Novo julgamento da chacina de Osasco começa com vigília de familiares em frente ao Fórum

Quase seis anos após a morte de 23 pessoas, ex-PM e GCM que tiveram suas sentenças anuladas voltaram a julgamento nesta segunda (22). “Nessa noite eu não dormi, sinto uma angústia”, diz mãe de uma das vítimas

As mães de Osasco, Aparecida Gomes da Silva Assunção, Maria José de Lima Silva e Rosa Maria Francisca apoiadora das mães. Foto: Beatriz Drague Ramos/ Ponte Jornalismo.

O novo julgamento do ex-PM Victor Cristilder Silva dos Santos, 37 anos, e do Guarda Civil Municipal (GCM) de Barueri Sérgio Manhanhã, 48 anos, teve início por volta das 10h da manhã desta segunda-feira (22), no Fórum Criminal de Osasco, na região metropolitana de São Paulo. 

Na rua em frente ao Fórum, apoiadores concentraram-se desde o início da manhã para realizar uma vigília que terá duração até o resultado do julgamento.

Os apoiadores de Manhanhã não quiseram falar com a reportagem | Foto: Beatriz Drague Ramos/ Ponte Jornalismo

De um lado da calçada, faixas estendidas nos postes de luz por defensores do GCM Sérgio Manhanhã dizia “Sérgio Manhanhã também é vítima. Inocente preso”. Do outro lado da rua, o cartaz das Mães de Osasco: “5 anos da chacina de Osasco e Barueri. Exigimos justiça para os assassinados em 13 de agosto de 2015. Vidas negras importam”. Os apoiadores de Manhanhã não quiseram falar com a reportagem. 

O processo, que já tem cerca de 20 mil páginas, será apreciado em ao menos quatro dias. Cristilder e Manhanhã são acusados de matar a tiros 17 pessoas e ter baleado e ferido outras sete em 13 de agosto de 2015 em Barueri e Osasco. Os dois alegam inocência, mas estão presos preventivamente. Esses crimes estariam conectados a seis outras mortes ocorridas no dia 8 de agosto do mesmo ano.

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Em agosto de 2019, o Tribunal de Justiça anulou as sentenças de 119 anos, 4 meses e 4 dias de Cristilder e a de 100 anos e 10 meses de Manhanhã, alegando que as provas usadas pela acusação são insuficientes para confirmar a sua participação na chacina. Também naquele ano, Cristilder, Eleutério e Henklain foram expulsos dos quadros da Polícia Militar do Estado de São Paulo. 

Maria José de Lima Silva, 55 anos, empregada doméstica, avó e mãe de Rodrigo Lima da Silva, apontou a importância da punição para que outros jovens não sejam mais assassinados. “Nessa noite eu não dormi, estou me sentindo péssima, estou com uma angústia, um aperto. Espero que seja tudo resolvido essa semana, que eles continuem presos e paguem pelo o que fizeram com os nossos filhos e com as nossas vidas. Queremos justiça, essa semana está sendo muito triste”.

Aparecida Gomes da Silva Assunção, 59 anos, mãe de Leandro Pereira Assunção e Maria José de Lima Silva, 55 anos, mãe de Rodrigo Lima da Silva | Foto: Beatriz Drague Ramos/ Ponte Jornalismo.

Aparecida Gomes da Silva Assunção, 59 anos, mãe de Leandro Pereira Assunção, assassinado aos 36 anos, acredita que a luta vai além das famílias das vítimas. “Esperamos algum resultado, não foram só nossos filhos que morreram. Cada dia que passa eles [a PM] chegam, atiram nas pessoas de dentro do carro. Continuam, continuam matando, é um recado para a polícia de que nós, mães, lutamos pelos nossos filhos. Eles não são pessoas qualquer”. 

O novo júri popular do ex-PM e do GCM não terá a presença da plateia ou da imprensa, por causa da pandemia de coronavírus. Entre acusação e defesa, 20 testemunhas deverão ser ouvidas, segundo o Ministério Público. Os acusados serão interrogados por último. Sete jurados vão decidir se condenam ou absolvem os réus. Participam do julgamento o Ministério Público e os advogados de defesa, e a juíza Elia Kinosita Bulman dará a sentença final.

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Em frente ao Fórum, o promotor Marcelo Alexandre de Oliveira apontou que o julgamento representa uma resposta à população de Osasco. “Mais de 20 famílias foram destroçadas, em um ato covarde. Uma menina de 16 anos foi morta sem motivo nenhum, tinha gente que não tinha antecedente criminal nenhum. Meninos estavam comendo um pão no bar. Essas pessoas que foram mortas não têm dinheiro, não podem frequentar um bar de Moema, ou um bar da Vila Madalena. Foi um ato de covardia imenso. A Justiça precisa dar uma resposta para essas famílias e precisa dar o recado para Osasco que a Justiça não vai mais tolerar isso”. 

Ele ainda explicou que este é o último julgamento dos dois agentes em júri popular. “Essa decisão que sair daqui, seja em um sentido, seja em outro, não cabe mais recurso, é a última chance deles. Foi um recado do tribunal, porque inusitadamente, mesmo considerando que a condenação dos dois era manifestamente contrária à prova dos autos, o tribunal não revogou a prisão deles, o que ocorre em 99% dos casos em que o tribunal reconhece isso. A primeira coisa que o tribunal faz é soltar as pessoas, ninguém soltou. O recado que se extrai é que estão dando uma segunda chance, para que outros sete jurados analisem as provas”. 

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Durante o intervalo do julgamento, o advogado de Cristilder e Sérgio, João Carlos Campanini, disse que os acusados são inocentes pois não se conheciam e que a perícia balística mostrou que Cristilder não matou nem em Carapicuíba e nem em Osasco. “Eles não têm o telefone um do outro na agenda telefônica, uma coisa tão grave desse jeito, sair para cometer chacina e nem se conhecer? No último julgamento, a Justiça entendeu que os jurados erraram e condenaram de maneira contrária à prova dos autos, por isso eles estão novamente em julgamento. Trouxemos a questão da balística que comprovou que na verdade a mesma arma que matou em Carapicuíba, não matou em Osasco, no caso de Victor”.

De acordo com Fernanda Matsuda, 40 anos, advogada e professora da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), o entendimento de que os dois não se conheciam não procede. “Isso não procede. Na denúncia há menção a trocas de mensagens de Whatsapp entre Victor e Sérgio, que foram apagadas mas recuperadas pela Polícia Civil”. 

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Além desses dois réus julgados nesta semana, os ex-PMs Fabrício Eleutério e Thiago Henklain foram condenados em setembro de 2017 a cumprir 255 anos, 7 meses e 10 dias; e a 247 anos, 7 meses e 10 dias de prisão, respectivamente.

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