‘A PM deve uma resposta’, diz tia de Lucas, cinco meses após sua morte

    Adolescente de 14 anos sumiu depois de ser abordado pela Polícia Militar, segundo familiares; o corpo foi encontrado em um parque na Grande SP

    Lucas despareceu na madrugada da quarta-feira (13/11) | Foto: Paulo Eduardo Dias/Ponte Jornalismo

    “A Polícia Militar deve uma resposta sobre quem matou Lucas. Ele foi assassinado”. A declaração em tom de cobrança é feita por Isabel Daniela dos Santos, 34 anos, tia de Lucas Eduardo Martins dos Santos, que desapareceu e foi encontrado morto há cinco meses, em Santo André, na Grande São Paulo.

    O adolescente desapareceu nas primeiras horas do dia 13 de novembro após uma abordagem policial, segundo familiares. Naquela data, Lucas Eduardo havia saído de casa para comprar um refrigerante e um pacote de bolachas em uma quitanda dentro da Favela do Amor, na Vila Luzita, periferia da cidade do ABC paulista, comunidade em que vivia com a mãe, um irmão mais velho e a cunhada.

    O corpo do menino foi encontrado no dia 15 de novembro boiando em um lago no Parque Natural Municipal do Pedroso, a cerca de 10 quilômetros do local do desaparecimento. No entanto, devido ao estado do cadáver ao ser encontrado, o exame de DNA que confirmou sua identidade ficou pronto apenas no dia 28 do mesmo mês. Lucas Eduardo foi enterrado dois dias depois, sob forte comoção e na presença de dezenas de pessoas, no Cemitério Nossa Senhora do Carmo, na Vila Curuçá, em Santo André.

    Mesmo passado tanto tempo, a única informação fornecida pela polícia à família é de que o menino não sofreu agressões e morreu devido afogamento, conforme laudo divulgado pela Ponte ainda no ano passado.

    “Esses cinco meses da morte do Lucas têm sido angustiantes para toda família por falta de resposta. A Polícia Militar deve para a família uma resposta sobre quem matou o Lucas. Se não foi a PM, ela tem que mostrar quem matou o menino, ele não se afogou sozinho, ele foi assassinado. A Justiça deve uma resposta para família”, afirmou Isabel à Ponte.

    A mulher conta que a vida da família mudou muito com o fato, principalmente a sua, já que teve que deixar a comunidade por um tempo e ir viver em outra cidade devido ao medo de retaliação por parte da polícia. Isabel é uma das principais vozes de denúncia sobre o que aconteceu com seu sobrinho.

    Lucas Eduardo e sua mãe, Maria Marques | Foto: Arquivo pessoal

    Quem também sente saudades é a aposentada Maria do Carmo Martins dos Santos, 66 anos, avó de Lucas Eduardo. “Cinco meses se passaram, mas para mim são cinco dias. Eu nunca deixei de chorar pelo meu neto e não vou deixar. Eu amo meu neto, mesmo sabendo que ele não existe mais, que eles tiraram ele de mim. Infelizes e malditos”, completou.

    A idosa diz que busca em forças espirituais a vontade para obter justiça, já que sua idade avançada a atrapalha em alguns momentos para cobrar as autoridades. “Eu sou avó, eu já tenho idade, se eu fosse jovem eu já teria cobrado, mas infelizmente eu sou uma idosa, mas Deus vai cobrar. Aqui na terra eu quero que eles se vejam tão atormentados que eles mesmos se matem, é o que eles merecem”.

    Para a articuladora da Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, Marisa Feffermann, “o genocídio não é somente a morte física, mas também o esquecimento, a desconsideração, a falta de respeito. Justamente é isso que acontece no Brasil e especialmente em São Paulo com os jovens negros, como o caso do Lucas”.

    A psicóloga, que trabalha em um dos grupos mais atuantes na cobrança de esclarecimento de crimes cometidos pelo estado, ainda pontua que “se mata várias vezes quando não se dá nenhuma possibilidade de ser criança, não ter condições do direito de ir e vir. Se mata quando se mata, e quando se esquece”.

    A morte do estudante é investigada por ambas as polícias paulista. Através de um inquérito policial instaurado pelo Setor de Homicídios de Santo André, da Polícia Civil, e por um IPM (Inquérito Policial Militar) tocado pela Corregedoria da Polícia Militar. Ambos correm em segredo de Justiça, o que dificulta familiares terem acesso à apuração.

