Vídeo mostra Guarda Civil Metropolitana jogando spray de pimenta em espaço para população de rua na zona leste de SP; ‘Disseram: ‘vamos dar um fim nesse padre’ e ameaçaram voltar’, afirma Júlio
Truculência, spray de pimenta em ambiente fechado, balas de borracha, armas de choque e cuspe no rosto de um padre. Este é o relato de Julio Lancellotti, vigário episcopal para a população de rua da Arquidiocese de São Paulo, sobre uma ação da GCM (Guarda Civil Metropolitana) de São Paulo ocorrido no Centro Comunitário São Martinho de Lima, um espaço para a população em situação de rua na Mooca, zona leste da capital paulista. Além do cuspe, Padre Júlio afirma ter sido ameaçado pelos guardas.
A violência teve início quando os guardas faziam uma ação de “rapa”, em que retiram pertences das pessoas. Entre os itens estavam papelões e recicláveis, que as pessoas vendem para sobreviver.
“Pegaram o trabalho de reciclado e eles reagiram, foi quando a GCM usou muita truculência: bomba de gás, bala de borracha com aquela espingarda de calibre 12 e armas taser de choque”, conta o padre. “Eles cuspiram em mim, deram soco no estômago, empurraram com o escudo, me xingaram e jogaram gás de pimenta e cuspiram no meu rosto. Falavam que a culpa era ‘desse padre de merda'”, continua. É possível ver moradores de rua machucados em um vídeo feito ao fim da ação.
Segundo Júlio, algumas das pessoas que são atendidas no local ficaram feridas e outras tiveram convulsão, sendo atendidos pelos médicos do consultório de rua. A ação só terminou quando um jovem de nome Diego foi levado para o 6º DP (Cambuci). “Bateram muito nele e o trabalho reciclável dele foi recolhido”, explica.
A violência veio seguida de ameaças, conforme relata o religioso. “Eles fazem, me ameaçam muito. ‘Vamos dar um fim nesse padre’, falam que a culpa é minha, eu que faço confusão com ‘esses maloqueiros’. E ameaçaram voltar”, conta Júlio. “É grande a violência com a população de rua, que está aumentado muito e não tem respostas nem auxilio do Estado”, completa.
Não é a primeira vez que Júlio é hostilizado. Aos 69 anos, dos quais quase 34 dedicados à causa dos moradores de rua e outros grupos marginalizados, o padre recebeu diversas ameaças de morte pelas redes sociais em março deste ano.
O pároco está acostumado com pressões, especialmente da administração municipal, que lida de maneira mais direta com a situação. Em maio de 2015, ainda na gestão de Fernando Haddad (PT), Lancellotti denunciou repressão e processo de “higienização social em decorrência da especulação imobiliária”. Em setembro do ano passado, já na gestão de João Doria (PSDB), Lancellotti voltou a denunciar a truculência com que a GCM (Guarda Civil Metropolitana) e PM estavam lidando com a população de rua na região da Sé, retirando pertences e promovendo agressões com spray de pimenta. No mês seguinte, Lancellotti voltou a criticar o prefeito tucano por causa da farinata, uma espécie de farinha com sobras de alimentos, anunciada às pressas e sem qualquer planejamento.
A Arquidiocese de São Paulo emitiu nota de repúdio sobre o caso, chamando de “violenta” a ação da guarda. “As agressões são tanto mais inaceitáveis por terem ocorrido dentro de um local destinado ao atendimento da própria população de rua, historicamente abandonada pelo poder público”, posicionou-se. “Lamentamos que a violência diariamente sofrida pelos moradores de rua se volte agora contra entidades e pessoas que tentam devolver o mínimo de dignidade a esses irmãos”, concluiu a nota.
Outro lado
Procurado pela reportagem, o comando da GCM de São Paulo explicou que “determinou a imediata e rigorosa apuração dos fatos”. A guarda apontou que a administração municipal cobra que não sejam retirados pertences de moradores em situação de rua, mas, por conta da ação, levou um homem “que participou das agressões” ao 6º DP.
“Segundo os guardas civis que estiveram no local, uma equipe da Subprefeitura da Mooca realizava trabalhos de zeladoria rotineira no local, quando foi hostilizada por moradores em situação de rua. Uma viatura da GCM que passava pelo local tentou impedir agressões, mas foi atacada com pedras, pedaços de pau e barras de ferro”, diz, apontando que um guarda foi atingido por uma pedra e sofreu um corte na cabeça e outros dois outros agentes “tiveram lesões leves e uma viatura foi danificada”. A GCM não comentou sobre as agressões e ameaças que teriam sido feitas ao padre Júlio.
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