Justiça anula condenações de dois réus da chacina de Osasco, a maior da história de SP

    Tribunal de Justiça determina novos julgamentos para o ex-PM Victor Cristilder e o guarda Sérgio Manhanhã; as penas para outros dois réus condenados pelo crime foram mantidas

    Parentes de vítimas da chacina protestam diante da sede do Tribunal de Justiça de SP, na Sé | Foto: Arthur Stabile/Ponte

    O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo decidiu nesta quarta-feira (24/7) por unanimidade determinar novos julgamentos para dois dos quatro réus condenados pela chacina de Osasco e Barueri, a maior da história de São Paulo, que deixou 23 mortos em agosto de 2015. Ainda não se tem uma data prevista para a realização dos novos júris populares.

    Os desembargadores da 7ª Vara Criminal do TJ-SP determinaram que o ex-policial militar Victor Cristilder e o guarda civil municipal Sérgio Manhanhã devem ser submetidos a um novo julgamento, mas mantiveram as penas dos outros réus, os ex-PMs Fabrício Eleutério e Thiago Henklain.

    Segundo os magistrados, as provas usadas para ligar Cristilder e Manhanhã são insuficientes para cravar sua participação na chacina, como a troca de joinhas que ambos trocaram pelo aplicativo WhatsApp, ação indicaria o início e o fim dos ataques. Já para Henklain e Eleutério, os desembargadores consideraram que as provas que basearam as condenações apontam corretamente para suas respectivas culpas.

    Os quatro haviam sido condenados a cumprir mais de 700 anos de prisão por participação na maior chacina da história de São Paulo. Entre 8 e 13 de agosto de 2015, 23 pessoas foram assassinadas nas cidades de Osasco, Itapevi, Barueri e Carapicuíba, na Grande São Paulo.

    As decisões fazem com que as famílias das vítimas fiquem metade felizes e metade tristes, como descreveram à Ponte. “Aceitamos, né?! O importante para nós é que eles perderam a farda porque eles se escondem atrás da farda. Vocês precisam ver a violência que eles usam. À paisana, eles não vão a lugar nenhum e, infelizmente, eles sujam a farda. Não sei o que podem virar mais tarde, mas é um poder que tira da mão deles”, comentou Zilda Maria de Paula, mãe de Fernando Luís de Paula, citando a recente expulsão dos três PMs do quadro da corporação.

    Questionada se estará no próximo julgamento, explicou que “é a luta que eu tenho, enquanto estiver viva, não vou parar”. Um sentimento compartilhado por Rosa Correia, mãe de Wilker Osório, e Maria José de Lima Souza, mãe de Rodrigode Lima da Silva, outras duas vítimas dos ataques. “Preferia mil vezes que meu filho estivesse preso do que morto. Elas estão levando coisas para eles comerem, nós, se fomos visitar é uma lápide”, lamentou-se Maria, ao comentar sobre os risos que viu em direção a elas por parte de familiares dos ex-PMs.

    Desembargadores da 7ª Vara Criminal reunidos hoje em sala do Tribunal de Justiça, na Sé, região central de SP | Foto: Arthur Stabile/Ponte

    Apesar da decisão favorável, tanto o PM Cristilder como o GCM Manhanhã permanecem presos, o que gera estranhamento das defesas. “Sempre que o Tribunal de Justiça anula o júri, põe o acusado em liberdade. Não entendi de fato o que aconteceu nesse caso, mas vou buscar sim a liberdade do Victor”, explicou o defensor João Carlos Campanini, que comemorou. “Finalmente a Justiça foi feita, as pessoas levam o que a gente vem pregando no deserto há quase quatro anos. Eles leram, só precisava ler. São 30 mil folhas, ninguém queria ver. Graças a Deus eles leram e anularam essa injusta condenação, diz o defensor.

    Para o advogado de Manhanhã, Abelardo Julio da Rocha, o julgamento do TJ reconheceu que o júri feito em Osasco em 2017 “não reconheceu normas mínimas do processo penal brasileiro. Nós tivemos um julgamento que, como rolo compreensor, atropelo todas as prerrogativas do réu e ignorou a prova dos autos”, diz. Já Flávia Artilheiro e Nilton Vivan, que representam Fabrício Eleutério, apontam que “ganharam elementos” para recorrer em Brasília em instâncias superiores, mesma atitude que tomará Fernando Capano, defensor de Thiago Henklain.

