Promotor pede reabertura do caso de menino de 10 anos morto pela PM e critica juíza

    Fernando Bolque afirma que juíza tem histórico de rejeitar denúncia contra PMs; Débora Faitarone já posou em evento público no quartel da Rota fazendo ‘arminha’ em apoio a Bolsonaro

    Protesto em frente ao Palácio dos Bandeirantes, na zona sul de SP, pede justiça no caso Ítalo | Foto: Fausto Salvadori/Ponte Jornalismo

    O promotor Fernando Bolque entrou com recurso da decisão que rejeitou a denúncia contra 5 policiais militares pela morte de Ítalo Ferreira de Jesus Siqueira, 10 anos, durante perseguição no Morumbi, bairro rico na zona sul de São Paulo. No final de agosto, Bolque havia denunciado os PMs Otávio de Marqui – que teria dado o disparo fatal – e Israel Renan Ribeiro da Silva por homicídio e fraude processual, e os outros três – Daniel Guedes Rodrigues, Lincoln Alves e Adriano (ainda sem identificação completa) – por fraude processual.

    Ítalo e um amigo de 11 anos furtaram um carro em um condomínio de alto padrão no dia 2 de junho de 2016. Policiais militares foram acionados, houve perseguição e Ítalo, que dirigia o Daihatsu modelo 1998, perdeu o controle e bateu em um automóvel, um ônibus e um caminhão. Ítalo foi baleado no olho esquerdo e morreu. O amigo sobreviveu, foi levado pelos policiais a dar uma volta de horas e chegou a ser obrigado a gravar um vídeo em que assumia a versão de que eles estavam armados e atiraram.

    Bolque quer que a juíza Débora Faitarone, que rejeitou a denúncia sob a justificativa de que os policiais agiram em legítima defesa, seja substituída por “suspeição” e por falta de “imparcialidade” para julgar o caso e que a decisão de rejeição seja excluída dos autos do processo. “Ela fez uma verdadeira sentença de mérito, o que é absolutamente indevido. Ao analisar o mérito, ela se antecipou sem deixar que os jurados façam isso. Isso pode influenciar os jurados quando eventualmente houver o julgamento. Por isso pedi que o Tribunal determine a retirada dos autos dessa decisão de rejeição”, explicou o promotor à Ponte.

    Bolque tem convicção da culpabilidade dos policiais e ressalta que houve manipulação da cena do crime. Assim como fez a Ponte em reportagem do dia 5 de setembro deste ano, o promotor Fernando Bolque recuperou casos em que a juíza Débora Faitarone rejeitou denúncia de crimes envolvendo policiais militares. “Não posso dizer isso [que ela protege PM], mas o que ficou bem claro no processo, na minha manifestação, é que em casos específicos envolvendo policiais militares, ela tem uma certa tendência a rejeitar”, afirmou Bolque.

    2016-06-03 Caramante
    Corpo do menino Ítalo de apenas 10 anos dentro do carro que ele e o colega furtaram

    Na decisão sobre o caso Ítalo, de setembro deste ano, Débora chegou a atacar entidades de direitos humanos por não “preservarem” direitos dos policiais e “só acompanharem os processos de crimes dolosos contra a vida quando os réus são policiais militares”, escreveu. “Seria uma negação do Estado aos direitos humanos dos policiais, os quais, mataram sim, mas em combate, em situação de legítima defesa própria, de terceiros e também no estrito cumprimento do dever legal”, sustentou no texto.

    Um dos processos citados por Bolque foi a absolvição dos 5 PMs acusados de matar os pichadores Alex Dalla Vechia Costa e Ailton dos Santos em julho de 2014, sob o argumento de legítima defesa. O outro caso é o o assassinato de Rafael Carvalho de Oliveira, em 2 de janeiro de 2013. Um detalhe é que o PM Danilo Keity Matsuoka aparece como acusado nos dois casos, ambos ocorridos na mesma região de São Paulo, no bairro da Mooca.

    Sobre a “ofensa ao princípio do juiz natural”, Bolque explica que Marcela Raia de Santana foi a magistrada responsável pelo caso e deveria, portanto, acompanhá-lo até o fim, segundo resolução do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

    “Isto demonstra, salvo melhor juízo e data máxima vênia, que não há imparcialidade na decisão da eminente magistrada ao rejeitar a denúncia. Pelo contrário: em outros casos análogos, envolvendo também policiais militares, a mesma magistrada também tem, de forma sistêmica, impronunciado os réus sob o mesmo argumento: legítima defesa por parte dos mesmo”, escreve o promotor em outro trecho do recurso.

    “A ilegalidade é o seguinte: quando o promotor oferece uma denúncia, ele se vale de um inquérito policial. O juiz tem duas opções: ou ele aceita a denúncia e manda processar ou ele rejeita a denúncia. As hipóteses de rejeição estão lá no Código de Processo Penal. Ilegalidade porque não existe motivo pra rejeitar, visto que houve profunda exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação dos acusados, a classificação dos crimes praticados e a apresentação do rol de testemunhas. [A magistrada] analisou o mérito sem que eu tivesse chance de provar o que eu mostrava na denúncia”, analisa.

    Em outubro deste ano, logo após o primeiro turno, durante agenda do então candidato ao governo de São Paulo pelo PSB, Márcio França, na Rota (Rondas Ostensivas Tobias Aguiar), a juíza Débora Faitarone posa ao lado do senador eleito Major Olímpio fazendo sinal de arminha com as mãos, como mostrou imagem da reportagem do UOL. O símbolo ficou bastante conhecido entre apoiadores do presidente eleito Jair Bolsonaro.

    A reportagem da Ponte procurou o Tribunal de Justiça de São Paulo através da assessoria de imprensa para questionar a juíza Débora Faitarone sobre os apontamentos da promotoria, bem como dar a ela o direito de resposta às críticas. Em nota, o TJ informou que “os magistrados não podem se manifestar porque são vedados pela Lei Orgânica da Magistratura”.

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