Lei pretende assegurar ao eleitor o pleno direito ao voto, ainda que exista contra ele um mandado de prisão; texto criado durante governo Getúlio Vargas em 1932 foi pouco modificado em 88 anos
Há um período no Brasil em que é possível prender pessoas apenas quando há crimes cometidos em flagrante ou se elas são condenadas por um crime inafiançável. Isso ocorre no período eleitoral e vem desde a década de 1930, quando o país ainda era chamado “Republica dos Estados Unidos do Brasil”. É uma forma de assegurar o direito ao voto, mesmo que a pessoa tenha pendências na Justiça.
O intervalo envolve os cinco dias antes e período de 48 horas após o encerramento do pleito, conforme determinado na Lei nº 4.737, de 1965. A regra também é conhecida como Código Eleitoral. As regras para prisão estão no artigo 236, em que detalha o flagrante como a única razão para que uma pessoa seja presa por cometer um crime comum sem ter passado por um julgamento.
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Outro motivo é desrespeitar a liberdade de voto de outra pessoa, o chamado salvo-conduto. Esta prática também seria um delito em flagrante por atingir um direito de outra pessoa assegurado pela Constituição.
Conforme explica a advogada Ana Clarice de Sá na Revista de Informação Legislativa do Senado, o salvo-conduto é um documento expedido para eleitores alvo ou na iminência de sofrerem algum tipo de violação. Sua função é “proteger essa garantia eleitoral”, diz.
O terceiro e último motivo para se prender uma pessoa nesta semana eleitoral é se ela tem uma condenação por crimes inafiançáveis e está solta, sendo considerada foragida pela Justiça. Somente depois de uma sentença contrária é que aquela pessoa poderá ser presa.
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O senador Paulo Paim (PT/RS) participou da manutenção da lei em 1988, quando o país criou a Constituição vigente hoje em dia. Para ele, à época deputado constituinte, a lei tem uma finalidade clara: proteger o direito da pessoa votar.
Paim cita a o decreto nº 21.076, de 24 de fevereiro de 1932, do então presidente Getúlio Vargas, como a primeira lei que impede a prisão de eleitores. Ele surge para combater o voto de cabresto, existente na República Velha (entre 1889 e 1930), uma ferramenta de controle do voto.
Durante o período incial da república brasileira, o voto não era secreto, e patrões e coronéis que controlavam determinadas regiões se usavam de abuso de autoridade, compra de votos ou uso da máquina pública para determinar em qual candidato as pessoas deviam votar. Caso não votassem, as retaliações aconteciam.
O artigo 98 do decreto de Vargas é usado como base da lei atual e define, entre outras coisas, que será feriado nacional no dia da eleição. O texto ainda determina o período de cinco dias antes das eleições como prazo para que não aconteçam estas prisões. Vargas instituiu como período depois do pleito era de 24 horas sem as prisões de eleitores, prazo ampliado para 48 horas após o fim da votação na lei de 1965.
“[O decreto] Permaneceu na Lei 4737/1965 e convive com as regras constitucionais atuais”, explica, detalhando que ela também vale para candidatos para “não deixar margem para perseguições e a sua exclusão do pleito eleitoral”.
Apesar de prosseguir de 1965 em diante, a lei teve pouca efetividade na ditadura. Não houve eleições diretas para presidente da República, com escolha indireta, mas aconteciam votações diretas para os cargos legislativos entre apenas dois partidos: Arena, que apoiava o governo ditatorial, e MDB (Movimento Democrático Brasileiro), de oposição. Além disso, decretos como o Ato Institucional Número 5 (AI-5) permitiam a cassação de políticos sem por parte do Executivo militarizado. A lei volta, com valor pleno, com a Constituição de 1988 e eleições presidenciais diretas.
“Essa vedação integra um conjunto de regras que tem por objetivo proteger o sufrágio. Busca-se coibir o cumprimento de prisão cautelares no curso de investigação, que poderia influenciar ou impedir o voto. A garantia de não ser preso neste período é extensiva aos candidatos, não deixando margem para perseguições e a sua exclusão do pleito eleitoral.”
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O professor de direito constitucional do Mackenzie Humberto Barrionuevo Fabretti defende a lei. Para ele, ainda que seja um texto herdado do início do período ditatorial, assegura um direito fundamental.
Fabretti define a intenção como “legítima” de permitir que um eleitor vote sem que tema ser preso ao exercer sua função como cidadão. Ele cita a prisão preventiva (que pode ser determinada por um juiz antes do julgamento final de um caso e de seus recursos) como exemplo.
“A participação popular fica acima de se cumprir um mandado de prisão. A ideia é impedir que um policial fique do lado da urna para cumprir uma prisão preventiva”, diz.
O professor não vê a lei como uma forma de manter a impunidade. Explica ser um período específico em que as prisões preventivas não podem ser feitas, mas qualquer mandado será cumprido posteriormente e todo crime será investigado.
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“Quem não faz um jornalismo sério coloca isso como impunidade. Não tem nada disso! O processo está igual”, defende o constitucionalista, citando que as pessoas serão punidas futuramente. “Se o juiz considerar necessária, não vai revogar a prisão. A polícia vai e bate na porta dele dois dias depois e ele vai preso”.
Ele cita como exemplo o microempresário José Maria da Costa Júnior, suspeito de atropelar e matar a ciclista Marina Kohler Harkot na cidade de São Paulo. O crime aconteceu no domingo (8/10) e o homem fugiu.
Dois dias depois, Júnior se apresentou no 14º DP (Pinheiros) e prestou depoimento. Como não havia possibilidade de flagrante, ele não ficou preso preventivamente e foi liberado pela Polícia Civil.
O professor Humberto afirma que tudo seguiu a lei. “Eu, se fosse o advogado, faria a estratégia que fez: em apresento, faço um depoimento, dou a versão e correria para revogar a prisão”, explica, dizendo que a semana eleitoral dá tempo para o defensor buscar um habeas corpus para ele responder em liberdade.
Segundo ele, a lei deixa o cidadão com plena liberdade para exercer o direito ao voto. “É uma medida salutar, boa para a democracia. Mostra que há uma preocupação do legislador em que as pessoas vão votar. É um estímulo”, diz.
A Ponte questionou o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e o TRE (Tribunal Regional Eleitoral) de São Paulo para explicações de como é feito o controle da aplicação da lei nº 4.737, de 1965. No entanto, nenhum dos tribunais respondeu.
[…] A Ponte questionou o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e o TRE (Tribunal Regional Eleitoral) de São Paulo para explicações de como é feito o controle da aplicação da lei nº 4.737, de 1965. No entanto, nenhum dos tribunais respondeu. Com informações da PonteJornalismo […]