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    Suspeitos de terem participado da abordagem a Lucas Eduardo, os policiais militares Rodrigo Matos Viana e Lucas Lima Bispo dos Santos, ambos do 41º BPM/M (Batalhão de Polícia Militar Metropolitano), seguem afastados de suas funções operacionais, segundo a Secretaria de Segurança Pública de SP. Eles seguem recebendo salário, já que exercem funções administrativas.

    A dificuldade em se chegar aos culpados está, principalmente, na ausência de depoimentos de testemunhas que tenham presenciado o estudante ser abordado pela PM e colocado dentro do carro. Outro ponto é a falta de GPS na viatura que teria parado o menino dentro da favela. No início das investigações, chegou a ser coletado sangue na viatura M-41222 (prefixo anotado pela família do adolescente). O exame de DNA deu resultado positivo para sangue humano, mas inconclusivo se era de Lucas Eduardo.

    Dentre as muitas denúncias que já chegaram à polícia, uma delas pode ajudar a esclarecer o que aconteceu com adolescente. A denúncia anônima aponta que Lucas Eduardo teria sido abordado dentro da favela e levado até o parque do Pedroso. Lá, teria ficado somente de cueca. Após discutir com os policiais, teria sido obrigado a correr. Nesse instante, desesperado, o menino caiu no lago e se afogou. A versão pode ser a mais provável, já que o exame necroscópico realizado pelo IML (Instituto Médico Legal) não encontrou lesões no cadáver. O laudo final atestou morte por afogamento.

    “Se eles não tivessem levado meu neto no Pedroso, ele não estaria morto. Eles que mataram. Morreu afogado, mas foram eles que levaram o menino para afogar. Eles afogaram o menino, esse malditos. Esses infelizes que mataram o menino. Vocês que mataram ele. Além de safados, são mentirosos”, completou Maria do Carmo.

    Para a advogada Maria Zaidan, defensora da família desde o início do caso, “infelizmente o sistema judiciário é muito lento”.

    “Agora nesta fase de quarentena será mais complicado. Estive na delegacia de homicídios no mês passado onde fui informada que inquérito policial ainda não foi concluído”, afirmou.

    Maria Zaidan ainda explicou que o sigilo nas investigações faz com que ela e o as advogados dos policiais não tenham acesso sobre o andamento das apurações.

    Quarentena por coronavírus impediu que novo ato fosse realizado como em 13/2 | Foto: Paulo Eduardo Dias/Ponte Jornalismo

    Paralelo ao caso de Lucas está a situação da mãe do menino, Maria Marques Martins dos Santos, 39 anos, que continua presa na Penitenciária Feminina de Sant’ana, no Carandiru, zona norte, mesmo com um habeas corpus concedido pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) no dia 7 de abril.

    Maria Marques foi presa em 19 de novembro ao prestar depoimento justamente sobre o desaparecimento de seu filho, já que tinha um mandado de prisão aberto por tráfico de drogas expedido em 2017. A mulher, que até então se apresentava como madrasta de Lucas e de nome Teresa, foi uma das últimas pessoas a ver o jovem com vida. Foi ela também quem atendeu policiais militares que foram até sua residência horas após o menino desaparecer. Maria nega que soubesse do pedido de prisão, já que a última notícia que tinha de seu processo é de que havia sido absolvida.

    Os policiais civis que prenderam Maria em 2012 na Favela do Amo contaram a versão de que “avistaram a acusada em movimentação típica de venda de entorpecentes”. Com a abordagem, encontraram R$ 35 e, durante conversa, Maria Marques teria afirmado que guardava a droga em um buraco na parede. Nesse local, ainda segundo a versão dos policiais, foi encontrado uma pequena bolsa em que continham 10 invólucros de maconha (16,4 gramas), 37 invólucros plásticos com cocaína (35,3 g), além de outras 39 cápsulas de cocaína (7,2 g).

    “Espero ansiosa a saída da minha irmã, mas tenho medo, pois acho que ela vai correr risco aqui na rua enquanto não descobrirem quem é o assassino do filho dela”, finalizou Isabel Daniela dos Santos.

    Em nota, a Secretaria da Segurança Pública informou que “o caso é investigado, sob segredo de Justiça, pelo Setor de Homicídios e Proteção à Pessoa (SHPP) de Santo André. Paralelamente, a Polícia Militar encaminhou o IPM ao Tribunal de Justiça Militar, solicitando mais prazo para apurações complementares. Os policiais envolvidos na ocorrência permanecem afastados das atividades operacionais”.

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