‘Tenho medo que caia no esquecimento’, diz mãe de vítima da maior chacina de SP

    Há 4 anos, 23 pessoas foram mortas em Osasco e Barueri, na Grande SP; em julho, PM e guarda civil tiveram condenação anulada

    Mães e familiares das vítimas seguram faixa em memória dos mortos | Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo

    Todo dia 13 de agosto é a mesma coisa: o coração de Zilda Maria de Paula, Maria José Lima da Silva, Rosa Correia e Aparecida Gomes da Silva Assunção fica apertado. Elas são mães que perderam seus filhos na Chacina de Osasco, a maior da história de São Paulo, quando 23 pessoas foram mortas nos dias 8 e 13 de agosto de 2015. Desde então, a vida dessas mulheres passou a ser uma eterna luta por justiça.

    “Difícil ser diferente”, comenta Rosa. “Nos outros anos até estava bem, mas nesse acordei me sentindo mal, esquisita, um aperto. Nunca será a mesma coisa”, completa. Segundo ela, a impunidade para o assassinato de seu filho Wilker Osório está certa. “Não acontece nada com eles [matadores]. Vão sair na rua e continuar matando”.

    Essa sensação sempre esteve presente na vida dessas mães, mas ficou pior desde a anulação das penas de dois dos quatro agentes do Estado, no mês passado, até então condenados pela matança: o policial militar Victor Cristilder e o guarda civil municipal Sérgio Manhanhã. Em decisão no dia 24 de julho, o TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) considerou que as provas que decretaram as penas de 119 e 100 anos, nesta ordem, não eram válidas e definiu que a dupla terá direito a um novo julgamento. A principal prova considerada na sentença de condenação seria uma troca de mensagens por WhatsApp.

    “Eu nunca senti que houve justiça, nem antes dessa anulação. Os julgamentos condenaram os quatro, mas e os outros? Temos certeza que não foram só eles que mataram, outros agiram junto”, afirma Aparecida, mãe de Leandro Pereira Assunção. Pela primeira vez, o dia 13 de agosto foi marcado por um protesto no centro de Osasco. Nos outros anos, as mães escolheram a Avenida Paulista para relembrar da morte dos filhos. Desta vez, optaram por ficar mais perto de suas casas.

    “Costumo dizer que as lágrimas secam, mas não acabam”, diz Zilda, uma das referências na luta das Mães de Osasco. Ela perdeu seu único filho, Fernando Luís de Paula, na chacina. Abandonada pelos pais adotivos aos 8 anos de idade, quando, segundo eles, ela já “poderia se virar”, a mulher passou por cinco abortos espontâneos antes de ter o único filho, levado pela violência.

    Zilda costuma dizer que a vida é para os quatro cachorros que tem em casa. No entanto, a prática mostra que, junto com outras mães, ela decidiu fazer a memória de seus garotos não morrer. “Meu principal medo é cair no esquecimento. Olha só quanta gente está aqui”, destaca Rosa, que junto com as companheiras de luta empunhava cartazes e faixas com fotos e nomes dos filhos. Cerca de 15 pessoas próximas das vítimas acompanharam a caminhada. “É impunidade certa para eles. As pessoas esquecem”, emenda.

    Relembre o caso

    No dia 13 de agosto de 2013, uma série de ataques em Osasco deixou 19 mortos na cidade. Sorveterias, bares e bombonieres foram alvos de tiros, disparados por homens encapuzados em carros.

    As vítimas foram Rodrigo Lima da Silva, Joseval Amaral Silva, Deivison Lopes Ferreira, Eduardo Bernardino Cesar, Antônio Neves Neto, Letícia Hildebrand da Silva, Adalberto Brito da Costa, Thiago Marcos Damas, Presley Santos Gonçalves, Igor Oliveira, Manuel dos Santos, Fernando Luiz de Paula, Eduardo Oliveira Santos, Wilker Thiago Corrêa Osório, Leandro Pereira Assunção, Rafael Nunes de Oliveira, Jailton Vieira da Silva, Tiago Teixeira de Souza e Jonas dos Santos Soares.

    Cinco dias antes, ataques semelhantes aconteceram nas cidades vizinhas Barueri e Carapicuíba e deixaram 4 mortos.

    Em setembro de 2017, os policiais militares Fabrício Eleutério e Thiago Henklain e o guarda civil municipal Sérgio Manhanhã foram condenados pela chacina. Fabrício pegou 255 anos, 7 meses e 10 dias; Thiago, 247 anos, 7 meses e 10 dias; Sergio, 100 anos e 10 meses.  

    O trio foi julgado por 17 dos 23 assassinatos ocorridos entre os dias 8 e 13 daquele mês. Na ocasião, chamou a atenção a emoção com que a juíza Elia Bullman se voltou aos jurados antes de ler a sentença. “A missão dos senhores foi muito bem cumprida, podem ter certeza disso. Nós trabalhamos com a dor, dor da perda. Perda de uma vida igual a minha”, disse a juíza.

    O quarto acusado, o policial militar Victor Cristilder, foi julgado separadamente, em março do ano passado, e condenado a 119 anos de prisão. No mês passado, foi justamente Cristilder e o guarda civil Sérgio Manhanhã que tiveram as condenações anuladas e passarão por novo julgamento ainda a ser definido. Os PMs Fabrício Eleutério e Thiago Henklain tiveram recurso da defesa negado pelo TJ na sessão que definiu a nova análise para Cristilder e Manhanhã.

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