, como a Ponte mostrou.

Na ocasião, o governador Tarcísio de Freitas menosprezou as denúncias e defendeu as operações. “Sinceramente, nós temos muita tranquilidade com o que está sendo feito. E aí o pessoal pode ir na ONU, pode ir na Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não tô nem aí”, declarou na época.

Ponte ouviu familiares que contaram as histórias de parte dessas vítimas nessa região: Hildebrando Simão Neto, 24, e Davi Gonçalves Júnior, 20, que tiveram a casa invadida por PMs quando esperavam o café; José Marques Nunes da Silva, 45, que foi abordado quando voltava para casa após um dia de trabalho como catador de latinhas;  Leonel Santos, 36, e Jefferson Miranda, 37, que eram amigos de infância e foram baleados após se encontraram na rua depois que Leonel tinha ido a uma pizzaria; o pedreiro Alex Macedo de Paiva Almeida, 30, que foi morto dentro de casa, que teria sido lavada diante de PMs antes de a perícia chegar.

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