    A defesa dos policiais e do guarda argumentou no recurso apresentado ao TJ-SP que as provas usadas para condenar seus clientes eram frágeis. A defesa buscava tanto inocentar os agentes como buscar sua reintegração à Polícia Militar e à Guarda Civil Municipal. No entanto, os desembargadores Otávio Rocha, relator do caso, Reinaldo Cintra e Fernando Simão decidiram por unanimidade manter as condenações de Henklain e Eleutério, enquanto a mesma decisão valeu para o novo julgamento de Cristilder e Manhanhã. A alegação de Rocha é a de que existe dúvida nas provas que ligam os dois aos crimes. Os demais magistrados votaram com ele.

    Zilda Maria, mãe de um dos mortos da chacina, e outros parentes de vítimas protestam diante do Tribunal de Justiça | Foto: Arthur Stabile/Ponte

    Representando o MP (Ministério Público), o procurador Maurício Ribeiro Lopes conseguiu em seu voto manter no processo uma prova usada como base para a condenação de Cristilder e Manhanhã: uma troca de mensagens por WhatsApp entre ambos. Sua base foi uma decisão do ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), em que define mensagens pelo aplicativo como provas que não precisam de decisão judicial para serem captadas. A acusação aponta que essa comunicação entre o ex-PM e GCM deu aval para o início e indicou o fim dos ataques. De forma unânime, os desembargadores também optaram por considerar a prova válida.

    Segundo Lopes, não há como prever o resultado do próximo julgamento. “Cada júri é um júri. Nenhum dos jurados anteriores poderá participar do novo julgamento. Agora, minha bola de cristal está quebrada há bastante tempo, difícil fazer um prognóstico. Serão novos argumentos debatidos, de como as testemunhas se comportaram em frente aos jurados… Qualquer resultado é possível”, explica.

    Ocorreram dois julgamentos sobre a chacina de Osasco, o primeiro envolvendo Eleutério, Henklain e Manhanhã, realizado em setembro de 2017, e outro em março de 2018, apenas para julgar a participação de Cristilder nos ataques. Os réus foram condenados em ambos.

    A maior das chacinas

    A chacina de Osasco é a maior ocorrida na história de São Paulo. Entre os dias 8 e 13 de agosto de 2015, 23 pessoas foram mortas nas cidades de Osasco, Carapicuíba, Barueri e Itapevi, na Grande São Paulo. Seis homicídios aconteceram no dia 8 em Itapevi, Carapicuíba e Osasco, e, menos de uma semana depois, no dia 13, mais 17 vítimas morreram em ataques ocorridos em Osasco e Barueri.

    A chacina aconteceu em represália a dois crimes: o assassinato do PM Admilson Pereira de Oliveira, em 8 de agosto de 2015, e do GCM de Barueri Jeferson Luiz Rodrigues da Silva, cinco dias depois. Mensagens de Whatsapp foram fundamentais para ligar os acusados.

    Um primeiro julgamento aconteceu em 22 de setembro de 2017, terminando com a condenação dos policiais militares Fabrício Eleutério e Thiago Henklain e do GCM Sérgio Manhanhã a penas de 255 anos, 7 meses e 10 dias; 247 anos, 7 meses e 10 dias; e 100 anos e 10 meses, nesta ordem. Todos cumprem as penas em regime fechado por envolvimento em 17 dos 23 assassinatos.

    Um segundo júri ocorreu apenas para Victor Cristilder Silva dos Santos, cujo processo foi desmembrado na fase final do anterior por falta de documentos. Em 2 de março de 2018, Cristilder também acabou condenado pelas mortes, com pena de 119 anos, 4 meses e 4 dias de prisão. A principal prova usada para sua condenação foi uma troca de emoticons de positivo no Whatsapp, com o GCM Sérgio Manhanhã, responsável por determinar onde as viaturas da guarda local rondariam naqueles dias.

    PM Victor Cristilder durante seu julgamento, em 2/3/18 | Foto: Arthur Stabile/Ponte

    Nesta segunda-feira (22/7), a Polícia Militar do Estado de São Paulo confirmou a expulsão de Cristilder, Eleutério e Henklain do quadro da corporação, conforme publicação no Diário Oficial do Estado de São Paulo. A defesa busca a anulação das sentenças e o reingresso dos policiais à PM.

    Foram mortos em Osasco Rodrigo Lima da Silva, Joseval Amaral Silva, Deivison Lopes Ferreira, Eduardo Bernardino Cesar, Antônio Neves Neto, Letícia Hildebrand da Silva, Adalberto Brito da Costa, Thiago Marcos Damas, Presley Santos Gonçalves, Igor Oliveira, Manuel dos Santos, Fernando Luiz de Paula, Eduardo Oliveira Santos, Wilker Thiago Corrêa Osório, Leandro Pereira Assunção, Rafael Nunes de Oliveira, Jailton Vieira da Silva, Tiago Teixeira de Souza e Jonas dos Santos Soares. Outras quatro pessoas morreram nas cidades vizinhas.

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